Artigo: TST abre importante precedente para a
28/05/2019Artigo: CPI: o direito do investigado de não
31/05/2019Querer aplicar penas e restringir diretos fundamentais violando os limites impostos pela legislação, é negar o próprio Direito.
Eduardo Reale
O governo Bolsonaro começou há pouco mais de quatro meses e, por ora, sua grande aposta para a redução da criminalidade é o chamado “pacote anticrime”, lançado no início de fevereiro pelo ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro. Ainda não se sabe quais outras propostas o governo fará em matéria de segurança pública, mas se seguir na linha do projeto, a situação é alarmante.
Sem foco e desacompanhado de dados que tenham subsidiado as alterações propostas em 14 leis penais, o pacote aposta em fórmulas muito bem conhecidas no Brasil para endurecimento das leis penais, mas que não surtem os efeitos esperados na prática.
O ministro propõe, entre outros pontos, acordos judiciais oferecidos pelo órgão acusador, condenação em segunda instância (questão ainda em discussão no STF), início da execução da pena após o julgamento pelo plenário do júri, maior rigor na progressão de pena e na prescrição de crimes e uma espécie de carta branca para policiais matarem em serviço.
O principal efeito do endurecimento, será o impacto direto sobre o sistema penitenciário, o qual já é extremamente precário. A adoção de qualquer medida que possa contribuir para o aprofundamento da crise nas cadeias brasileiras, deveria ser precedida por um estudo, especialmente no que concerne à superlotação dos presídios e a alta parcela de presos provisórios.
Para além do desrespeito aos direitos fundamentais, a superlotação, acarreta substancial aumento de gasto em recursos públicos e afeta negativamente a própria segurança pública. Isso porque, pessoas privadas de liberdade são mais propensas à reincidência do que aquelas a quem foram aplicadas penas restritivas de direitos, tendo em vista que os presídios são vistos como escolas do crime.
Como é sabido, o endurecimento das leis penais não diminui a criminalidade ou mesmo à previne. Não é de hoje que o legislativo aprova medidas mais rígidas contra a violência, as quais, na prática, não serviram para inibir o agente de praticar crimes.
Um exemplo é a Lei dos Crimes Hediondos, em vigor desde 1990, apesar de estabelecer penas mais duras para determinados crimes, tornando-os insuscetíveis de anistia e indulto, além de estabelecer maior rigor para a progressão de regime, não se pode dizer que houve diminuição na prática de latrocínios, homicídios qualificados, sequestros e estupros.
Na mesma linha é o surgimento das Leis de Improbidade Administrativa e a Lei de Drogas(2006) que passou a punir com mais rigor os traficantes, e, principalmente, em 2013, a lei que ampliou o conceito de crime organizado e introduziu a polêmica delação premiada.
Ora, em nenhum dos casos houve redução dos delitos. De acordo com pesquisa realizada pelo Atlas da Violência, a taxa de homicídios aumentou 13% de 2006 a 2016. Quanto aos crimes de improbidade e tráfico, cada vez mais são vistos como prática difundida na sociedade, seja pela corrupção sistêmica que assola o país ou pelo aumento do uso de entorpecentes em todas as classes sociais.
É evidente que a simples mudança na legislação, ainda que voltada para uma maior repressão, não trará, necessariamente, diminuição na corrupção, no crime organizado e nos crimes praticados com violência à pessoa.
O crime organizado brasileiro é subproduto da crônica falta de investimentos em políticas públicas para prevenir a criminalidade e da ineficiência da polícia judiciária em investigar os delitos e apontar os reais responsáveis.
Nos países mais avançados, com políticas criminais democráticas, o governo tende a adotar ações públicas estruturadas que previnam a criminalidade e não punam apenas a consequência. Tais países, se empenham na criação de medidas alternativas à prisão e na consequente diminuição do número de penitenciárias.
Ora, ninguém deixa de praticar um crime por medo de ser aplicada uma pena alta. O agente que comete o delito já sabe que terá consequência, mas não acredita na eficiência do sistema em descobri-lo e o faz, nos casos das classes sociais mais baixas, por não ter tido outras opções quando mais jovem.
O projeto de lei “anticrime”, neste aspecto, em nada ajuda. Ao contrário, mantem a estrutura inquisitória e punitiva, deixando o país de braços com o atraso, em total desrespeito à Constituição e as garantias fundamentais nela previstas.
Não é por outro motivo que, já prevendo as inevitáveis críticas que seu projeto iria sofrer, em razão das manifestas inconstitucionalidades e inconsistências com os próprios fundamentos do Direito Penal, o Ministro apressou-se em divulgar que o mesmo foi elaborado “para alcançar efeitos práticos” e não “para agradar professores de Direito Penal”.
A afirmação causa extrema preocupação, pois como criar um projeto de lei assumidamente contrário ao que preveem os principais estudiosos nacionais e internacionais da dogmática Penal? E pior, como ter um ministro da justiça e da segurança pública que descredencia tais doutrinadores, os quais dedicaram anos a estudar as melhores formas de aplicação do Direito Penal? Estaria então Sério Moro acima da dogmática criminal secular?
Pode-se definir “crime” como a violação da norma. Querer aplicar penas e restringir diretos fundamentais violando os limites impostos pela legislação, é negar o próprio Direito. Sem falar na questão dos custos da implementação das ditas reformas anticrime, já que não existe prisão grátis. O projeto é, assim, um espetáculo da ficção e do Direito Penal simbólico.
___________________
*Eduardo Reale é advogado criminalista, sócio do escritório Reale Advogados Associados, doutor e mestre em Direito Penal pela Universidade de Coimbra.
Leia no Migalhas, aqui