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08/03/2012Por Flavia Lima | De São Paulo
Presidente da Bahema, Ferreira continua ganhando dinheiro com companhias para as quais “o mundo vira as costas”
Os avôs provavelmente desaprovariam o caminho que ele escolheu para ganhar dinheiro. Um dos patriarcas, herdeiro de uma fortuna iniciada com a venda de uma concessão de bondes no Rio de Janeiro, achava que o investimento em bolsa era algo semelhante às apostas em cavalos.
O outro, que aprendeu a ler aos 12 anos, mas aos 19 ingressava na faculdade de medicina, dizia que o capital existia basicamente para gerar emprego. Na contramão, Guilherme Affonso Ferreira escolheu fincar raízes no mercado financeiro, ambiente em que multiplicou por muitas vezes o patrimônio da família e onde hoje é reconhecido por isso.
Que o digam as cerca de oitenta pessoas – a maioria, jovens ávidos por compreender suas estratégias – que se espremiam em um dos auditórios da Casa do Saber,em São Paulo, em uma segunda-feira à noite só para ouvi-lo. Isso, após desembolsarem algumas centenas de reais para acompanhar o ciclo de palestras com grandes investidores – Luis Stuhlberger e José Carlos Magalhães são os próximos sabatinados.
Descontraído, o presidente da Bahema Participações – empresa com R$ 90 milhões em aplicações e que busca adquirir posições minoritárias em empresas negociadas em bolsa – disse que continua ganhando dinheiro com companhias para as quais “o mundo vira as costas”. No total, Ferreira tem cerca de R$ 1,1 bilhão sob gestão, incluídos os recursos de um fundo da Rio Bravo, gestora em que é sócio, e outros R$ 250 milhões de um family office.
Entre as escolhidas, citou Gafisa, empresa da qual faz parte do conselho de administração desde abril do ano passado e que, em suas palavras, “tem muito a resolver”. Disse que entre 2007 e 2008, quando o setor ia bem, simplesmente não olhava para construção. Mas que finda a euforia, as oportunidades se colocaram com força.
Commodities é outra de suas apostas, justamente em um momento em que o mercado parece ignorar papéis mais sujeitos às turbulências externas. “Continuamos animados com o mercado interno, mas tenho a sensação que um R$ 1,70 não compra US$ 1, isso está errado”, afirmou. “As exportadoras se mostram atrativas, desde que o investidor entenda que isso pode levar tempo para se confirmar.”
Ele contou também que olha até mesmo para ações globais. Para Ferreira, assim como os estrangeiros se interessam pelo país, os brasileiros têm de abrir a mente e olhar para o mundo. “Eventualmente, os ativos lá fora podem desempenhar melhor.”
Atualmente, Ferreira participa do conselho de administração de nove companhias, entre elas Pão de Açúcar, SulAmérica, Eternit, Valid, Arezzo, Ideiasnet, Gafisa, a espanhola Tavex e a Rio Bravo. Mas em algumas, como em Arezzo, por exemplo, não tem participação. “Gosto de entender como funciona o varejo, mas não tenho ações da empresa.” Questionado em qual desses comitês passou por situações mais emocionantes, não titubeou. “Pão de Açúcar teve momentos divertidíssimos”, afirmou entre risos da plateia.
Do alto da experiência de quem já teve uma participação relevante em Unibanco, Ferreira acredita que a consolidação financeira ainda não acabou e diz esperar o momento em que “um banco brasileiro vai fazer uma operação internacional”. “Hoje dá medo porque a situação está ruim, mas vai acontecer”, diz, ressaltando que o setor está barato.
Em trinta anos de mercado financeiro, entre outros acertos citou a participação em Eternit – que com a saída do controlador passou a ser gerida por, segundo suas palavras, um “exército de Brancaleone de minoritários”, formado por figuras conhecidas como o investidor Lírio Parisotto e o coreano que hoje comanda a gestora GWI, Mu Hak You.
Mas não se esquivou de falar de alguns grandes erros, como o investimento que considerou caro na franquia Arby’s. “Dentre outras coisas, pagávamos pela coca-cola mais do que o dobro do que pagava o McDonald’s “, afirmou. “Foi um desastre.”
Do volume que tem sob gestão atualmente, a maior parte está em fundos da Rio Bravo – R$ 750 milhões. Do patrimônio pessoal, 100% estão aplicadosem ações. Ferreiradiz que nunca fez investimentos na vida que não fossem ancorados na estratégia “long only” – a compra e manutenção de um papel por algum tempo. “Não gosto de torcer contra.”
Diz ainda que nunca compra uma ação com menos de dois meses de estudo. E que nenhum papel que detém representa mais de 15% ou 20% das carteiras que administra. “Os mais arriscados não chegam a 4%”. De tudo o que tem em ações, algo como 15% ou 20% são papéis que considera como “semi-caixa”. ” Petrobras, por exemplo, que pode ser transformada em dinheiro em dois ou três dias”.
O “stop loss” (a ordem para vender um papel para interromper as perdas) é outro mecanismo interpretado de um modo especial por Ferreira. “Não tenho ‘stop loss’, tenho teses. O preço da ação pode ir aonde for, vendemos quando a empresa começa a fazer o que não concordamos.”
Assim como o conceito de diversificação de risco. “Tenho negócios em estágios diferentes de maturidade, como Gafisa, que considero estar no estágio um, ou Valid, no estágio três, que dão balanceamento à carteira.”
Por fim, reconhece que tem horror a imóveis. “Tenho enorme dificuldade em entender como alguém compra algo em que o corretor vai ganhar 6%”, disse o investidor, que vendeu a única casa que um dia foi dono e que hoje paga aluguel.
Encerrado o evento um pouco depois das dez da noite, várias pessoas ainda tinham perguntas a fazer para o homem que em meados da década de 80 decidiu investir sobras do caixa da empresa da família – a Bahema, até então uma revendedora da empresa americana de equipamentos agrícolas Caterpillar – em algo que tivesse ciclos diferentes do negócio. E que em pouco mais de vinte anos, multiplicou estas sobras de caixa por mais de vinte vezes o valor da companhia mãe. Diante dos resultados, o que pensariam hoje os avôs?
http://www.valor.com.br/financas/2557926/licoes-de-um-investidor-que-anda-pela-contramao