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19/04/2017
No que consiste o assédio sexual
Fabiana Dal’Mas Rocha Paes*
A publicidade e discussões em torno da acusação de assédio sexual da figurinista Susllem Tonani contra o ator José Mayer jogam luz sobre uma prática recorrente de agressão que atinge dezenas de milhares de pessoas todos os dias. As mulheres são as vítimas na maioria quase absoluta dos casos. Mas, infelizmente, numa porcentagem ainda não corretamente apurada, percentual enorme de pessoas nem sequer tem informações para distinguir e compreender os comportamentos que caracterizam o assédio sexual.
Dentro deste contexto, é necessário responder sobre o que é assédio sexual. Se há leis que protejam as mulheres contra tal prática.
O assédio sexual consiste numa manifestação sexual, alheia à vontade da vítima, sem o seu consentimento, que lhe cause algum constrangimento, humilhação ou medo. Assim, o assédio sexual pode ser tipificado como crime ou contravenção penal, dependendo da conduta do agente.
O Código Penal no artigo 216, A, prevê o seguinte: “O assédio caracteriza-se por constrangimentos e ameaças com a finalidade de obter favores sexuais feita por alguém de posição superior à vítima”. No Brasil, este artigo foi introduzido pela Lei nº 10.224/01 que dispõe sobre o assédio sexual, possui um carácter mais restrito, ao ambiente de trabalho e tem pena de detenção de 1 a 2 anos. Nesta lei os bens jurídicos que se pretendem proteger são a liberdade sexual e a não discriminação no local de trabalho.
Em alguns casos o assédio pode caracterizar até mesmo um crime mais grave como o estupro. O artigo 213, do Código Penal prevê: “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso” O toque nas partes íntimas da vítima, sem o seu consentimento pode, dependendo do caso, caracterizar o estupro.
Existem, ainda, a contravenção penal da importunação ofensiva ao pudor (artigo 61, da Lei das Contravenções Penais) e o ato obsceno (artigo 233, do Código Penal).
A relação de poder desigual não faz parte apenas da realidade brasileira, mas é um fenômeno mundial. A discriminação contra a mulher e a desigualdade de gênero são componentes que movem a violência contra a mulher. A visionária escritora Simone de Beauvoir já dizia que “não se nasce mulher: torna-se”.
Neste processo de “tornar-se mulher” existem muitos desafios, pedras no caminho, dentre eles a busca pelo equilíbrio nas relações de poder. Este equilíbrio é fundamental para que se protejam as mulheres do assédio sexual.
O assédio sexual pode ocorrer em diversos locais, dentre outros, no local de trabalho, no transporte e no espaço público. O problema do assédio em transportes públicos é tão grave que a polícia da Inglaterra começou a utilizar um vídeo com cenas bem fortes numa campanha que incentiva as denúncias de assédios sexuais nos trens, a chamada campanha “Report it to Stop it”. Após o início da campanha estima-se que as reclamações cresceram em 30%.
O debate iniciado por uma ONG Americana chamada “Stop Street Harassment”, no Brasil começou a ser discutido com a campanha “Chega de fiu fiu”, que foi iniciada pelas profissionais do grupo Thinkolga. O Peru tornou-se um dos primeiros países na América Latina a aprovar em 2015 uma Lei que prevê penas de 3 a 12 anos de prisão para quem cometer assédio sexual em locais públicos. No contexto mundial, diversos países já possuem legislação específica sobre o tema do assédio sexual.
Na Austrália, por exemplo, existe o Sex Discrimination Act 1984 trata de distintas formas de discriminação contra a mulher, dentre elas do assédio sexual. Inclusive há a possibilidade da vítima oferecer uma reclamação ou petição a respeito do tema à Comissão Australiana de Direitos Humanos.
Esta Comissão tratará de conhecer os fatos e tomar medidas para coibir o assédio.
Uma pesquisa realizada na Austrália, pela Australian Human Rights Commission, em 2012, demonstrou que as mulheres ainda continuam sendo as maiores vítimas de assédio sexual. Nesta pesquisa verificou-se que 33% das mulheres com mais de 15 anos já tinham sofrido alguma forma de assédio sexual, número muito superior ao de homens (9%).
O assédio nas ruas e nos espaços públicos ocorre com frequência. Estudos demonstram que muitas mulheres tem receio de saírem às ruas a noite. Portanto, todas as formas de violência de gênero devem ser combatidas, e o paradigma cultural necessita ser modificado. Nós queremos viver numa sociedade onde todas mulheres possam caminhar tranquilas pelas ruas. O espaço público e os meios de transportes pertencem a todas as pessoas. Também devem as mulheres estar livres de violência dentro do seu ambiente de trabalho.
O caso do ator José Mayer teve grande repercussão na mídia nacional. Uma carta foi divulgada pelo jornal Folha de São Paulo, no espaço #agoraéquesãoelas, em que a vítima acusava o agressor de abuso sexual. Susllem afirmou o seguinte: “Em fevereiro de 2017, dentro do camarim da empresa, na presença de outras duas mulheres, esse ator, branco, rico, de 67 anos, que fez fama como garanhão, colocou a mão esquerda na minha genitália. Sim, ele colocou a mão na minha buceta e ainda disse que esse era seu desejo antigo.”
O texto foi tirado do ar, mas depois voltou a ser publicado. O ator, num primeiro momento, negou a prática do assédio, mas depois publicou pedido público de desculpas e afirmou que errou. Logo, vieram inúmeros comentários julgamentos morais, opiniões e controvérsias. Muitos apoiaram a figurista e alguns o ator. O fato é que todas nós conhecemos alguém que já sofreu assédio sexual. Este é um problema sério que necessita ser debatido e enfrentado.
Para aqueles que insistem em defender o ator, é importante ressaltar que o assédio sexual não é a simples “paquera consensual”, mas sim o comportamento sexual inadequado. O assédio sexual tampouco é apenas um elogio, mas sim uma tentativa de intimidação e de coação. Este comportamento faz com que a vítima, em sua maioria mulheres, se sinta humilhada, intimidada e ofendida. As consequências do assédio relatadas pelas vítimas são muitas e prejudicam tanto a saúde física como moral delas, podendo, inclusive, vir a causar ansiedade, ganho de peso, depressão, distúrbios de sono, crises de choro, estresse, dentre outros problemas de saúde.
Foi importante, portanto a coragem de Susllem em denunciar publicamente o assédio. As mulheres devem dizer não ao assédio e denunciá-lo às autoridades competentes. As mulheres não podem ser tratadas como objetos sexuais e submissas ao poder masculino.
Não temos notícia acerca da efetividade da lei brasileira quanto ao assédio sexual, pois muitas mulheres continuam sendo vítimas de assédio no local de trabalho, nas ruas e nos transportes públicos deste país.
No meu entender precisaríamos estudar outras formas complementares para tipificar o assédio sexual.
No Brasil não existe legislação específica para o assédio sexual em local público. Temos que exigir que as leis já existentes sejam efetivadas urgentemente. As vítimas devem soltar a voz, e procurar os serviços do Ministério Público, da Delegacia de Polícia, da Polícia Militar, do Disque 180 e da Defensoria Pública. Parabéns Susllem, vamos juntas e com sororidade, mudar a cultura deste país.
*Fabiana Dal’Mas Rocha Paes, integrante do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD) e promotora de Justiça do Grupo de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar (GEVID) do MP-SP
Link da Matéria: http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/no-que-consiste-o-assedio-sexual/