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28/03/2012“Estamos devolvendo dinheiro a investidores,” diz sócio da Dynamo
28/03/2012João Sandrini
28/03/2012
São Paulo – Quem bate o olho na rentabilidade nominal do Dynamo Cougar, um dos fundos de ações mais antigos do Brasil, acha que está diante de algum equívoco. O fundo teve uma valorização de inacreditáveis 1.014.594% desde que foi criado em setembro de 1993. É lógico que o número está bastante poluído porque a aplicação foi criada em um momento de inflação elevadíssima no Brasil. Mas mesmo o resultado deflacionado pelo IGP-M é capaz de impressionar qualquer investidor. O retorno real do Dynamo Cougar alcança 6.774% desde então, transformando muita gente em milionários.
Para quem acha que acaba de descobrir quem vai contratar para investir algum dinheiro em ações, aqui vai uma má notícia. O Dynamo Cougar está fechado para novas captações. Pedro Damasceno, sócio da gestora de recursos, afirma que não enxerga neste momento oportunidades na Bovespa que justifiquem o investimento de mais recursos. Ele também diz que uma parte dos 6 bilhões de reais sob administração já está em caixa à espera de melhores oportunidades para entrar no mercado. Em palestra realizada na Casa do Saber,em São Paulo, realizada na noite de segunda-feira, Damasceno detalhou a filosofia de investimentos, as ideias e alguns momentos marcantes da história da Dynamo:
Bolsa
A Dynamo sempre foi uma gestora com visão “bullish” [otimista] com o potencial de retorno das empresas brasileiras e pessimista com o Brasil. De 2004 para cá, no entanto, tem sido o contrário. O país vive um bom momento, mas é muito difícil encontrar na bolsa bons negócios a preços razoáveis. As bolsas mundiais estão caras. Estamos devolvendo o dinheiro dos investidores lá fora. Aqui isso não é possível devido aos custos tributários, mas estamos fechados para novas captações e mantemos um percentual acima da média de dinheiroem caixa. Opreço que a gente paga por isso é que se a bolsa andar muito, ficaremos para trás. Mas preferimos não fazer nada a investir em ativos que nos deixem desconfortáveis.
É lógico que dentro de alguns anos, vamos olhar para trás e perceber que muitas companhias garantiram retornos excepcionais no período. Mas vejo poucas oportunidades óbvias neste momento. Vou dar exemplos do que mudou. Em meados da década de1990, aPerdigão valia 50 milhões de reais, a AmBev custava 3 bilhões de reais e o Itaú, 6 bilhões de reais. Não tem nada parecido agora. O Brasil mudou. As empresas têm muito mais acesso a capital, o que é uma mudança estrutural. Nem o mais otimista dos analistas esperaria que a Hering ou a Lojas Renner conseguiriam alcançar os resultados atuais. É preciso buscar as empresas que vão se beneficiar se esse processo continuar, mas sem correr riscos exagerados.
A bolsa é difícil para pessoas físicas
É muito difícil para uma pessoa física ou para que qualquer investidor que não acompanha de perto a bolsa identificar quando uma possível ruptura vai criar uma oportunidade de compra de ações. A pessoa física tem que buscar sua zona de conforto e investir em coisas mais estáveis ou que conhece bem. A própria Dynamo tem dificuldade para acompanhar empresas de tecnologia e de commodities, por exemplo. Já tivemos empresas de matérias-primas em nossa carteira, mas não nos julgamos capazes de prever com precisão o preço futuro do petróleo ou do minério de ferro. Então a gente não dorme tranquilo se tiver uma grande posição disso.
Outro conselho que daria às pessoas físicas é evitar os grandes erros. Um prejuízo grande com apenas uma posição pode estragar a rentabilidade geral. É preciso escolher bons negócios e deixar a magia dos juros compostos multiplicar o dinheiro. Alguns erros muito comuns são a tentação de tentar adivinhar o momento certo de entrar e sair do mercado e aquela fraqueza de vender as ações quando a macroeconomia é desfavorável. Nessa questão de “market timing”, nós mesmos que estamos na bolsa há tanto tempo não nos julgamos capazes de acertar. A gente sempre entra e sai de um investimento muito cedo.
