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16/09/2014ENTREVISTA GUILHERME ALFREDO DE MORAES NOSTRE
GUILHERME ALFREDO DE MORAES NOSTRE é Advogado criminalista, sócio do escritório Moraes Pitombo Advogados. Doutor e Mestre em Direito Penal pela Faculdade do Largo de São Francisco (USP), lecionou Direito Penal e Legislação Penal Especial na USP. Coautor da obra Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência (Revista dos Tribunais, 2005).
“No Brasil, não existe estrutura normativa capaz de oferecer à liberdade de expressão proteção suficiente contra condutas capazes de lesar esse bem jurídico”. A constatação é corroborada por estudo realizado pelo insigne entrevistado no curso de Pós-Doutorado na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal).
Nessa esteira, GUILHERME NOSTRE fala, com exclusividade, à Consulex, sobre a incriminação das condutas lesivas à liberdade de expressão, apresenta a perseguição sistemática que há no País contra a opinião e a pressão contra a divulgação de notícias. Traz exemplos da manipulação da informação em favor de interesses sociais, políticos e econômicos, argumenta sobre a importância da defesa da liberdade de expressão. Em arrojada proposta1, traça modelo de texto legal para diversas condutas, tipificando cada um dos crimes que atentam contra o direito de opinar e de ter acesso a todas as notícias. “O tema, no meu entendimento, é obrigatório para a sociedade brasileira nos próximos anos”, finaliza.
Revista Jurídica CONSULEX – Qual a perspectiva da proteção à liberdade de expressão no Brasil?
Advogado GUILHERME ALFREDO DE MORAES NOSTRE – No Brasil, não existe estrutura normativa capaz de oferecer à liberdade de expressão proteção suficiente contra condutas capazes de lesar esse bem jurídico. As evidências de tais condutas são identificadas muito frequentemente em ações ou omissões do Poder Público, nas condutas de pessoas físicas e jurídicas detentoras de poder econômico, político ou social. Inúmeras e crescentes ações destes grupos têm violado a livre manifestação de ideias e pensamentos. Têm impedido a livre divulgação de fatos e acontecimentos. Têm atingido o direito à livre circulação de informação.
CONSULEX – Por que se dedicar a este tema?
GUILHERME NOSTRE – Nos últimos anos, tem crescido a preocupação com a tutela dos direitos fundamentais como a honra, a intimidade, a imagem e a vida privada, que sofrem ataques por meio de manifestações de pensamento ilegítimas, que nada têm a ver com liberdade de expressão, sobretudo, ataques feitos por meio da internet e das novas tecnologias. Nesse contexto, criou-se uma confusão conceitual entre liberdade de expressão e essas manifestações deletérias. Isso acabou por gerar um efeito colateral no sentido de criar restrições à liberdade de informação, traduzidas em medidas variadas, inclusive judiciais, que acabam criando obstáculos à difusão das ideias, dos pensamentos e, até mesmo, de fatos e informações relevantes para a sociedade, ou, no mínimo, fundamentais para a formação do caldo cultural que origina a identidade social. Não há liberdade de expressão sem que exista uma proteção efetiva dos comunicadores e do direito de comunicar tudo aquilo que não esteja voltado a destruir a dignidade humana.
CONSULEX – Pode citar alguns fatos que demonstram a necessidade de nos preocuparmos com a questão?
GUILHERME NOSTRE – A proibição de bibliografias não autorizadas, por exemplo, representa uma afronta absurda à liberdade de expressão. A obra literária que trata da vida de uma pessoa não é, por si só, ofensiva ou deletéria à dignidade do retratado. Os fatos relacionados à vida de personalidades de destaque compõem a cultura social. Pode-se afirmar ser relevante para esse caldo cultural saber como um ídolo construiu seu sucesso ou como vivenciou suas mazelas. Mas isso é apenas uma pequena parte do problema; o mais grave é a vulnerabilidade dos comunicadores em face de ataques feitos pelos detentores de poder. Fragilidade profissional e pessoal. Não são raras as retaliações a um comunicador porque um texto contrariou interesses políticos ou econômicos, colocando em risco seu emprego e até mesmo sua segurança pessoal.
CONSULEX – Quais foram as linhas de trabalho para estruturação do estudo sobre o tema?
