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01/03/2019
De populista a urgente: projeto de reformas divide especialistas
Conjur
5 de fevereiro de 2019
Por Ana Pompeu
O primeiro pacote de medidas voltado à segurança pública apresentado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, nesta segunda-feira (4/1), era aguardado pela comunidade jurídica. Promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro e uma das grandes pautas do espectro político ao qual se alinha, a proposta da política anticrime era o caminho esperado.
Dentre as expectativas sobre a efetividade do projeto, comentários sobre inovações e redação do texto, forma de produção do documento e ponderações sobre a política definida pelo Ministério da Justiça e o governo Bolsonaro, especialistas ouvidos pela ConJur analisam o pacote.
O professor Henrique Hoffmann, colunista da Conjur e delegado de Polícia Civil do Paraná, vê com bons olhos a iniciativa. “As estatísticas confirmam que os atuais mecanismos são insuficientes para combater efetivamente crime organizado, crime violento e corrupção, o que acaba gerando a certeza da impunidade para os criminosos, e uma insuportável insegurança para os cidadãos. O projeto de lei cria novos instrumentos sem violar a Constituição”, diz.
Da mesma forma, a presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia Federal do Estado de São Paulo, Tania Prado, comemora a proposta e afirma que o texto avança em questões urgente. “A minuta de projeto anticrime avança sobre temas necessários, alguns ainda polêmicos, que demandam amadurecimento e discussão ampla com a sociedade. Ao chegar no Poder Legislativo, é salutar que haja eficiência em sua análise, sem descuidar do aperfeiçoamento de seu conteúdo. Vamos encaminhar sugestões no momento oportuno.”
De acordo com ela, os delegados da PF, que estão na linha de frente no combate ao crime, enfrentam um problema grave de falta de efetivo e de recursos, já que a Polícia Federal não dispõe de mecanismos de proteção a ingerência nem de autonomia funcional, administrativa e orçamentária, dependendo sempre da boa vontade do governo até mesmo para preenchimento de cargos vagos. Hoje, o déficit é, de acordo com Tania, de 25% do efetivo.
A Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF) também recebeu com entusiasmo o pacote proposto pelo ministro Sergio Moro. São mudanças práticas, diz em nota assinada pelo presidente Marcos Camargo, que têm grande potencial de fortalecer o combate à corrupção e ao crime organizado.
Hoje, a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos tem pouco mais de 18 mil perfis. O número é ínfimo, segundo a APCF avalia, quando comparada aos 16 milhões de perfis cadastrados nos EUA e aos mais de 6 milhões no Reino Unido. “Dar efetividade a esse instrumento é essencial para aumentar a taxa de resolução de crimes, encontrar culpados e acabar com a impunidade.”
“Muito bem-vinda, em especial, é a proposta de ampliar o escopo legal para coleta obrigatória do material genético de condenados por crimes dolosos, mesmo sem trânsito em julgado. O Brasil tem a tecnologia e os recursos humanos qualificados, das unidades de perícia oficial, para empregar a tecnologia com grande eficiência, mas ela não tem tido todo seu potencial explorado”, aponta Camargo.
Presidente da da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Fernando Mendes também louva a iniciativa e a elogia por estar em sintonia com a agenda de combate à impunidade. “O projeto é bastante positivo para a sociedade e contempla diversos pontos defendidos há alguns anos pela Ajufe, como a prisão de condenados após o julgamento de segundo grau”, diz. A entidade tem um projeto em tramitação no Congresso Nacional, o PLS 402/2015, que trata do tema.
Ceticismo às propostas
Em sentido contrário, muitos se colocam céticos quanto ao projeto. “Populista”, “sem diálogo com a sociedade civil”, “frustrante”, “atécnico”, “um mosaico que não está costurado de forma a dar uma solução sistêmica” são algumas das posições. Em comum, esses analistas apostam no Legislativo para uma revisão mais acurada das ideias listadas.
