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Condição voltou aos holofotes com internação de famosos como Kevin Spacey
POR LUIZA BARROS
Há muito ainda o que ser investigado e revelado sobre as denúncias que cercam alguns dos maiores nomes de Hollywood desde que os movimentos #MeToo e Time’s Up colocaram em pauta a cultura de assédio sexual na indústria do entretenimento. No entanto uma coisa é clara: há mais gente do que imaginávamos que não consegue manter uma relação saudável com o sexo. Soterrados por denúncias, o ator Kevin Spacey e o produtor Harvey Weinstein buscaram refúgio na clínica The Meadows. Sobre o astro de “House of cards”, pesam acusações de ter assediado um adolescente em 1986, quando o jovem tinha 14 anos e ele, 26, além de ter perseguido parte do seu staff na série da Netflix. Por sua vez, Weinstein, produtor de filmes como “Pulp fiction” e “Kill Bill” e já dono de má fama em relação às mulheres, foi completamente exposto após uma série de reportagens detalhadas. Na última delas, uma de suas maiores estrelas, Uma Thurman, revelou ter sido também sua vítima. Não se sabe se a decisão de Spacey e Weinstein é um reconhecimento de que eles precisam se tratar ou apenas uma estratégia de gerenciamento de crise de seus assessores — afinal, o produtor não ficou mais do que uma semana internado e, a caminho da clínica, se despediu de repórteres de forma “singela”, exibindo os dois dedos médios. De toda forma, o fato é que a compulsão sexual é uma condição reconhecida pela psiquiatria e que exige tratamento. A internação, no entanto, só é necessária em casos extremos, orientam especialistas.
‘A pessoa passa a fazer sexo não porque quer, mas porque sente a necessidade. É o comportamento que a escolhe, ao invés do contrário. Também é comum que ela passe a ter problemas na vida social, como dar em cima de alguém que não daria’
– ADERBAL DE CASTRO VIEIRA JR Psiquiatra da Unifesp
— Os tratamentos variam — explica Aderbal de Castro Vieira Jr., psiquiatra do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) — Por aqui, nossa pegada é psicoterapêutica: entendemos que a dependência tem uma história e buscamos entendê-la, saber de que forma o paciente chegou a ela. O remédio pode ser fundamental em alguns casos, mas, sozinho, não é suficiente. Vieira ainda esclarece como é feito o diagnóstico da dependência: de acordo com ele, o que vai definir se alguém é viciado em sexo não é a quantidade de parceiros nem a frequência da prática, mas a forma como a pessoa lida com suas relações: — A pessoa passa a fazer sexo não porque quer, mas porque sente a necessidade. É o comportamento que a escolhe, ao invés do contrário. Também é comum que ela passe a ter problemas na vida social, como dar em cima de alguém que não daria. Finalmente, há um empobrecimento do horizonte existencial da pessoa: todas as outras coisas na sua vida são substituídas pela busca por sexo — enumera o especialista.
Ver o seu “horizonte existencial” reduzido à busca pelo prazer foi o que aconteceu com o funcionário público Gabriel F. (pseudônimo escolhido por ele para dar entrevista), de 32 anos. Ele chegou a realizar 20 testes de HIV, por causa das inúmeras relações que teve com desconhecidos sem camisinha, e a acumular R$ 50 mil em dívidas por suas despesas com garotos de programa até decidir que era hora de buscar ajuda. Hoje, Gabriel faz terapia de duas a três vezes por semana, além de tomar remédios e participar de reuniões do grupo Dependentes de Amor e Sexo Anônimos (Dasa) do Rio de Janeiro, irmandade equivalente ao Alcoólicos Anônimos. A decisão de se tratar partiu depois de um episódio divisor, quando ele se viu perseguindo um conhecido.
‘Quando comecei a persegui-lo a distância, percebi que isso podia ser perigoso para a minha integridade física e a dele’
– GABRIEL F. Dependente em sexo
— Conheci uma pessoa em um lugar voltado somente para o sexo. Como tendo a fantasiar, entendi que podia ter mais alguma coisa ali. Ele me deu só o telefone e daí descobri tudo, da conta no Facebook ao endereço de casa. Quando comecei a persegui-lo a distância, percebi que isso podia ser perigoso para a minha integridade física e a dele — revela o funcionário público, que também descobriu sofrer com limerência, outro termo usado para definir o amor patológico, que leva ao comportamento obsessivo.
Dono de um centro de recuperação em Vargem Pequena para pacientes que sofrem com diversos tipos de dependência, o psiquiatra Jorge Jaber acompanha casos de viciados em sexo há 42 anos. Ele chama a atenção para a importância de evitar julgamentos morais na hora de tratar do assunto.
— Há uma resistência preconceituosa a determinados comportamentos que são frutos de doenças. Essas pessoas são vistas como degradadas moralmente, quando na verdade a própria pessoa que apresenta o descontrole diz que o ato não foi prazeroso e o relata com sofrimento — avalia o especialista, que faz uma distinção entre os comportamentos daqueles que são dependentes de sexo e os predadores sexuais. — Os predadores sexuais se aproveitam dos dependentes em sexo para machucá-los. Quem tem uma perversidade pode fazê-la se manifestar também no sexo. Mas o prazer do predador não é o sexo em si, e sim em ver o outro sofrer. Da mesma forma, o psiquiatra Cirilo Tissot, diretor técnico da Clínica Greenwood, em São Paulo, também diferencia o caso de quem parte para atos não consensuais: — Existem pessoas que têm problemas de caráter e vão cometer crimes sendo ou não compulsivas. Em alguns casos, temos que punir e isolar, mas também podemos oferecer um tratamento.
Afinal, há cura? Segundo Tissot, nenhuma compulsão (por sexo, comida ou jogos de azar) pode ser completamente curada. Ao invés disso, o que se pode fazer é fornecer instrumentos para lidar com o vício. Se, num primeiro cenário, a abstinência é a solução, a ideia é que o paciente aprenda, aos poucos, a controlar seus estímulos. É o que acontece com Gabriel, que, depois de dois anos de terapia, ainda não se considera pronto para um relacionamento.
— Chega um momento na recuperação em que é preciso ir para a vida, testar se estou bem ou não. Se um dia eu vier a ter um relacionamento saudável, um cuidado que tomarei é de estabelecer quantidades mínimas de encontros para criar um elo aos poucos. Caso contrário, atropelo as etapas e o sexo vem antes da intimidade. Não posso viver a euforia da paixão porque sei que ela é ilusória — planeja ele, com o sonho de uma vida em que o prazer não seja uma prisão.