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26/03/2013DCI: Compensação pode se tornar a grande saída
01/04/2013- Aprovado o projeto que dá mais benefícios aos empregados domésticos, é necessário detalhar e garantir o cumprimento das novas regras
BARBARA MARCOLINI
MANUELA ANDREONI
RIO – Há 25 anos, na Constituição de 1988, foi a vez de salário mínimo, férias, licença-maternidade. Ontem, o Senado aprovou a hora extra, o FGTS, o auxílio-creche e outros benefícios para os empregados domésticos. Eles conquistam os direitos, mas precisarão garantir seu cumprimento. Diferentemente das empresas, as casas e os apartamentos são invioláveis, fechados à fiscalização de órgãos públicos — a não ser com mandado judicial, que só pode ser cumprido entre 6h e 18h. Para bater o ponto, domésticos terão de ter a disciplina de preencher a carga horária trabalhada em um pedaço de papel, que ganhará status de documento legal. A profissionalização da relação de trabalho exigirá afinco das domésticas e de seus patrões para entender e cumprir o que será lei.
A hora extra é o maior motivo de dúvidas e polêmicas da Proposta de Emenda Constitucional 478/2010, vulgo PEC das domésticas. A jornada de trabalho não poderá ser superior a oito horas diárias, ou 44 semanais — com mais até duas horas de descanso. Cada hora extra custará 50% a mais do que a normal. O pedido de um copo d’água depois das 18h não sairá impune. Caberá à empregada doméstica preencher e assinar seu próprio ponto, que, em caso de disputas judiciais, poderá ser usado como prova. A assinatura de um contrato de trabalho também é recomendada. Dessa forma, passa a ter limites a relação afetiva entre o empregado que trabalha em “casas de família” e o patrão.
— Para garantir a autenticidade da folha de ponto, a relação de emprego terá que ser de muito mais confiança. Se você não confia no seu empregado, é melhor procurar outro. O empregador também vai ter a responsabilidade de perguntar o porquê das horas extras, dizer que não quer que faça isso se for o caso. Essa questão profissionaliza muito mais a relação e diminui essa relação afetiva que ainda é muito forte — avalia Artur de Azambuja Rodrigues, procurador-chefe substituto do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro.
Para quem dorme no trabalho, como é o caso de muitas cuidadoras, ainda faltará a regulamentação para que se esclareça até que ponto haverá pagamento extra. Segundo Vania de Araujo Toro, advogada trabalhista do escritório Toro Advogados e Associados, o pagamento dependerá da disponibilidade do empregado.
— O contrato de trabalho vai ter que ficar muito bem definido, com o horário do trabalhador. Se for uma cuidadora, e ela estiver disponível mesmo dormindo, isso pode significar adicional noturno e horas extras. Quando a empregada dormir simplesmente por dormir, observadas as horas que tem de trabalhar, o aspecto de morar lá não pode ensejar um custo — avalia.
Quem não tiver direitos respeitados, deve denunciar
No caso da falta de uma folha de ponto, uma possível ação judicial para cobrança de direitos necessitará de testemunhas, como um funcionário do prédio ou um empregado da casa ao lado. Advogado do sindicato dos trabalhadores domésticos de Niterói, São Gonçalo e região, Gilmar de Almeida lembra que, em muitos casos, a empregada doméstica pode acabar aceitando as ordens do seu patrão por falta de provas ou por medo de perder o emprego.
O trabalhador que sentir que seus direitos não estão sendo cumpridos pode denunciar sua situação em qualquer posto de atendimento do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Se houver necessidade, será orientado a procurar a Justiça do Trabalho. Há, porém, um obstáculo à atuação do órgão: sem a autorização do proprietário da casa, os fiscais do MTE só poderão entrar no local de trabalho para checar a denúncia se houver uma determinação da Justiça. Averiguar questões como a insalubridade do ambiente de trabalho será mais difícil do que em empresas.
Apesar dos obstáculos, Almeida prevê um aumento no número de ações judiciais nos próximos meses em decorrência da falta de compreensão das partes envolvidas. Elas já são muito comuns, segundo Rodrigues, do Ministério Público, exatamente por esse motivo. Ainda há muitos que não conhecem os direitos adquiridos pelos empregados domésticos na Constituição de 1988. O procurador acredita que a publicidade que a nova PEC vem ganhando pode contribuir para a conscientização desses direitos.
Maria de Lourdes Pereira, presidente do Sindicato das Domésticas de Nova Iguaçu, conta que recebe uma ligação a cada cinco minutos para tirar dúvidas sobre a nova proposta de lei. Segundo ela, as maiores dúvidas das empregadas são em relação ao Fundo de Garantia e ao seguro-desemprego. Já a maior dúvida dos patrões é sobre a questão das horas trabalhadas.
Ainda há muitos pontos que não foram esclarecidos em relação à PEC, já que precisarão de regulamentação. Mário Avelino, presidente do Instituto Doméstica Legal, considera uma irresponsabilidade a promulgação da PEC sem a normatização. Ele argumenta que o trabalho doméstico se diferencia do trabalho em empresas em diversos aspectos, por isso precisa de uma regulamentação diferenciada:
— O trabalho de casa não é como o da empresa. A maioria das domésticas fica sozinha em casa, sem ter um patrão que regule seu trabalho, por exemplo. Outra questão é que a família de classe média não tem condições de pagar creche. A empregada acaba ficando mais tempo para cuidar das crianças enquanto os pais trabalham.
Especialistas acreditam que a regulamentação da PEC deve demorar no máximo seis meses para ser completada — o que entrará em vigor após a aprovação no Senado e a promulgação é a obrigatoriedade de pagamento de horas extras. Um dos pontos mais sensíveis para a regulamentação é o auxílio-creche. A nova lei diz que todos os trabalhadores domésticos terão direito a ele, mas não especifica quem pagará isso. Caso o empregador precise arcar com mais esse custo, há temor de o salário bruto das domésticas diminuir, ou que muitos deixem de contratar empregados e recorram a alternativas, como comprar congelados e usar lavanderias.
Por mais que haja dificuldades, especialistas não acreditam que a lei ficará apenas no papel. Ela será mais um passo para a formalização das empregadas domésticas, que tem se mostrado uma luta longa. O Brasil tem 6,653 milhões de trabalhadores no serviço doméstico, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2011, e apenas 30,6% são formalizados.
Já houve iniciativas, como a Constituição de 1988 — que estabeleceu direitos básicos — e a possibilidade de deduzir a Previdência paga ao empregado doméstico do Imposto de Renda (limitada a um teto). Para a economista da UFF Hildete Pereira de Melo, estudiosa do trabalho doméstico, a PEC é importante para que se reconheça o doméstico como um trabalhador como outro qualquer.
— Isso também pode provocar mudanças para as políticas públicas para as mulheres, com a conscientização da necessidade de creches, por exemplo. É preciso entender que (as mulheres) fomos para a rua e na rua vamos ficar.
http://oglobo.globo.com/economia/uma-lei-que-precisa-pegar-7956903