O criminalista e professor de Direito Penal Leonardo Yarochewsky afirmou que o projeto chega a ser criminoso. “O MJ não apresentou um projeto contra o crime, mas, sim, um projeto criminoso que assassina a Constituição e os direitos e garantias decorrentes do próprio Estado Democrático de Direito. Estou horrorizado com as declarações e com esse projeto autoritário, fascista, apresentado sob o manto de combate à criminalidade. Isso é um retrocesso nos direitos e garantias fundamentais. Além de afronta à Constituição. Se o Congresso aprovar, o que seria um absurdo, espero que o STF o declare inconstitucional pelo menos grande parte desse abominável fere a Constituição da República”, enfatizou.
Érica Babini Machado, doutora em Direito e professora da Universidade Católica de Pernambuco, se mostra preocupada. “Trata-se de um anteprojeto de envergadura populista, sem fundamentação técnica e que em muitos momentos ultrapassa a competência legislativa, querendo colocar-se acima de texto literal da Constituição Federal.”
“A minha impressão é que se tem um apanhado, um mosaico de propostas que não estão costuradas de forma sistêmica com alterações pontuais da lei penal e processual penal e da Lei de Execução Penal na tentativa de dar uma resposta mais simbólica. Isso não está articulado como um plano efetivamente de segurança pública ou, ainda que fosse, de redução da criminalidade letal, violenta”, avalia o ex-diretor de Política Penitenciária do Ministério da Justiça e ex-responsável pelo setor de pesquisas na área do CNJ Renato de Vitto.
Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, classificou como frustrante o projeto, especialmente por ter sido apresentado por um ex-magistrado e se resumir ao recrudescimento penal. “Castrador de uma série de direitos consolidados ao longo de séculos com lampejos humanistas. Se este projeto passa, o que teremos é um aumento considerável na população carcerária e, como efeito óbvio, um enorme número de novos membros a serem recrutados pelo crime organizado e pelas organizações criminosas. Sem contar o aumento do número de pessoas pobres, nas periferias, que serão ainda mais ‘abatidas’ sob o manto da legalidade. Nenhuma preocupação com discutir uma política criminal e penitenciária. Resta-nos o Congresso.”
Em uma análise também dura, João Paulo Boaventura, do Boaventura Turbay Advogados, definiu a proposta como problemática pela técnica legislativa que deixa a desejar e severas inconstitucionalidades, além de ter conflitos com normas internacionais e confundir, segundo ele, conceitos básicos da dogmática penal e processual.
“Em uma democracia tais propostas devem ser tempestivamente submetidas ao debate técnico e acadêmico, com participação pública de institutos e demais atores da justiça. A votação açodada e sem debate da proposta, tal como se avizinha, além de presunçoso, não colabora com o aperfeiçoamento do sistema de justiça criminal”, salienta.
Superlotação carcerária
Coordenador do Núcleo Especializado em Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Thiago de Luna Cury também julga o projeto como populista: “Além de eivado de inúmeras inconstitucionalidades, não inova em relação à política criminal brasileira dos últimos anos, pelo contrário”. Dessa forma, os resultados não serão diferentes dos colhidos nas últimas três décadas, diz.
“Continuaremos seguindo nessa trilha para o fundo do poço. São ‘soluções’ fáceis para aqueles ávidos por mais punição, mas que, como já ocorre há décadas, somente agravará os problemas que dizem combater. Claro que isso não ocorre sem razão. É muito mais fácil, e barato, alterar a legislação e atender a opinião pública, influenciada por desinformações de toda ordem, do que enfrentar seriamente os problemas enfrentados por essa mesma população que pede por mais punição”, examina.
As estatísticas deveriam, de acordo com ele, assustar: segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), em junho de 2016, São Paulo tinha 240.061 pessoas presas, ou seja, 1 a cada 183 paulistas está na prisão. Um aumento de quase 500% nas taxas de encarceramento entre 1994 e 2016 sem qualquer reflexo na redução da prática de crimes, afirma.
A criminalista Sônia Ráo também se inquieta com a aposta do governo na prisão. Mas ela destaca outro ponto. Se o que se pretende é coibir a reincidência, como Moro aventou e vários trechos sublinham, a caminho determinado levará a desfecho diverso. “A mesma prisão, por não tentar ressocializar, por não oferecer trabalho, assistência aos egressos, por não garantir dignidade, condições mínimas de vida aos encarcerados, acaba contribuindo é para o aumento da criminalidade violenta, formada basicamente por reincidentes”, diz. A proposta considerada interessante por ela é justamente a de soluções negociadas. O processo deveria, para vingar, ser feito por juiz diferente do que processará o feito caso o acordo não seja homologado.
