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04/11/2020A escuta
quarta-feira, 4 de novembro de 2020
A repentina perda de três pessoas muito próximas, em um curto espaço de tempo, me fez refletir o quanto cada uma delas contribuiu para a construção do que entendo que sou. De maneira distinta, todas me passaram saberes para domar meu ego inquieto, muito comum em advogados.
Escutar e ter a capacidade de interpretar a mensagem recebida são fundamentais na vida, pois há um abismo entre a mensagem que recebemos e a mensagem que as pessoas querem nos passar.
Deveria ter ouvido e escutado mais.
Penso ser essencial desenvolver a capacidade de compreender a complexidade das pessoas, e como são equivocados os que preveem a ciência jurídica apenas pela inteligência artificial.
As causas que lidamos envolvem pessoas e escutá-las é fundamental.
Quando decidi abrir o escritório Moreau Advogados, recebi a gentil carta do meu tio, J. Renato Corrêa Freire, advogado, com quem eu trabalhava, na qual enfatizou: “Pense, leia e escreva, olhe sempre a concorrência e, embora o cliente venha em primeiro lugar, não confunda isso com estabelecer uma hierarquia privilegiada para nenhum deles”.
Uma das pessoas que me influenciou profundamente nesse aspecto partiu em outubro, o empresário Osmar Amaral, que me deixou um dos maiores ensinamentos que tive na vida: aprender a ouvir e falar no tempo adequado.
Em muitas reuniões Osmar me passou essencialmente a mensagem: “Escute, preste atenção no que as pessoas falam. Geralmente o que as pessoas precisam é serem ouvidas ao invés de ouvirem. Escute, e no momento em que tiver abertura, coloque o seu ponto de vista”.
Antes de entrarmos em uma reunião ele sempre me alertava: “Enquanto o outro estiver falando, analise sua linguagem corporal e tente captar se as pessoas estão dispostas a ouvir a sua mensagem ou não. No momento que julgar oportuno lhe passo o sinal e você coloca o nosso ponto de vista”. Ou seja, ele me ensinou o tempo da escuta e da fala.
Com Zuza Homem de Mello, outro amigo que partiu, aprendi que escutar é também uma arte. Zuza me ensinou o lado de não apenas ouvir as palavras, mas ter a atenção plena, e com ela extrair sua arte melódica e significativa.
Certa noite, em uma deliciosa conversa com Zuza, ele me contou sobre sua experiência acadêmica nos Estados Unidos, e como seus mentores influenciaram na sua formação: “O importante é você ouvir. Não te ensinarei a tocar música, te ensinarei a ouvir música”.
Zuza me ensinava enquanto contava o que aprendeu. Isso me fez refletir a maneira de como deveria controlar o impulso da minha fala e como eu poderia ser uma pessoa e um profissional melhor.
Recentemente sobreveio a perda de minha irmã Helena.
Helena escutava atentamente desde a infância. Um dos projetos que participou com sua amiga de infância Carla Pilon, foi o maravilhoso projeto Senta Aqui. Conversa Comigo, um coletivo que promove o encontro de pessoas em espaços públicos.
Helena participava dos encontros constantemente, conversava com todos e escutava com carinho.
Através da arte da escuta, os três, apesar diferentes entre si, foram meus grandes mestres.
Escutar quando temos os ouvidos afinados é extremamente prazeroso, seja no universo familiar, profissional e cultural.
Tenho muito a agradecer a eles: Zuza, Osmar e Helena.
Não sei se fui bom aluno, sinto que deveria ter escutado mais e falado menos.
Para quem tiver interesse e quiser se aprofundar no assunto:
Zuza, o homem no tempo (ou os muitos tempos dentro do homem).
Morre Osmar Amaral, fundador da Nortox.
Mortes: Transformou vidas, espalhou amor e generosidade.
Como aprender a escutar os outros?
Atualizado em: 5/11/2020 08:59
https://migalhas.uol.com.br/coluna/migalha-do-saber/335901/a-escuta