O jornalista Ricardo Boechat foi condenado, junto com a Rádio e Televisão Bandeirantes, a indenizar a Infraero em R$ 7 mil por dizer em seu programa matinal na BandNews FM que a empresa “tem duas características primordiais históricas: corrupção e ineficiência”. A decisão é da 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3).
Ao repercutir a reclamação de um ouvinte que teve de esperar por uma hora dentro do avião no aeroporto Tom Jobim, no Rio de Janeiro, por falta de ônibus internos, o jornalista afirmou que “a gestão dos aeroportos brasileiros é uma piada e o grau de corrupção dentro da Infraero é o que o Tribunal de Contas da União (TCU) não cansa de repetir e confirmar”.
Ao ingressar com a ação, a Infraero argumentou que a honra objetiva da empresa pública foi ofendida por meio de informação inverídica e desprovida de qualquer lastro probatório.
Logo, o fato seria suscetível à reparação por dano moral, de forma que o jornalista não poderia resguardar-se no manto da “liberdade de manifestação e pensamento para, de forma leviana e irresponsável empregar expressões difamatórias, ofensivas e violadoras dos direitos fundamentais à dignidade, à honra e à moral”.
Boechat se defendeu dizendo que são públicos e notórios os casos de corrupção na história da Infraero, de maneira que não seria necessária, quando da emissão da opinião, “a referência a processos instaurados” em face da empresa.
O jornalista afirmou que a intenção dele não foi ofender a honra da empresa, mas criticar os serviços que não são prestados de forma correta e eficiente “em decorrência dos maus administradores, por atos de corrupção já investigados e julgados, tratando-se de mera manifestação de pensamento e opinião, consagrada e protegida na Constituição pela liberdade de expressão”.
O julgamento
Os desembargadores não concordaram com Boechat. Para o relator Peixoto Junior, a afirmação de existência de corrupção generalizada sem contextualizar um episódio qualquer que eventualmente o jornalista tivesse conhecimento “não pode pura e simplesmente ser enquadrada, como se pretende, no conceito de liberdade de expressão”, “sob pena de incorrer-se em abuso do direito”.
A afirmação, entenderam os desembargadores, atinge “diretamente a imagem da Infraero maculando sua honra ao denominá-la como empresa que tem como CARACTERÍSTICA PRIMORDIAL HISTÓRICA a corrupção, sugerindo a narrativa e a expressão veiculada estar enraizado (sic) na empresa a constante prática da conduta criminosa”.
A liberdade de imprensa, afirma o relator, “não é incondicionada, encontrando, assim, limites quando atinge a esfera de proteção do indivíduo representada pelos direitos da personalidade, não se podendo tolerar o abuso no uso de expressões ofensivas à honra e à imagem da pessoa jurídica, a quem também se estende o direito da personalidade”.
A decisão da 2ª Turma confirmou a sentença da juíza Silvia Figueiredo Marques. Ela havia entendido que “ainda que tenham sido constatados casos de corrupção na Infraero, e, ressalte-se, nenhum deles especificado na matéria em questão, afirmar-se que a corrupção é característica primordial da instituição é ofensivo”.
Infraero: agente de censura?
Na visão do advogado Gustavo Binenbojm, professor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a decisão é absurda.
“A garantia constitucional da liberdade de imprensa é uma garantia institucional da democracia para que o jornalista e o veículo possam livremente dar voz a críticas que emergem da própria sociedade em relação a autoridades públicas”, defende Binenbojm.
“Ao se condenar um jornalista e um veículo numa situação dessas, de crítica, não só é penalizado alguém que acreditou nessa liberdade como pode haver um efeito silenciador”, avalia.
“Qual é a mensagem que a Justiça passa para imprensa brasileira? Não façam críticas, não sejam irônicos, nem façam hipérboles porque isso no Brasil é proibido”.
Para Patrícia Blanco, presidente do Instituto Palavra Aberta, é fato que o direito de a Infraero acionar alguém por uma determinada ofensa ou crítica pesada existe, mas ela questiona se ele deve ser exercido desta forma.
“O jornalista pode ficar receoso de fazer novas críticas. Quanto mais ações contra jornalistas forem ajuizadas, mais se cria um ambiente de insegurança em que pode gerar uma limitação na liberdade de atuação de imprensa. Neste momento, as liberdades precisam ser reafirmadas”, avalia.
A crítica, ainda que ácida, deve ser garantida, afirma o advogado Alexandre Fidalgo, que atua em causas envolvendo liberdade de expressão. “Mais ainda quando envolver agentes e empresas públicas”.
Na mesma linha opina o constitucionalista Oscar Vilhena, diretor da FGV Direito SP, para quem as agências públicas, especialmente, devem ser objeto de escrutínio, inclusive de juízos negativos a respeito da sua atuação.
“Infelizmente o Judiciário tem sido um dos obstáculos à liberdade de expressão no Brasil nos últimos anos. Felizmente o Supremo tem tido uma postura mais robusta na proteção desse direito tão vital para a democracia”, avalia Vilhena.
O interesse da Infraero, pensa Binenbojm, deveria ser o de utilizar a crítica para apurar possíveis desvios. Se eles não existissem, então, ela poderia vir a público e mostrar que o jornalista estava errado. “Jamais deveria a Infraero se prestar a ser um agente de censura”, critica o advogado.
O processo tramita no TRF3 sob o número 0014962-85.2013.4.03.6100.