Redação atípica
A advogada criminalista e professora de Direito Penal Carolina Costa vai além. A própria forma do texto, para ela, é insatisfatória. “As propostas não observaram critérios básicos da técnica legislativa, como o acompanhamento de uma exposição de motivos e o uso de expressões incomuns em leis penais e processuais penais, como ‘plausivelmente’, ou ‘façam presumir'”, explica. As expressões seriam muito abertas para o uso em leis penais ou processuais penais.
Também não é condizente com a boa técnica legislativa, especialmente em relação a leis penais e processuais penais, usar exemplos ou casos concretos na redação de uma lei, como quando a proposta dá nome às organizações criminosas que quer combater. “Como se parte do pressuposto de que uma lei penal deve ser ampla, objetiva e impessoal, a redação do artigo causa estranheza a quem estuda as técnicas legislativas”, aponta.
Carolina cita ainda a alteração a respeito de liberdade provisória, quando cabe ao juiz verificar a reincidência ou vínculo que o condenado mantém com a facção. Numa primeira leitura, afirma perceber que a redação limita a interpretação do juiz quando emprega o verbo “deverá” em vez do mais comum em matéria criminal “poderá”. Mais importante seria, no entanto, notar que tal discricionariedade é proposital: serve para coibir uma hipótese de liberdade provisória. “O requisito da reincidência já era utilizado para a fundamentação da manutenção da prisão preventiva como garantia da ordem pública — o que ficava por conta do livre convencimento motivado do juiz. A proposta, como redigida, também viola esse fundamento do nosso processo penal”, avalia. Há um desajuste, diz, na redação, com os princípios constitucionais do processo penal.
Prisão em segunda instância
A questão do início de execução da condenação antes do julgamento de recursos especial e extraordinário tem movimentado debates apaixonados no país não é de agora. Não seria diferente com o texto de Moro. Rogério Taffarello, sócio do escritório Mattos Filho, entende que ela continua a esbarrar na literalidade do artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal, que continua a viger e a vedar a execução provisória.
“Claro que se pode discutir se a Constituição foi ou não generosa demais nesse ponto, mas não se pode alterar a Constituição por decisionismo, ainda que do STF, ou mesmo por alteração da legislação infraconstitucional”, afirma. Uma eventual mudança teria que ser feita por emenda à Constituição e, neste caso, ainda caberia avaliar se se trata ou não de cláusula pétrea, como alguns afirmam.
O criminalista Guilherme San Juan também critica o pacote, em especial esse ponto. Ele destaca que a prisão antecipada ainda passa por debate constitucional no Supremo Tribunal Federal — com julgamento marcado para abril — e, “ao que tudo indica, não será reconhecida na forma como defende o ministro”.
Da mesma forma entende o especialista em Direito Penal do Peixoto & Cury Advogados, Everton Moreira Seguro. “A questão no projeto sobre a prisão em segunda instância, se aprovada, continuará em discussão quanto à sua constitucionalidade”, diz, ainda que exalte o projeto, cujas propostas, para ele, aprimoram mecanismos já existentes na legislação e priorizam pontos sensíveis à sociedade, como o combate ao crime organizado.
Progressão de regime
Ao apenas endurecer penas e se restringir à ideia de prevenção tendo em vista a consequência da perda de liberdade a quem cometer crimes, o ministro perde de vista outros elementos envolvidos na questão, como as melhores condições, humanas e de material, para a realização do trabalho de investigação e a questão da ressocialização de um condenado. Esta é a visão do criminalista do Cezar Britto Advogados e Associados, Paulo Freire. “O exemplo do tipo penal do homicídio está sendo muito usado para justificar tais medidas. Entretanto, não podemos nos esquecer que, em SP e RJ, os índices de elucidação destes crimes são baixíssimos. E isto não se resolve endurecendo as leis penais”, ressalta.
