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Remoção de notícia desatualizada fere a liberdade de expressão
Para advogados, retirada de conteúdo verdadeiro é censura. Solução ideal seria a atualização da publicação
JOTA
ALEXANDRE LEORATTI – Repórter
O site do jornal “O Globo” noticiou em 2013 a condenação por improbidade administrativa de um médico servidor público que supostamente fraudou um transplante de fígado. Segundo a sentença da 12ª Vara Federal do Rio de Janeiro, o médico teria falsificado a condição patológica de um paciente para o recebimento de um fígado, que, em tese, não poderia ser o receptor de um órgão doado.
Dois anos depois, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) deu provimento ao recurso de apelação do médico e o inocentou. Para a Sexta Turma Especializada do TRF2, as condições de saúde do homem o tornavam apto ao recebimento do órgão, de tal forma que as condutas dos envolvidos seguiram estritamente os princípios norteadores da administração pública.
Com a sentença reformada, o médico exigiu a remoção da notícia que informou a sua condenação. Agora, em dezembro de 2018, o jornal foi obrigado a remover a reportagem “Médico do transplante da morte é condenado por furar fila de doação de órgão”. A decisão é da 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ).
O desembargador relator da decisão, Fernando Fernandy Fernandes, assevera em seu voto que, apesar de verídica, a notícia do jornal tem potencial de “repercussão negativa que pode ser gerada no meio social e profissional do recorrente, ainda que não tenha havido qualquer abuso da liberdade de imprensa e dever de informação”.
Segundo o magistrado, apesar de não ser possível afirmar que o médico sofreu danos morais, pois o conteúdo da notícia é verídico, a reportagem publicada tem o potencial de ser acessada a qualquer momento e se “eternizar” na rede online. Com isso, o entendimento do desembargador é que o conteúdo deve ser removido.
Na avaliação de Gustavo Binenbojm, professor de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), a decisão é uma violação do Direito à informação e liberdade de expressão. “É uma notícia verdadeira que foi suprimida por causa da evolução dos fatos do caso. Não é um conteúdo ofensivo e mentiroso que precisa ser removido”, diz.
Para ele, a solução ideal que respeitaria a liberdade de expressão e o direito à honra do médico seria a publicação de uma atualização da notícia. “A internet facilita essa solução moderada, pois a atualização da reportagem é mais rápida e pode ser feita no próprio link da matéria. Entretanto, no Brasil, ainda não temos essa jurisprudência”, afirma.
O professor diz que a atualização das notícias é comum em decisões judiciais na Europa. Entre os casos emblemáticos, ele afirma que a Corte de Cassação da Itália pediu a atualização de reportagem do jornal Corriere della Sera, que noticiou, em 1993, reportagem sobre um político italiano que foi condenado por corrupção. Posteriormente, o político foi inocentado e, com isso, a notícia foi atualizada.
“É uma solução que evita a disputa entre dispositivos constitucionais da informação digital e da supressão da informação”, afirma Binenbojm.
O advogado Alexandre Fidalgo, especialista em liberdade de expressão, considera a decisão do TJRJ perigosa. “Sustentar a possibilidade da retirada de conteúdo da história de um cidadão significa apagar um acontecimento verídico do passado e difundir uma nova história sobre fatos acontecidos”, afirma.
Para ele, o tema ainda é confuso nos tribunais do país e ainda não há no âmbito jurídico uma tutela específica sobre o tema. “Nesse tipo de decisão, o discurso predominante é o de proteção da privacidade para, na verdade, apagar fatos desagradáveis do passado”, diz.
De acordo com Fidalgo, qualquer interpretação que determine a remoção de conteúdo, independentemente da plataforma, constitui censura, mesmo sob a alegação do direito ao esquecimento.
“Do ponto de vista jornalístico, entendo não ser possível a alegação do direito ao esquecimento. Apagar dos fatos da vida dissabores existentes, é omitir da sociedade a verdadeira trajetória de um homem”, afirma.
Fidalgo cita que uma das decisões que, indiretamente, tratou sobre o tema e se enquadra na crítica ao direito ao esquecimento é a ADI 4815, que afasta a exigência prévia de autorização para a produção de biografias.
A relatora do caso, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia, assevera em sua decisão que a censura “recorta a história, reinventa o experimentado, omite fatos que poderiam explicitar a vida de pessoa ou de povo em diferentes momento e locais”. Para Fidalgo a definição da ministra representa como o direito ao esquecimento impacto no trabalho jornalístico.
Ainda na jurisprudência do STF, o desembargador do TJRJ que ordenou a remoção da reportagem de “O Globo” cita em seu voto a Reclamação 25.768, de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski. No processo, o ministro suspendeu os efeitos de decisão da 4ª Vara Cível do Foro Regional de Pinheiros, que determinou a remoção de uma notícia do site jurídico Conjur sobre um esquema de conluio envolvendo um empresário, um advogado e um juiz.
Lewandowski asseverou em sua decisão que o poder Judiciário não deve remover um conteúdo jornalístico verídico. Entretanto, o ministro afirmou que o Judiciário não pode obrigar que o veículo de comunicação noticie uma atualização de um suposto acontecimento posterior à reportagem publicada.
“Tal medida restringiria a liberdade de imprensa. A continuação e o desfecho de determinado assunto anteriormente noticiado infere-se no campo da discricionariedade e da ética profissional”, afirma o ministro.
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