Eu também acho arriscado demais ficar procurando aquele negócio que vai render 100% em um ano. A gente está atrás de companhias que garantam um retorno de 15% a 20% ao ano de forma consistente.
O que é um bom negócio
Hoje a competição entre empresas é muito maior. Diversas multinacionais estão de olho em mercados que antes eram oligopolizados, dominados por poucas empresas brasileiras. Uma preocupação que a gente sempre tem é levantar quais serão as empresas mais afetadas por esse processo. Preferimos as empresas que detêm o canal de distribuição. A lista de multinacionais que investem um bom dinheiro no Brasil e o negócio não deslancha é enorme. A distribuição é a grande barreira de entrada para novos concorrentes.
A AmBev é um bom exemplo disso. A companhia tem uma rede de distribuição que lhe dá uma vantagem competitiva praticamente intransponível. No caso dos bancos de varejo, é a mesma coisa. Bradesco e Itaú conseguem levantar dinheiro barato e repassar os recursos com um bom ganho. Olhando lá fora, a gente vê que o negócio bancário é mais regional mesmo. Poucos são os bancos que conseguem ter uma presença em várias regiões e, ainda assim, serem muito lucrativos. O Santander o HSBC talvez sejam duas exceções a serem destacadas.
Negócios à prova de idiotas
É muito difícil avaliar quando um negócio é bom a partir das pessoas que foram apontadas para geri-lo. Essa não é uma questão de honestidade ou da falta dela. Muitos empresários com quem conversamos acreditam piamente que seus negócios são excelentes. O problema é que muitas vezes os caras estão errados. Perceber se o executivo é ou não bom é ainda mais difícil quando há grande rotatividade na companhia. Pegue o caso da Redecard, por exemplo. O diretor que está na empresa há mais tempo chegou há uns dois anos e meio. Então o que a gente tenta fazer é selecionar aqueles negócios que aguentam muito desaforo mesmo com as pessoas erradas. O Warren Buffett costuma dizer que algum dia um idiota vai gerir a companhia em que você investe. Então é melhor que seja uma empresa boa o suficiente para atravessar essa fase.
A tentação dos investimentos temáticos
A Dynamo nunca se deu bem com investimentos temáticos. Quando a gente acha que algum setor vai ser a bola da vez, sempre erra feio. De2003 a2005, por exemplo, gastamos muito tempo estudando o pré-sal. Éramos próximos da Petrobras e já ouvíamos falar do potencial impressionante do negócio. Mesmo considerando que geólogos são sempre bastante otimistas, nós e o mundo inteiro estávamos animados com a nova fronteira de exploração de petróleo.
Começamos a estudar as empresas que estavam com a Petrobras no negócio do pré-sal e montamos um portfólio que incluía ações da Repsol, da Galp e da Statoil. O pré-sal acabou se revelando uma reserva com um potencial muito maior do que qualquer um de nós imaginava. Mas, mesmo assim, nosso investimento foi horroroso. O portfólio de ações de petróleo da Dynamo teve um desempenho inferior à British Petroleum, que protagonizou o maior acidente da indústria petrolífera mundial [a empresa destruiu o Golfo do México com um vazamento em 2010]. A lição que ficou é que investimento temático não funciona. O que é preciso fazer é encontrar os bons negócios e investir neles.
Estratégia
A Dynamo utiliza a estratégia conhecida como “value investing”, baseada nos fundamentos para a escolha das melhores empresas. Isso sempre foi muito comum nos Estados Unidos, mas quando começamos a adotar essa filosofia no Brasil, éramos tratados como um ET. Os investidores não iam às companhias levantar informações enquanto a gente tratava isso como a base de nosso trabalho de analista.