Além disso, mais um aspecto relevante do direito penal que teria sido negligenciado por Moro no pacote de mudanças é, para Freire, a outra função da sanção, ou seja, a prevenção especial ou específica, direcionada à pessoa que já cometeu o crime para que não volte a delinquir. Neste ponto, ele aponta como um erro o entendimento do ministro sobre a progressão. “Para tanto, a pena tem que cumprir um papel ressocializante que permita ao detento retornar ao convívio social sem voltar a praticar atos tidos como criminosos. É com este intento que a Lei de Execução Penal regulamenta a progressão paulatina do regime de cumprimento da pena privativa de liberdade”, diz. Ele entende que relativizar esta previsão ou mesmo suprimir tais premissas como afrontoso ao ordenamento jurídico-penal brasileiro, especialmente o constitucional.
Plea bargain
Daniel Gerber, professor de Direito Penal e Processual Penal, defende o plea bargain, mas acredita que, da forma que foi colocada no projeto, será pouco efetivo. “Isso porque limita os acordos aos crimes cuja pena máxima não chegue até quatro anos. Dos crimes — cuja pena máxima não alcança tal patamar — a pena mínima fica, tradicionalmente, estipulada em um ano.” Isso significa dizer, segundo ele, que são delitos de médio potencial ofensivo para os quais já existe há anos possibilidade de acordo mais vantajosa na Lei 9.099/95, que prevê a suspensão condicional do processo.
“Há muito barulho por nada com o projeto. O ministro perde, portanto, um momento histórico único em que poderia fazer uma proposta ‘verdadeiramente significativa’ ao processo penal. Pouquíssimas alterações serão feitas. Não haverá a ‘descarcerização’ e muito menos um panorama negocial, propriamente dito, em sede de processo. Portanto, continua tudo como está desde 1995”, complementa.
O advogado criminalista Marcelo Leal ressalta que o plea bargain é um dos institutos de Direito Penal norte-americano mais criticados do mundo. “A crítica principal que se faz é que são sistemas diferentes: nos Estados Unidos temos um Ministério Público eleito que escolhe aquilo que se vai processar.”
Leal ainda faz uma comparação com a Justiça do Trabalho. “Seria algo mais ou menos como o que ocorre na Justiça do Trabalho no Brasil. Ou seja, o juiz no início da audiência propõe um acordo às partes — e sugere que se não fizer acordo vai ter condenação. Imagine tal postura no Direito Penal? O que isto gera nos Estados Unidos e poderia ocorrer no Brasil seriam centenas ou milhares de cidadãos inocentes, mas que para não correr o risco de uma condenação injusta se declarem culpados”, exemplifica.
Rogério Taffarello defende que, neste ponto, falta amadurecimento. “É medida que requer um debate muito mais aprofundado, tamanho o impacto que teria em nosso sistema jurídico e cultura judiciária. Trata-se de ferramenta de uma cultura jurídica muito distinta e em muitos aspectos oposta à brasileira.”
Não poderia, argumenta, ser implementado sem um fortalecimento real das defensorias públicas. “Há enorme risco de a Justiça se tornar ainda mais expedita e injusta com pessoas que não têm acesso a defesa de qualidade em investigações e processos criminais, ou seja, com a maior parte da população brasileira”, reflete.
Para o criminalista Eduardo Reale, do Reale Advogados, embora a adoção deste instituto traga ares de modernidade ao sistema penal – introduzindo uma suposta “eficiência” e “agilidade” ao desfecho dos casos -, o plea bargain possui problemas. “Dentre estes problemas, podemos mencionar a relativização de valores democráticos previstos na Constituição que, ao nosso ver, são indisponíveis, como a presunção de inocência e o devido processo legal e, como consequência; o inevitável aumento da população carcerária que, além de trazer inúmeros prejuízos do ponto de vista social, acaba por onerar ainda mais o já deficitário orçamento público”, afirma.
Caixa 2
Marcellus Ferreira Pinto, advogado constitucionalista e eleitoral, elogia a mudança prevista para o crime de caixa 2, mas faz uma ponderação. “A proposta traz importante inovação em matéria de crimes eleitorais. Introduz o artigo 350-A no Código Eleitoral, descrevendo minuciosamente como crime as condutas conhecidas como caixa 2. Entretanto, no parágrafo 1º do artigo proposto, deveria ser incluído, assim como no caput, o verbo ‘movimentar’, pois a movimentação de recursos ilícitos na maioria das vezes é feita por terceiros desvinculados da estrutura de campanha”, afirma.
