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26/12/2012Máquinas capazes de ler os pensamentos ainda não foram inventadas, mas a era digital já oferece novos caminhos para as empresas que desejam compreender melhor os desejos dos seus clientes. Para as companhias presentes na internet, estão disponíveis tecnologias que permitem observar bem de perto o comportamento dos consumidores enquanto navegam no seu site: quais produtos procuram, quanto tempo permanecem em determinada página, o que deixam fora da cesta virtual de compras. Com estes preciosos dados em mãos, fica mais fácil “adivinhar” quais são os anseios de cada um e oferecer produtos de maneira certeira. No lugar das correspondências que enchiam as caixas de correio, entra em cena cada vez com mais força a tecnologia.
Nem todos imaginam – principalmente os que não são nativos digitais –, mas enquanto navega por um site, o internauta escancara suas preferências ao gerar dados sobre quais são as suas áreas de interesse. Esta pegada deixada para trás permite que as empresas personalizem sua interação com cada cliente, por meio de banners publicitários com produtos direcionados ao gosto de quem navega pela internet, tanto por meio de e-mail marketing quanto pela seleção das vitrines que serão expostas para diferentes pessoas. Mesmo depois de o cliente sair do site do varejista, as “adivinhações” continuam: anúncios sobre os seus sonhos de consumo pipocam insistentemente em outros portais.
Uma das pioneiras no uso desta estratégia no mercado brasileiro é a Netshoes, varejista de calçados e artigos esportivos que atua exclusivamente na web e conta com 12 milhões de acessos únicos por mês. Há cerca de um ano e meio a companhia investe pesado em tecnologia, para obter uma comunicação personalizada com seus clientes.
O diretor de Tecnologia (CTO) da Netshoes, Ricardo Nasser, acredita que este tipo de iniciativa garante pelo menos o dobro da taxa de conversão (ou seja, vendas) para as empresas que a utilizam. “Quem se aventurar no comércio eletrônico sem adotar este tipo de estratégia vai ter pelo menos metade da taxa de conversão que uma concorrente que usar a tecnologia”, diz.
O executivo explica que a Netshoes armazena os dados de navegação de cada cliente e elabora um modelo de propensão à venda. Em um segundo momento, pode enviar um e-mail ou fazer uma oferta do produto desejado ou um similar. Caso a empresa perceba um interesse particular por um tipo de esporte, pode ainda sugerir produtos combinados para determinada finalidade, como corrida, Pilates, ou itens relacionados ao time do coração.
Isso é possível porque os sites deixam registros no computador de cada cliente, chamados de cookies. Esses cookies indicam que aquele computador já esteve no site e teve determinado comportamento. Quem se sentir invadido pode apagar esses registros a qualquer momento, deixando de ser reconhecido pela empresa. Outra opção para o consumidor é selecionar com quais companhias deseja compartilhar esses dados.
Ao sair da página, a interação com o cliente permanece. Isso porque os anúncios das empresas continuam a aparecer em outros locais de conteúdo, como os grandes portais ou nas redes sociais, como o Facebook. Podem ser sugeridos produtos mais caros ou mais econômicos, de acordo com o perfil de comportamento de cada usuário.
A eficácia desta estratégia depende não apenas da tecnologia para coleta de dados, mas da interpretação e da boa utilização destas informações, segundo explica um dos sócios da consultoria de marketing digital BizMe, Barry Koot. “É importante não apenas usar as novas tecnologias, mas investir em inteligência para tratamento destes dados”, explica. O executivo da Netshoes concorda que a tecnologia sozinha não resolve a charada, pois é preciso dominar o meio em que se pretende trabalhar. Segundo ele, o Brasil deve ter hoje pelo menos uma dezena de empresas que utilizam e dominam o processo.
Para isso, a Netshoes utiliza softwares estrangeiros e outros desenvolvidos dentro de casa, além de análise estatística e contato permanente com universidades de ponta no exterior. Fornecedores brasileiros não deixam a desejar. “Existem bons desenvolvedores no Brasil, especialmente quando o assunto é segurança da informação, pois temos um dos melhores sistemas bancários pela internet do mundo”, conta Nasser.
O interesse das companhias brasileiras no assunto motivou a vinda da consultoria francesa Criteo para o Brasil no ano passado. Com escritórios em 15 países, a empresa atende clientes como a própria Netshoes e outras grandes corporações. Segundo o diretor da empresa para Brasil e América Latina, Alessander Firmino, a estratégia mencionada é conhecida no meio como “retargeting” e é usada em outros países desde 2009. A Amazon é tida como pioneira nesta área. No mercado nacional, ela vem sendo adotada há cerca de dois anos.
Inicialmente, as empresas reconheciam o usuário que havia navegado em seu site e enviavam mensagens ou anúncios mais genéricos, convidando-o a voltar ao site. O retargeting é uma evolução desta ferramenta, pois é baseada em uma personalização maior.