Em primeiro lugar, a gente sempre olhou os números da companhia. Isso é muito simples de fazer. Uma boa faculdade ou um curso de MBA já ensina os alunos a avaliar o balanço de uma empresa. O passo seguinte é olhar o negócio. Gastamos 80% do nosso tempo fazendo isso. É o mais difícil de fazer porque o que é uma boa empresa hoje nem sempre será daqui a algum tempo. A desconstrução do negócio envolve os oito sócios da Dynamo. O investimento só é feito quando há um consenso sobre a atratividade.
O último passo é analisar as regras que normatizam a atuação da companhia. Olhamos os documentos societários, o acordo de acionistas, o estatuto da empresa e as regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). No Brasil, tem muito documento público que a maioria dos investidores não lê nem dá a devida atenção. A razão para nossa preocupação é que na década de 1990 havia uma expropriação muito grande dos acionistas minoritários. A Lei das S.A. permitia muitos “abusos”. Tivemos de ir algumas vezes à CVM e à Justiça para fazer valer nossos direitos. Daí veio nossa obsessão por sempre entender as regras do jogo antes de começar a jogar.
Os primórdios
O Brasil da década de 1990 era muito hostil para investimentos em “small caps” [as empresas com baixo valor de mercado]. Naquela época, era quase um investimento de “private equity” em empresas abertas, tamanha era a falta de liquidez da maioria dos papéis negociadosem bolsa. Agente tinha de comprar as ações e esperar até que o valor do investimento aparecesse.
Também era difícil levantar dinheiro junto aos investidores, que não conheciam muito bem esse negócio de fundos. Demos muita sorte de ter começado muito bem e apresentado bons resultados logo no início. Através de uma propaganda feita boca a boca, começaram a chegar novos investidores.
Uma posição bem lucrativa
A Dynamo ganhou muito dinheiro com o negócio de adquirentes do setor de cartões. Cielo e Redecard chegaram à bolsa no final da década passada e eram difíceis de analisar. Conhecíamos o balanço dos bancos e sabíamos que esse era um bom negócio, mas era um setor novo na bolsa, o que sempre traz mais dificuldades. O setor passou por uma grande provação em meados de 2010, quando o Banco Central deixou claro que queria mais competição e menores preços nas transações com cartões.
O mercado ficou bem assustado. As ações despencaram. Mas a gente tinha a convicção de que era um negócio muito protegido e vimos a oportunidade de realizar o investimento. A gente sabia que haveria mais concorrência entre a Redecard e a Cielo, mas não achava que seria no mesmo grau que o mercado estava achando. A grande barreira para novos entrantes seria a distribuição. Nos Estados Unidos e na Europa, o banco não era dono do negócio como aqui. O Bradesco, o Banco do Brasil, o HSBC e o Safra oferecem os serviços da Cielo. O mesmo vale para o Itaú com a Redecard.
Outro problema dos entrantes seria a escala. O Pão de Açúcar já pagava pouco pelas transações com cartões. Esse cliente não garantiria uma grande margem para novas empresas. Já o pequeno comerciante gera pouca receita e não garante escala. Até encomendamos um levantamento a um instituto de pesquisas para verificar se a empresa de cartões do Santander estava avançandoem São Pauloeem Porto Alegre, onde o banco possui grande participação. Era um questionário aplicado mensalmente que nos mostrava que a Redecard e a Cielo estavam resistindo bem.
Também visitamos diversos países onde o Banco Central dizia que havia forte concorrência no setor de cartões. Falamos ainda como BC, o Cade, o Ministério da Justiça e órgãos de defesa do consumidor. Foi a partir disso que chegamos à conclusão de que o aumento do volume de transações com cartões compensaria a queda das margens do negócio. Esse setor tem crescido 20% ao ano. Então tivemos de nos afastar do dia a dia das notícias ruins, o que não é fácil, e se concentrar no conjunto do negócio. Mas foi recompensador.