GUILHERME NOSTRE – A partir de estudos da questão da liberdade de expressão no Brasil e em outros países, além de entrevistas com diversos tipos de comunicadores, busquei identificar as condutas que violam a livre manifestação das ideias e dos pensamentos e que representam obstáculos para que se possa ter na sociedade um ambiente em que os fatos e as opiniões circulem livremente, sem amarras políticas, econômicas ou judiciais, cabendo à própria sociedade enfrentar a questão da validade e da credibilidade das publicações. É preciso acabar, no Brasil, com a farra de comunicadores e veículos de comunicação sustentados não pelo interesse de contribuir para a expressão do pensamento, mas por interesses partidários, pessoais ou econômicos. O comunicador honesto precisa ser protegido, qualquer que seja sua vertente ideológica. E toda a conduta capaz de manipular a verdade e a liberdade do pensamento deve ser punida. É preciso que jamais esqueçamos que a liberdade de expressão não representa apenas o direito do indivíduo manifestar seu pensamento, mas, sobretudo, a própria sustentação da vida em sociedade em um ambiente democrático e plural, em que se respeite a dignidade de todos e de cada um dos componentes do corpo social.
CONSULEX – Diante disso, qual é contexto que norteia a necessidade de cuidarmos disso?
GUILHERME NOSTRE – A pessoa humana possui uma dimensão social, encontrando-se envolvida em um caldo de valores reconhecidamente fundamentais para a sua vida em sociedade e para a realização de suas potencialidades. Nessa dimensão, situam-se elementos da dignidade da pessoa humana que não se ligam diretamente ao ser humano ou às características da personalidade da pessoa, consubstanciando-se em condições sociais para que a pessoa viva de forma digna. Portanto, a liberdade está na essência da dignidade da pessoa humana e não se esgota em uma noção individualista. Dignidade é o respeito a que a pessoa faz jus e com o qual deve ser tratada por ser um ser humano dotado de autonomia, capaz de viver em sociedade, de acordo com os valores sociais do seu meio, onde deve encontrar garantidas as condições de existência e de realização de suas potencialidades.
A liberdade de expressão em nosso tempo – em que as formas de comunicação tomam novos e extraordinários contornos – precisa ser colocada no centro da discussão, tanto no que concerne à afirmação de sua essencialidade, quanto para permitir se debater como evitar os abusos cometidos em seu nome, mas, sem limitar o discurso, sem calar a sociedade e sem retirar, em última análise, a liberdade essencial dos indivíduos
CONSULEX – Como definir a liberdade de expressão?
GUILHERME NOSTRE – A liberdade de expressão deve ser entendida como um dos mais relevantes valores ético-sociais, cuja tutela se impõe em todos os níveis do ordenamento e com garantias institucionais da Administração Pública e do Poder Judiciário, que devem entendê-la como bem jurídico fundamental.
CONSULEX – Qual o problema que enfrentamos?
GUILHERME NOSTRE – Na experiência brasileira não se vislumbra uma estrutura normativa capaz de oferecer à liberdade de expressão proteção suficiente em face de determinadas condutas capazes de lesar esse bem jurídico, consubstanciadas em ações ou omissões do Poder Público, ou, ainda, em condutas de pessoas físicas e jurídicas que, em determinadas circunstâncias, por serem detentoras de poder econômico, político ou social, podem violar a livre manifestação de ideias e pensamentos, a livre divulgação de fatos e acontecimentos, ou, em outras palavras, a livre circulação de informação.
Não basta para a efetivação do direito fundamental de liberdade de expressão que se garanta às pessoas acesso ao Judiciário e o devido processo legal, para que, ao final, lhes seja permitido publicar uma informação ou manifestar um pensamento. O ordenamento jurídico deve desestimular as condutas lesivas, verdadeiras amarras à afirmação da personalidade humana e à formação de uma sociedade justa e plural, proibindo ações voltadas a impedir ou manipular a livre comunicação. E essa proibição deve significar retirar esse tipo de comportamento do âmbito da licitude, impondo, como consequência, uma sanção
Inconcebível, portanto, que lesões provocadas pela publicação de informações sejam objeto de reprimenda, inclusive penal, enquanto a violação do direito de informar e de ser informado possa ser deixado em uma zona de fragilidade, em que, em face de ataques, admite-se que se recorra a mecanismos de garantia e afirmação da liberdade, e só, não havendo previsão legal de sanções contra os atos daqueles que tentaram investir contra o direito fundamental.
CONSULEX – O que precisa, então, ser compreendido?