Firmino conta que cerca de 50% das compras feitas pelos usuários na rede não ocorrem no primeiro contato com o produto e por isso é tão importante manter o relacionamento com o cliente.
Este instrumento pode ser usado não apenas por varejistas, mas por qualquer empresa que tenha presença online, como imobiliárias, sites de empregos e de compra coletiva, além da indústria automotiva. Em muitos casos, o usuário é convidado a fazer um cadastro para ser contatado pela empresa.
O especialista destaca que nenhum dado pessoal é coletado automaticamente, apenas quando o cliente opta por fazer um cadastro. “Nenhuma informação pessoal entra na coleta de dados, como profissão, gênero, idade, e-mail”, explica. Na Europa, onde a Criteo atua, existem regras rígidas em relação a isso, e a empresa aplica as mesmas normas para o mercado brasileiro. “Apenas o comportamento do cliente no site é levado em conta”, afirma. A Netshoes destaca que toma os mesmos cuidados.
Invasão ou não?
A aproximação das empresas com seus consumidores pode parecer invasiva, mas a expectativa é justamente o contrário: fazer com que ele receba menos mensagens pouco relevantes e seja abordado apenas por mensagens de seu interesse. Esta é a visão dos professores de marketing digital da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), Ricardo Tarabay e Gláucio Corniani.
Eles contam que, recentemente, durante uma aula, questionaram 20 alunos sobre o tema e oito disseram que preferiam não compartilhar seus dados. “Os demais gostavam de compartilhar estes dados, desde que recebessem informações do seu interesse”, afirma Corniani. Na visão dos professores, haverá pessoas abertas a este tipo de interação, pois ela permite o acesso a ofertas e informações pertinentes ao perfil de cada um.
Outro argumento favorável à utilização da ferramenta, de acordo com os especialistas da ESPM, é que uma loja física tradicional também pode monitorar o comportamento dos clientes em suas instalações e fazer uma interação personalizada, enviando propagandas. “Nos mercadinhos de bairro acontece o mesmo. O empresário escolhe os produtos que vai vender porque conhece o gosto dos clientes”, explica Tarabay.
O desafio é deixar claro ao internauta qual é exatamente a política de cada negócio virtual. Muitas vezes, o consumidor libera o acesso de suas informações a empresas sem tomar o devido conhecimento. Quando cria contas de e-mail, nas redes sociais ou usa seu login do Facebook para instalar aplicativos, por exemplo, está autorizando o acesso aos seus dados. São as famosas letras miúdas dos contratos de antigamente, hoje sob a forma de um clique no botão “aceito” referente aos termos e condições de uso do aplicativo.
Reação negativa
Aos poucos, as pessoas têm tomado mais conhecimento sobre esse lado da internet. Um estudo divulgado nos Estados Unidos, o “Pew Internet Project”, revelou que alguns usuários de smart-?phones estão recusando o download e desinstalando alguns aplicativos devido à preocupação sobre a quantidade de dados pessoais que estes programas coletam. A conscientização terá um peso crescente, pois os advogados dizem que os termos e condições são suficientes para proteger as empresas quanto ao acesso aos dados dos consumidores.
O especialista em direito digital Leandro Bissoli, do escritório Patricia Peck Pinheiro Advogados, explica que as companhias têm a obrigação de deixar claro como fazem uso das informações e avisar os usuários, expondo sua política de privacidade no portal. Os distribuidores de aplicativos de internet e celular também devem fazer o mesmo. “O importante para a empresa é deixar isso claro, ter preocupação com esta transparência”, afirma o advogado. Segundo Bissoli, a maioria dos portais já descreve as informações que coletam e como as utilizam, em seus termos e condições de uso e na política de privacidade.
Até o momento, não há uma regulamentação específica sobre a internet no Brasil, mas está em vias de aprovação o seu marco civil regulatório. Segundo Bissoli, o texto diz que os provedores de conteúdo (como portais e lojas virtuais) podem ou não armazenar informações da navegação do usuário, de acordo com seu próprio critério. “Nos provedores de conteúdo isso é facultativo, pode ou não ocorrer”, explica.
No entanto, existe um projeto de lei que altera o Código de Defesa do Consumidor e trata sobre a questão da proteção dos dados, o que pode ter alguma implicação sobre a guarda e o vazamento destas informações. Segundo o advogado Márcio Cots, este projeto limita o uso de mailing e exige a autorização expressa do usuário para receber tal tipo de abordagem.
A aprovação dos dois textos ainda não ocorreu, e alterações provavelmente serão feitas em ambos. No entanto, a discussão sobre o uso da internet está mais aquecida do que nunca – assim como o apetite das companhias para aprender a navegar nesta mídia em constante desenvolvimento.