MP-SP cria cápsula do tempo em memória das vítimas de Covid-19
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03/08/2020A funcionária pública Lize Maria, 43, do Rio de Janeiro, viveu um relacionamento abusivo por 17 anos. A relação também foi marcada pela chamada violência patrimonial, quando a pessoa com quem a vítima tem uma relação afetiva se vale disso para lhe tirar seu dinheiro ou bens materiais. Ela estima que teve um prejuízo de mais de R$ 150 mil e quase perdeu um carro por causa do ex-companheiro. Só conseguiu reconhecer os abusos após procurar ajuda psicológica.
A Lei Maria da Penha configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Desde 2015, também é considerada violência patrimonial a falta de pagamento de pensão alimentícia. Se o homem passa a controlar os gastos da companheira, ou mesmo seu salário ou retém um documento seu, e faz isso em razão do gênero, ou seja, para prendê-la naquela relação, por exemplo, a Justiça entende ser violência patrimonial contra a mulher.
“Geralmente, esse tipo de violência, quando aplicado contra a mulher, está associado a uma violência psicológica”, explica a promotora Celeste Leite dos Santos, uma das idealizadoras do projeto Avarc (Projeto Acolhimento de Vítimas, Análise e Resolução de Conflitos), do Ministério Público de São Paulo. “Muitas vítimas são independentes financeiramente, mas deixam o homem controlar seu dinheiro. Quando se separam, fica difícil comprovar a quem pertence o patrimônio. Para evitar isso, é importante que a mulher não deixe ninguém tomar conta de sua vida.”
“Deixava de comprar coisas para mim”
Lize conheceu o marido enquanto realizava um trabalho social em uma penitenciária do Rio de Janeiro, em 2002. Ele estava preso por latrocínio, roubo seguido de morte.
Quando ele saiu, os dois começaram um relacionamento e o então companheiro, em busca de trabalho, resolveu abrir uma loja de eletrônicos no Espírito Santo, onde o casal viveu até 2009. Para ajudar o marido a montar o negócio, Lize contraiu empréstimos consignados, esperando o retorno do investimento para pagar as prestações. Todas as compras, o aluguel do imóvel e o alvará de funcionamento foram feitos em seu nome. O negócio faliu e foi ela quem precisou pagar as despesas. E ainda teve um carro penhorado pela Justiça como garantia de pagamento das dívidas.
“Ele ficava superofendido quando eu perguntava como ia me pagar e brigava comigo. Gritava muito e eram agressões de empurrar, puxar cabelo. Uma vez caí, fui chutada”, relembra Lize.
Após descobrir traições do ex, os dois voltaram para o Rio separados, mas reataram duas vezes até a separação em outubro de 2019.
Entre essas idas e vindas, Lize relata que seguiu pagando as contas do então companheiro, à medida em que ele se tornava cada vez mais agressivo. Quando ela falava, por exemplo, que não tinha mais crédito em seus cartões para pagar algo que o homem queria, ouvia ameaças e chantagens.
“Ele me manipulava para comprar algo para ele e ameaçava me abandonar. Eu deixava de comprar as coisas para mim porque isso derrubaria minha ‘tática’ de dizer que o cartão estava sem crédito. Esse tipo de pessoa nos manipula de um jeito que faz com que a gente se sinta louca, como se a gente tivesse culpa pelo que eles fazem”, explica Lize. Esse tipo de abuso psicológico vivido por ela é conhecido como gaslighting.
Quando percebeu sintomas de depressão, em 2015, ela buscou ajuda psicológica. Nas sessões, reconheceu que estava em um relacionamento abusivo e aprendeu sobre a violência patrimonial.
Lize saiu do relacionamento com cerca de R$ 150 mil em dívidas. Decidiu, porém, não denunciar o ex por ele não ser réu primário e também por não acreditar que ele um dia vai conseguir lhe pagar:
“Preferi deixar para lá. É um cara ferrado, que já foi preso. Nunca vai conseguir me pagar. Mas claro que cada caso é um caso. Em outra situação, iria, sim, à Justiça. O que eu fiz foi procurar terapia para curar a minha independência emocional e passar por todo o prejuízo psicológico e financeiro que tive. Ficou um trauma e até hoje não consigo mais me relacionar com ninguém. Não confio”.
Campanha foca crime apenas contra idosos
Dados do Dossiê Mulher 2019, com números somente do Estado do Rio de Janeiro sobre violência patrimonial, mostram que, em 2018, 2.743 mulheres foram vítimas de dano, 2.223 mulheres tiveram seu domicílio violado e 364 tiveram algum documento suprimido, destruído ou ocultado.
Não há uma pesquisa nacional ampla sobre o tema. Segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, em 2019, o Ligue 180 registrou 85.412 denúncias de violência contra a mulher: 2% delas referiam-se à violência patrimonial.
Em junho, a pasta comandada pela ministra Damares Alves divulgou que os casos de violência patrimonial contra idosos registrados no canal Disque 100 (Direitos Humanos) tiveram um aumento de 19% entre 2018 e 2019. E que neste ano, com o isolamento social imposto pela pandemia, a situação tornou-se mais crítica. Mas não apresentou novos dados que corroborassem a afirmação.
No Estatuto do Idoso, a violência patrimonial ou financeira prevê como crime a conduta de receber ou desviar bens, dinheiro ou benefícios de idosos, com pena de 1 a 4 anos de prisão.
Diante dos números, a ministra Damares Alves oficializou órgãos públicos e privados numa campanha de conscientização da violência patrimonial e financeira, mas focada em idosos. Universa questionou a pasta o porquê de não incluir as mulheres na campanha, mas não obteve resposta. COMUNICAR ERRO .
Link: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/08/02/violencia-patrimonial.htm?fbclid=IwAR3VBX5nnnrSpKlZehgJw7W9DHSEfCsCYAb9wkksavVwYbj6fooMcXAffgw