Embargos infringentes
Dentre as diversas alterações propostas pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, há a diminuição drástica do cabimento do recurso de embargos infringentes e de nulidades. Um instituto exclusivo da defesa que antes abarcava a possibilidade de revisão de um voto vencido pelos pares das turmas criminais dos tribunais sobre qualquer matéria penal, como nulidade processual — infringência às disposições legais, por exemplo, nulidade de “grampo telefônico” por tempo indevido — ou dosimetria da pena —questionamentos sobre o cálculo da pena do recorrente —, dentre outros.
“Com o projeto, a restrição passa a ser de voto vencido no caso de absolvição, ou seja, apenas quando se tratar de mérito propriamente dito do caso penal. As divergências em favor do réu não podem ser tolhidas pela ânsia do punitivismo açodado, já que por diversas vezes a defesa tem êxito em demonstrar aos demais membros do colegiado que a decisão não unânime deve ser a vencedora”, pontuou a criminalista Maria Francisca Accioly.
Luciano Santoro, doutor em Direito Penal pela PUC-SP e sócio do Fincatti Santoro Sociedade de Advogados, também questiona a proposta. Eles só poderão ser interpostos caso um dos juízes do colegiado de segunda instância tenha votado pela absolvição do réu. “Os embargos infringentes ainda são umas das poucas alternativas a um sistema que é amplamente acusatório e em que não há paridade de armas entre o Estado e o cidadão. O acusado é amparado apenas por seu defensor, enquanto o Estado tem toda a polícia judiciária, a polícia científica, o Ministério Público e o Judiciário. Não há qualquer razão que justifique diminuir o cabimento desse recurso, tanto sob a ótica do ser ou do dever ser.”
Santoro critica ainda a proposta de aumento de pena para crimes relacionados ao uso de armas de fogo, quando o agente possuir “registros criminais pretéritos”, assim entendido como condenação “proferida por órgão colegiado”. “É inconstitucional porque viola o princípio da presunção de inocência, que é uma garantia constitucional para a qual, como se vê, o Poder Executivo não dá a devida importância. Ademais, busca-se por via transversa alterar o conteúdo da reincidência penal, a qual somente tem lugar quando praticado um fato após o trânsito em julgado da infração penal anterior.”
Legítima defesa
Um dos pontos mais controversos é o abrandamento da possibilidade de punição aos excessos cometidos na reação a um crime, a legítima defesa. Ficou posta que em casos de medo, susto ou forte emoção a pena é reduzida ou excluída. “A excludente de ilicitude ao agente policial que mata, na prática, é um salvo-conduto à execução sumária de pobres e negros, população mais vulnerável à violência estatal. O pacote não enfrenta questões centrais da segurança pública e do combate à corrupção e é bastante preocupante”, afirma Daniella Meggiolaro, advogada criminal e diretora do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD).
De acordo com a advogada Nathália Rocha Peresi, especialista em Direito Penal Empresarial e sócia do Chenut Oliveira Santiago Advogados, o governo procurou atender a população que “apostou nas propostas eleitorais vitoriosas”. Daí, por exemplo, o abrandamento da punição prevista para o policial que mata. Para ela, no entanto, resta aguardar que o Legislativo seja “rigorosamente técnico e perpasse as propostas contidas no projeto de lei pelo necessário filtro constitucional, onde esbarrariam algumas delas”.
O criminalista e constitucionalista Adib Abdouni defende o projeto de Moro que, segundo ele, visa vencer o “imobilismo legislativo”. Ele elogia a proposta voltada aos policiais. “Ao definir que não comete crime o policial que, em conflito armado, busque prevenir injusta e iminente agressão, garante-se maior segurança jurídica aos agentes”, afirma.
Crimes hediondos
Abdouni destaca ainda a proposta de endurecimento do cumprimento de penas para crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e o terrorismo. “A medida visa mitigar a sensação de impunidade ao condicionar a progressão do regime de aprisionamento somente após o cumprimento de três quintos da pena quando o resultado envolver a morte da vítima. Ficam vedadas, antes disso, as saídas temporárias do estabelecimento prisional, com previsão de que as lideranças de organizações criminosas armadas deverão iniciar o cumprimento da pena obrigatoriamente em estabelecimentos penais de segurança máxima”, explica.
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