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D.M.R. tinha oito anos quando o cunhado, ancião nas Testemunhas de Jeová, abriu as calças e ordenou que ela segurasse seu pênis. À noite, confusa, sem entender muito bem o que havia ocorrido, contou o caso para a sua mãe. “Para de falar bobagem, ancião não faz uma coisa dessas”, foi a resposta.
O relato acima é só o começo do depoimento dado por D.M.R, hoje com 64 anos, ao Ministério Público de São Paulo, que investiga a associação religiosa por suspeita de ter acobertado casos de abuso sexual.
Segundo ela, durante anos, o marido de sua irmã, pessoa importante na igreja, violou seu corpo. “Eu era uma menina, não tinha a lucidez que tenho hoje”, afirmou.
Quando começou a ter mais clareza sobre a violência que sofria, aos 14 anos, reclamou com outros dois anciãos da associação, mas nada foi feito, segundo seu depoimento.
Ancião é o nome que se dá na organização religiosa a membros experientes e maduros, responsáveis por supervisionar as congregações. Um deles, um homem que costumava chamar a atenção dela por qualquer deslize como, por exemplo, usar sombra nos olhos, deu-lhe uma resposta seca quando ela começou a fazer um relato sobre as agressões. “Não tem conversa”, ouviu do ancião.
D.M.R. é um das mulheres encaminhadas ao Ministério Público pelo coletivo Vítimas Unidas, fundada por Vana Lopes, uma das vítimas do médico Roger Abdelmassih, condenado por estupro de pacientes em sua clínica de reprodução assistida em São Paulo.
Vana fez a ponte das vítimas com a Promotoria após ser procurada pelo escritor lusitano António Madaleno, ex-ancião, que conhecia vítimas brasileiras, mas não sabia a quem deveria encaminhá-las.
Ela diz conhecer dezenas de casos, mas afirma que muitas pessoas preferem não levar as denúncias adiante. “Pode ser tão grave quanto o do João de Deus”, diz, referindo-se ao médium João Teixeira de Faria, condenado em Goiás a mais de 40 anos de prisão por estupros.
Vana disse não se tratar de um episódio de perseguição religiosa, como a associação argumentou à Justiça, mas uma necessidade de ação para coibir crimes graves. “Não existe padre pedófilo, não existe médico ou Testemunha de Jeová estuprador. O que existe são estupradores, violentadores e agressores que se infiltram nesses locais para pegar as vítimas em suas vulnerabilidades.”
Assim como as Testemunhas de Jeová, a Igreja Católica também é alvo de acusações de abuso sexual de crianças nos últimos 20 anos, em diversos países do mundo. Na última quinta (dia 5), a Arquidiocese de São Paulo anunciou a criação de uma comissão que vai investigar denúncias contra clérigos e religiosos ligados à instituição.
O inquérito do Ministério Público sobre a suposta omissão das Testemunhas de Jeová corre em segredo de Justiça. Segundo o apurado pela promotora Celeste Leite dos Santos, a organização, em muitas situações, teria não apenas desestimulado mas também constrangido vítimas a não denunciar as violências.
Em razão disso, afirma, muitos dos crimes já prescreveram. Segundo documento que apresentou à Justiça, a igreja ameaçava desassociar a vítima que levasse acusações ao conhecimento público. A pessoa que é expulsa, segundo a investigação, perde o elo com os parentes que integram a igreja. “Os familiares não podem nem mesmo dar bom dia”, diz uma das vítimas.
A.V. afirma que o então marido foi promovido na associação depois que ela relatou a um ancião o abuso sexual que ele cometeu contra sua irmã. Em seu depoimento, disse também ter sofrido estupros. “Me obrigava a fazer sexo”, afirma. “Dizia que eu tinha de me render a ele, seguindo os ensinamentos da Bíblia.” De acordo com A.V., como a entidade não fazia nada, “ele sabia que podia me bater”.
OUTRO LADO
Procurada pela Folha, a Associação Torre de Vigia de Bíblias, nome da corporação jurídica usada pelas Testemunhas de Jeová, diz que “abomina qualquer tipo de violência, inclusive a sexual e considera como um crime”.
À Justiça, a entidade afirmou que não há qualquer prova de ilegalidade ou omissão por parte da instituição. “Pelo contrário, as provas juntadas nos autos pelo próprio Ministério Público indicam que a associação preocupa-se em proteger os menores em seu meio”, afirma;
Em petição ao Tribunal de Justiça, declarou que nunca “houve qualquer orientação para encobrir tais casos ou tratá-los apenas internamente, como se houvesse um tribunal eclesial próprio.”
Clique aqui e leia o original no jornal Folha de São Paulo.