GUILHERME NOSTRE – A tutela efetiva da liberdade de expressão exige a proibição de condutas que sejam voltadas à violação da livre comunicação, seja buscando impedir de forma ilegítima a circulação de informações, seja manipulando-as. E, para essa proibição, não se vislumbra outro mecanismo jurídico que seja a tutela penal, criminalizando condutas lesivas e estabelecendo as consequentes sanções penais.
As condutas lesivas não podem ficar sem resposta jurídica. O agente que pretende impedir determinada forma de comunicação age em manifesta violação a um direito fundamental, mas sua ação voltada a lesar ou expor a perigo de lesão aquele bem jurídico não é considerada passível de sanção criminal. Nessa linha de pensamento, cabe ao agredido buscar que se afaste a agressão e que se permita o exercício de seu direito fundamental. Mas, para o agressor, ainda que constatada a ilegalidade de sua conduta, não há previsão, no ordenamento, de qualquer punição que prove a retribuição e a prevenção adequadas.
Cumpre, portanto, no âmbito da tutela da liberdade de expressão, identificar as condutas lesivas ao bem jurídico na realidade, extraindo os dados elementares invariáveis, e estabelecer tipos legais de condutas proibidas, assim consideradas ações ou omissões que lesem e exponham a perigo de lesão a liberdade de comunicação: a censura, o controle dos meios de comunicação, o controle dos agentes de comunicação e o controle do destinatário da comunicação.
CONSULEX – Em sua proposta, onde ficam os direitos à honra, imagem e outros, brandidos pelos que têm impedido, por exemplo, publicação de matérias?
GUILHERME NOSTRE – Constatando-se que a expressão pública de ideias e pensamentos, bem assim a divulgação de fatos e notícias, pode lesar e expor ao perigo de lesão bens jurídicos fundamentais, surge um aparente conflito entre a liberdade de expressão e outros direitos e garantias como a honra, a intimidade, a imagem, a privacidade, dentre outros. Entretanto, a tutela desses bens jurídicos não deve representar indevida restrição à liberdade de expressão.
O fato de um determinado indivíduo ter sentido que dada manifestação de pensamento representa um ataque a um direito fundamental, como a honra, por exemplo, não é suficiente para considerar uma manifestação de pensamento ilegítima. Outros fatores mostram-se preponderantes e devem ser extraídos do próprio conceito de liberdade de expressão como o animus do agente e a relevância da manifestação do pensamento em face do direito à informação.
Tais elementos são de extremada relevância para definição da legitimidade da manifestação de pensamento, diferenciando-as das manifestações degradantes, voltadas meramente a ofender, humilhar e desrespeitar.
CONSULEX – Por que a defesa da tutela penal nestes casos?
GUILHERME NOSTRE – A tutela penal é de extrema relevância para a definição desse conflito aparente entre liberdade de expressão e direitos fundamentais, posto que um modelo legítimo de proibição de condutas, como o realizado na criação dos tipos legais de crimes, pode ser entendido como marco delimitador entre os discursos lícitos e discursos ilícitos.
CONSULEX – No que consiste a proposta ora apresentada?
GUILHERME NOSTRE – A proposta modelo para a incriminação de condutas baseia-se na observação de fatos concretos. A realidade demonstra quais condutas são manifestamente lesivas a esse bem jurídico fundamental, desprovido, na atualidade, de tutela penal efetiva.
Propomos que constitui crime contra a liberdade de expressão criar obstáculos à livre manifestação do pensamento e à divulgação de ideias, fatos, notícias e opiniões por meio das seguintes condutas: impedir ou perturbar serviços voltados à divulgação de atividade intelectual, artística, científica ou de comunicação, ou dificultar-lhes o restabelecimento; constranger alguém a não fornecer a outrem, ou não adquirir de outrem, matéria-prima ou insumo utilizado na divulgação de atividade intelectual, artística, científica ou de comunicação; invadir ou ocupar domicílio ou estabelecimento, com o intuito de impedir ou embaraçar a divulgação de manifestação intelectual, artística, científica ou de comunicação; frustrar, mediante fraude ou violência, a divulgação destas atividades. Os tipos penais envolvem, ainda, a perseguição pessoal do comunicador.
É relevante demonstrar que os tipos penais abrangem a manipulação de informação e opinião. Assim, constitui crime contra a liberdade de expressão manipular a divulgação de ideias, fatos, notícias e opiniões, por meio de uma série de condutas.
CONSULEX – Algum ponto específico da proposta merece destaque?
