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Ação é movida por promotora de projeto que acolhe vítimas; para OAB, só advogado poderia representar família
Rogério Pagnan
SÃO PAULO
Com a filha de cinco meses no banco de trás do veículo da família, o casal Victor Coimbra de Siqueira, 31, e Patrícia Cassia Mello Guirar, 34, deixava a garagem de casa, na região do Rio Pequeno (zona oeste de São Paulo), quando foi surpreendido por criminosos armados.
O marido tentou reagir ao assalto, mas ele e a mulher acabaram baleados e morreram a caminho do hospital. A criança sobreviveu sem ferimentos. Os suspeitos do crime foram presos durante a investigação e confessaram o envolvimento no crime.
O julgamento desse latrocínio (roubo com morte), ocorrido em agosto do ano passado, pode criar um precedente histórico. Isso porque, além da condenação dos réus, a Promotoria requereu à Justiça a condenação do estado. Quer que o governo paulista ajude financeiramente no sustento da menina órfã e dos irmãos dela.
Carro que família foi morta durante assalto na zona oeste da capital paulista – Reprodução Processo
De acordo com a Promotoria, é a primeira vez que se move uma ação assim.
“Foi um crime bárbaro, cometido por uma quadrilha fortemente armada, formada por membros do PCC [a facção criminosa Primeiro Comando da Capital]. O Estado deixou de cumprir o seu dever de fornecer segurança. A principal função de existir um Estado é a segurança pública de seus cidadãos”, disse a promotora Celeste Leite dos Santos, autora do pedido.
Celeste é gestora de um projeto do Ministério Público paulista, o Avarc (Acolhimento de Vítimas, Análise e Resolução de Conflitos), que procura ter um olhar mais atento (e humanizado) às vítimas de crimes ocorridos no estado de São Paulo.
Normalmente, é a família que contrata um advogado para ingressar com uma ação cível contra os criminosos para ressarcimento. Caso eles não tenham recursos, o estado pode ser acionado.
Neste caso, explica Celeste, a tentativa da Promotoria é de obter uma condenação criminal e evitar que a família reviva, na ação cível, o sofrimento enfrentado no primeiro processo. Além disso, os réus são suspeitos de integrarem a facção criminosa PCC, o que poderia intimidar a família ao acioná-los em ação de reparação.
A promotora afirma que todas as famílias são consultadas sobre o eventual interesse no pedido de reparação. No caso dos órfãos, a família não quer processar os autores do crime por temer represálias de comparsas na rua.
O pedido é de um salário mínimo, para cada criança, até que cada um complete 18 anos. Também é solicitada uma indenização por danos morais de 30 salários mínimos, o que equivale a R$ 31.350. Patrícia e Victor tinha três filhos em comum; ela também tinha outro filho de um primeiro relacionamento.
“Só a punição [criminal] não resolve o problema das vítimas. Tem os traumas que elas sofreram, as crianças podem precisar de ajuda psicológica. Tudo isso custa. Então, a gente pediu uma indenização sob a forma de alimentos compensatórios para as crianças. As crianças ficaram sem pais. A tia e a prima estão sobrevivendo graças ao auxílio de terceiros”, disse ela.
Um dos argumentos legais utilizados pela Promotoria é a própria Constituição, que prevê, em seu artigo 245, a assistência “aos herdeiros e dependentes carentes de pessoas vitimadas por crime doloso”.
Outro argumento utilizado é uma declaração de direitos humanos aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1985, que considera como obrigação do Estado suprir, entre outros auxílios, necessidades materiais das vítimas de crimes violentos. “Os familiares também são considerados vítimas pela ONU”, disse ela.
A intenção da Promotoria, segundo a gestora do projeto, é solicitar indenização ao estado em todos os casos de violência. O núcleo só não atende violência doméstica, acompanhado por outro grupo. “Via de regra, nós vamos pedir sempre. Principalmente nesses casos, de crimes hediondos, latrocínio, assalto a mão armada, estupros…”
O projeto existe de final de 2018. Há representantes na capital e em Pindamonhangaba, Guarulhos, Olímpia e Baixada Santista. São 20 promotores.
O presidente da OAB-SP, Caio Augusto Silva dos Santos, afirma ver problemas nessa iniciativa e questiona a legitimidade do Ministério Público de promover ações dessa natureza.
Para o advogado, no caso de órfãos que possuem parente responsável, estes seriam responsáveis por contratar advogado para promover a demanda cível. “De essência, essa legitimidade postulatória em favor de particular o Ministério Público não tem”, afirma ele.
Santos também disse que pode não vingar a tentativa da Promotoria de acionar o estado para pagamentos de indenizações por crimes cometidos por falha na segurança pública, porque isso pode abrir um precedente para todas as vítimas de crimes.
Por isso, ele afirma ver problemas até no rito processual. “Uma ação precisa ter partes. Na ação penal, o estado não é parte. Se não é parte no processo, como pode ser condenado? Ele vem, por essência, ser representado pelo Ministério Público, como acusador. E o juiz especializado para decidir essas questões indenizatórias é juízo cível, e não o criminal”, afirma.
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