Direito da Moda e economia digital: prejuízos pelo atraso da LGPD
25/08/2020Série da APET sobre tributaristas entrevista José Eduardo Soares de Melo nesta quarta, 26, 17h
25/08/2020Por Halley Henares Neto. – terça, 25 de agosto de 2020
Por Halley Henares Neto, Sócio da Henares Advogados e Presidente da Associação Brasileira de Advocacia Tributária – ABAT
A Medida Provisória 932, de 31 de março de 2020, reduziu pela metade as alíquotas das contribuições aos serviços sociais autônomos, intitulado comumente como “Sistema S” (Sesi, Sesc, Sest , Senac, Senai, Senat e Senar). A referida MP, que tinha validade até 29 de maio de 2020 e aplicava-se às competências de abril e maio, teve a prorrogação de sua vigência pelo Congresso Nacional, posteriormente, por meio do Ato CN nº 40 (de 26.05.2020 – DOU de 27.05.2020). Assim, os contribuintes e empregadores tiveram o direito de continuar aplicando as reduções nas alíquotas das referidas contribuições também para a competência de junho de 2020.
Ontem, todavia, foi expedido ato do Presidente da República que, procurando rever esses benefícios dados aos contribuintes em época de pandemia, vetou parcialmente a referida normativa do Congresso (Projeto de Lei de Conversão no. 17 de 2020 – MP 932/20), cujo art. 1º., I a V, dispunha sobre a referida redução de alíquotas das contribuições aos serviços sociais autônomos.A dúvida que se coloca, então, é saber se, a partir desse veto do Executivo, o contribuinte passa a ter o dever de recolher essas contribuições com alíquota “cheia” (sem a redução) já para a competência junho de 2020 ou se o benefício da alíquota reduzida se estende também para junho, posto que a MP teria perdido sua eficácia apenas em julho, data do referido veto.
Aplica-se, nesse caso, o parágrafo 3º. c/c parágrafo 11, do art. 62 da CF/88: a MP perde a sua eficácia se não for convertida em lei. E a perde a partir do momento de sua não conversão, quer seja integralmente, por meio de sua revogação tácita ou expressa, quer seja parcialmente, por meio da revogação ou veto de um ou mais de seus dispositivos.
Com efeito, a partir da alteração introduzida no Texto Constitucional em 2001, pela EC 32, mudou-se a regra anterior aplicável, segundo a qual a medida rejeitada (não convertida) perdia a eficácia “ex tunc”, ou seja, desde a sua origem, sem a preservação dos efeitos das relações jurídicas ocorridas sob a sua égide – exceto se houvesse a edição de decreto legislativo – , em afronta, inclusive, ao Princípio da Irretroatividade, ao ato jurídico perfeito e ao direitos adquirido, o que gerava, à época, um paradoxo interpretativo “endoconstitucional”.
A partir da referida EC 32, todavia, a lógica normativa constitucional inverteu-se: as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante a vigência da MP rejeitada passaram a manter-se incólumes. Isso somente não ocorre se, de acordo com o parágrafo 11 do art. 62, houver disciplina de modo diverso pelo Congresso Nacional, por meio de decreto legislativo, no prazo de 60 dias após a perda da sua eficácia.
Contudo, cabe frisar que ainda que esse decreto venha a ser elaborado em futuro próximo, no caso da redução da alíquota introduzida pela MP 932/20 – o que não nos parece provável, talvez o mais provável seja o oposto: a derrubada do veto pelo Congresso (art. 66, parágrafos 4º. e 5º., CF/88) -, ele também não pode disciplinar a situação em detrimento de direitos garantidos na própria Carta Magna, como o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, garantidos no art. 5º., XXXVI, da CF/88.
Também não cabe opor aqui a aplicação da decisão do STF na ADI 5.709 – Rel Min. Rosa Weber, DJE de 28/6/19 – que, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, decidiu que “Medida Provisória não revoga lei anterior, mas apenas suspende os seus efeitos no ordenamento jurídico. (…) Assim, aprovada a MP…surge nova lei, a qual terá o efeito de revogar lei antecedente. Todavia, caso a MP seja rejeitada…a lei primeira vigente no ordenamento, e que estava suspensa, volta a ter eficácia”. (grifamos)
Note que a decisão do STF, no que se refere a parte sublinhada, deve ser interpreta em consonância com a própria Constituição. Assim, com a rejeição da MP, o que se deve entender é que a lei antecedente (que estava suspensa) deve sim voltar a ter eficácia, mas a partir do momento em que efetivamente se deu perda de eficácia da MP, e não desde o início de sua criação.
Essa sistemática, decorrente da hermenêutica da decisão do STF, é a mesma daquela que decorre do próprio Texto Constitucional, o qual o STF, por força de sua Função Constitucional, só fez esclarecer melhor ainda no caso da comentada ADI, sobretudo em função da dicção do parágrafo 11 do art. 62 da CF/88.
Essa situação é ainda mais clara se as relações jurídicas versadas na MP que perder a eficácia tiverem natureza tributária – como é o caso -, em virtude da expressa previsão do art. 150, III, “a” da CF/88, que consagra a aplicação do Princípio da Irretroatividade da lei no âmbito tributário e se constitui em uma das limitações constitucionais ao poder de tributar.
Como se não bastasse, essa mesma interpretação decorre do princípio “tempus regit actum”, insculpido no art. 144 do CTN, por meio do qual a lei tributária revogada continua emanando efeitos sobre os fatos ocorridos sob a sua égide (vigência).
Aplicando-se essas premissas, decorrentes das regras e princípios constitucionais, acima indicados, e da adequada exegese da interpretação dada pelo STF em sede de controle concentrado de constitucionalidade, parece-nos acertado concluir, sem embargo, que no caso ora tratado, a MP 932, que introduziu alíquota reduzida das contribuições ao “Sistema S” para as competências de abril, maio e, também junho (Projeto de Lei de Conversão no. 17 de 2020), continua regendo os fatos geradores ocorridos e declarados pelos contribuintes nesse período (abril e maio de 2020), abarcando, também, a competência de junho de 2020, posto que a referenciada MP teria perdido sua eficácia apenas em julho, data do referido veto. Interpretação em sentido diverso esbarraria no plexo de princípios e regras jurídicas ora indigitados, a configurar mais um indesejado atentado à segurança jurídica do contribuinte, já combalido pela crise econômica oriunda da pandemia mundial.