Dia da Liberdade de Impostos – 11ª edição
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03/06/2019construtoras por atraso na entrega de obras
Lucas Miglioli*
01 de junho de 2019 | 04h00
Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça consolidou tese que amplia a punição às construtoras por atraso na entrega das obras. Na discussão do Tema 971 (Recursos Especiais. 1.614.721 e 1.631.485), o STJ admitiu, em desfavor das construtoras, a inversão da cláusula penal estipulada no contrato de venda e compra. Isso significa uma vitória expressiva aos consumidores uma vez que as mesmas multas e indenizações aplicadas aos compradores inadimplentes podem ser, a partir de agora, adotadas às empresas que não cumprirem com os prazos de entrega. Os ministros foram unânimes em admitir essa possibilidade de inversão da cláusula penal que define, para o inadimplemento do comprador, a indenização ao vendedor seja fixada.
O resultado do julgamento deve ser muito comemorado pelos consumidores. Essa é uma pauta que os advogados do nosso escritório têm defendido há muitos anos. Afinal, não é justa, nem legal, a imposição pelo contrato de vultosos encargos ao comprador, consumidor, quando atrasa o pagamento, sem prever qualquer ônus à construtora, fornecedora, que não entrega a obra no prazo. A razão é simples, pois, todo contrato tem como premissa o equilíbrio econômico-financeiro entre as partes, correspondente à equivalência e reciprocidade das prestações e tratamento igualitário e proporcional. Com efeito, a aplicação de determinadas consequências jurídicas exclusivamente a uma delas fere tal premissa.
Como observa o relator, ministro Luis Felipe Salomão, “mostra-se abusiva a prática de se estipular penalidade exclusivamente ao consumidor, para a hipótese de mora ou inadimplemento contratual absoluto”. Com isso, pode-se concluir que a isenção de tal reprimenda aos fornecedores, em situações de análogo descumprimento do contrato, fere os princípios gerais do Direito e os princípios estipulados no Código de Defesa do Consumidor.
Esse entendimento decorre dos princípios da função social do contrato e da boa-fé, previstos nos arts. 421 e 422 do Código Civil, que estabelecem a equidade como critério para interpretação dos negócios jurídicos e eventual adequação de seus termos. O artigo 421 define que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato” enquanto o artigo 422 define que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Portanto, a interpretação de tais princípios significa aplicar em favor do comprador as mesmas penalidades eventualmente devidas em prol da construtora. Até porque, cumpre ponderar, o fato gerador da penalidade é o inadimplemento da obrigação assumida: do comprador, o pagamento, e da vendedora, a entrega. Noutras palavras, se inadimplente, o comprador seria impelido ao pagamento de todos os encargos previstos no contrato. Como consequência lógica, sendo inadimplente, a vendedora deve incorrer nas penas que ela própria estabeleceu no contrato. Isso nada mais é do que mera reciprocidade entre as penalidades.
Ademais, a inversão das cláusulas penais não decorre apenas dos princípios da função social do contrato e da boa-fé, uma vez que o art. 113 do Código Civil prevê, expressamente, sua observância na interpretação dos contratos. De acordo com esse artigo, “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração” Além disso, tendo em vista que os contratos envolvem relação de consumo e têm natureza de adesão, lhe são aplicadas as disposições específicas tanto do Código de Defesa do Consumidor quanto do próprio Código Civil a respeito de sua interpretação em favor do consumidor aderente.
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No entanto, a maioria dos ministros decidiu, no mesmo julgamento, em afastar as possibilidades discutidas no Tema 970 (objeto dos Recursos Especiais 1.498.484 e 1.635.428). A tese versava sobre a cumulação da cláusula penal decorrente da mora com a indenização por lucros cessantes. Os ministros, por fim, definiram que “a cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação e, em regra, estabelecido em valor equivalente ao locativo, afasta sua cumulação com lucros cessantes”. O relator observou que, embora seja mais comum calcular a multa contratual de acordo com a quantidade de meses de atraso, há casos em que o contrato a limita a um montante fixo, independente do período de atraso, comprometendo adequada reparação.
O resultado do julgamento é extremamente importante para os consumidores porque, além de referência para futuras discussões, essas teses serão adotadas para solucionar as quase 178 mil ações idênticas, sobrestadas nas instâncias ordinárias aguardando esse julgamento do STJ, segundo informações do Banco Nacional de Dados de Demandas Repetitivas e Precedentes Obrigatórios do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
*Lucas Miglioli, advogado especialista em Direito Imobiliário e sócio-fundador do Miglioli e Bianchi Advogados
Leia no Blog do Fausto Macedo, do Estadão, aqui