GUILHERME NOSTRE – A tipificação de uma conduta que tem posto na sombra muitas atividades de comunicação no País: dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em publicação de atividade intelectual, científica, artística ou de comunicação; exigir para si ou para outrem, direta ou indiretamente, vantagem indevida, para publicar fato, notícia ou declaração, ocultando tratar-se de matéria paga, ou para deixar de publicá-la.
NOTA
1 MODELO DE PROPOSTA LEGAL
Criação de obstáculo à liberdade de expressão
Constitui crime contra a liberdade de expressão, criar obstáculos à livre manifestação do pensamento e à divulgação de ideias, fatos, notícias e opinião, por meio das seguintes condutas:
Art. Impedir ou perturbar serviços voltados à divulgação de atividade intelectual, artística, cientifica ou de comunicação, ou dificultar-lhes o restabelecimento.
Pena – detenção, de um a três anos, e multa.
Parágrafo único. Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência.
Art. Constranger alguém a não fornecer a outrem ou não adquirir de outrem matéria-prima ou insumo utilizado na divulgação de atividade intelectual, artística, cientifica ou de comunicação.
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
Art. Invadir ou ocupar domicílio ou estabelecimento, com intuito de impedir ou embaraçar a divulgação de manifestação intelectual, artística, cientifica ou de comunicação.
Pena – reclusão, de um a três anos, e multa.
Art. Frustrar, mediante fraude ou violência, a divulgação de atividade intelectual, artística, cultural ou de comunicação.
Pena – detenção, de um ano a dois anos, e multa, além de pena correspondente à violência.
Perseguição pessoal de comunicador
Constitui crime contra a liberdade de expressão praticar qualquer ato capaz de prejudicar alguém como represália pela divulgação de ideias, fatos, notícias e opiniões, por meio das seguintes condutas:
Art. Constranger alguém, mediante a violência ou grave ameaça:
I – a realizar ou deixar de realizar atividade intelectual, artística, cientifica e de comunicação;
Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa, além de pena corresponde à violência.
II – a divulgar sua fonte, quando resguardado seu sigilo no interesse do exercício profissional;
III – a encerrar contrato de trabalho ou qualquer forma de vínculo remunerado de prestação de serviço voltado à divulgação de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação.
Art. Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem, ou de qualquer forma exigir a dispensa ou ruptura de vínculo com empregado ou prestador de serviço em razão de publicação de atividade intelectual, científica, artística ou de comunicação.
Art. Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem, ou de qualquer forma exigir que não contrate empregado ou prestador de serviço em razão de publicações de atividade intelectual, científica, artística ou de comunicação.
Pena – reclusão, de um a três anos, e multa.
Art. Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, vantagem indevida para realizar a dispensa ou ruptura de vínculo com empregado ou prestador de serviço em razão de publicação de atividade intelectual, científica, artística ou de comunicação.
Pena – reclusão, de um a três anos, e multa.
Manipulação de informação ou opinião
Constitui crime contra a liberdade de expressão manipular a divulgação de ideias, fatos, notícias e opinião por meio das seguintes condutas:
Art. Expor a perigo, por qualquer meio de comunicação, a segurança pública, a saúde pública ou a incolumidade pública, por meio da divulgação de fatos e notícias falsas ou de qualquer forma manipuladas.
Art. Expor a perigo, por qualquer meio de comunicação, transporte público, impedir-lhe ou dificultar-lhe o funcionamento:
Pena – detenção, de um a dois anos.
§ 1º Se do fato resulta desastre, a pena é de reclusão, de dois a cinco anos.
§ 2º No caso de culpa, se ocorre desastre:
Pena – detenção, de três meses a um ano.
Art. Divulgar notícias ou fato manifestamente falso, ou fazer publicamente declaração falsa com fim de obter vantagem indevida ou causar prejuízo a outrem.
Art. Utilizar patrocínio, verbas ou rendas públicas para obter que notícia, fato ou declaração deixe de ser publicada ou seja publicada para atender a objetivos dos anunciantes ou de terceiros.
Pena – detenção, de um a três anos, e multa.
Art. Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em publicação de atividade intelectual, científica, artística ou de comunicação.
Pena – reclusão, de um a três anos, e multa.
Art. Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, vantagem indevida, para publicar fato, notícia ou declaração, ocultando tratar-se de matéria paga, ou para deixar de publicá-la:
Pena – reclusão, de um a três anos, e multa.
Art. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em publicação de atividade intelectual, científica, artística ou de comunicação.
Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.
“A tutela efetiva da liberdade de expressão exige a proibição de condutas contra a livre comunicação. O mecanismo jurídico para lidar com a situação é a tutela penal, com as consequentes sanções.”