Um grande fracasso
Um dos nossos maiores fracassos foi com a Bombril. A gente viu que a empresa tinha problemas e permaneceu até o final com o investimento. A empresa gerava muito caixa, mas era controlada por um cara polêmico, o italiano Sergio Cragnotti. Ele tinha 100% das ações ordinárias da Bombril e também controlava uma grande empresa de alimentos que havia sido estatal na Itália. O Cragnotti usava a Bombril quase como um banco para a operação italiana, que recebia dinheiro emprestado do Brasil. Nós e outros acionistas como a Previ e o BNDES fomos à Justiça contestar. Sabíamos que o empresário não era honesto, mas achávamos que o negócio era tão bom que mesmo assim valia a pena. O fim disso tudo não foi nada virtuoso. A empresa chegou a ser obrigada pela CVM a assinar um termo de ajustamento de conduta que nunca foi cumprido. Depois, o Cragnotti até foi preso na Itália. A lição que ficou foi a de não investir onde as pessoas não são confiáveis.
A Petrobras
A Petrobras é uma das empresas mais ricas do mundo e vai continuar a ser por muitos anos. O governo intervém bastante na empresa, mas isso não é necessariamente um impeditivo para o investimento, já que é o que acontece em quase todas as estatais do setor. O problema da Petrobras é que haverá um gigantesco comprometimento dos fluxos de caixa da companhia por muitos anos devido aos investimentos em novos campos de petróleo. A empresa poderia, por exemplo, abandonar alguns campos em terra e concentrar seus recursos no pré-sal, por exemplo. Mas isso não parece ser do interesse nacional. A empresa também vai ter de se virar para arrumar gente, equipamentos e dinheiro para cumprir todos seus objetivos nos próximos anos.
As incorporadoras
A Dynamo sempre achou que as incorporadoras têm problemas estruturais. Só passamos a investir nesse setor quando entendemos que a natureza do negócio é bem parecida com a indústria de hedge funds. Tanto nós como eles temos mais dificuldade para captar dinheiro quando a economia vai mal e recebemos muitos recursos quando está tudo caro e não tem muito o que fazer com o capital.
A incorporação de imóveis sempre vai ser um negócio bem alavancado e de alto risco. Mas houve uma forte correção nos preços no ano passado a partir do momento em que as empresas corrigiram seus balanços e divulgaram estouros orçamentários. Nós achamos que os preços estavam convidativos e investimentos principalmente nas ações da Helbor. Duas questões pesaram na escolha. Tivemos uma identidade muito forte com o empresário que comanda a empresa e eles criaram uma conselho independente que passou a deliberar sobre os dividendos que serão distribuídos aos acionistas. Na prática, os dividendos só são retidos quando o empresário convence os acionistas de que há fins melhores para aquele dinheiro.
O setor elétrico
A gente gosta de investir no setor elétrico, mas é preciso entender a lógica desse negócio. O setor elétrico é muito regulado e, a cada quatro anos, o governo estuda a estrutura de custos das empresas para definir a taxa de retorno que será garantida ao investidor. Muita gente não entende o impacto disso no caixa das empresas e investe no setor elétrico como se fosse renda fixa. Mas não é assim que funciona. Se uma ação que vale 10 reais hoje cair muito porque o governo definiu que as tarifas cobradas pela empresa precisam ser reduzidas, o valor do papel terá uma forte correção. Investimentos no setor elétrico só são parecidos com renda fixa no período de três anos após a última revisão tarifária. No quarto ano, o papel poderá oscilar bastante tanto para baixo quanto para cima, de acordo com a expectativa sobre as negociações com o governo.
A necessidade de ser global
Criamos a Dynamo Capital em Londres para criar a inteligência necessária para conseguir entender melhor o que está acontecendo aqui. Ao longo dos anos, surgiram várias propostas para que criássemos fundos novos, em renda fixa, long/short, na Argentina… Mas a gente nunca quis porque todos os sócios são analistas de ações. Ao mesmo tempo, a gente sempre olhou para as bolsas e as empresas abertas fora do Brasil com muita curiosidade. Não demorou para percebermos que em alguns setores como a siderurgia, só dá para entender o que está acontecendo aqui quando é analisado o contexto global. Foi isso que nos motivou a constituir um fundo lá fora para investir em empresas dos Estados Unidos e da Europa.