Blog Ricardo Antunes | “Em decisão histórica, TST condena empresa por racismo institucional”, por Monique Rodrigues do Prado
08/12/2020Alma Preta | Em decisão histórica, TST condena empresa por racismo institucional
08/12/2020TST condena Fleury por falta de pessoas negras em guia de padronização visual
Para ministros, falta de diversidade no guia é uma forma de discriminação, ainda que indireta
SÃO PAULO
08/12/2020 15:15
Crédito: Jon Tyson / Unsplash
Por maioria, os ministros da 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) condenaram o laboratório Fleury a pagar uma indenização por danos morais de R$ 10 mil a uma ex-recepcionista que entrou com uma reclamação trabalhista por descriminação racial.
Por maioria, os ministros decidiram condenar a empresa por discriminação, pela falta de diversidade racial no guia de padronização visual da companhia.
A trabalhadora, uma mulher negra, ajuizou ação requerendo dano moral sob a alegação de ter sido proibida, em diversas ocasiões, de utilizar o seu cabelo black power. A justificativa da empresa seria a de que o cabelo “não estava no padrão” da instituição.
Além disso, no “guia de padronização” do Fleury não constava qualquer pessoa negra, tampouco havia referência quanto aos cabelos crespos, fazendo com que e a mulher “não se sentisse representada e que, por tais motivos, sofresse discriminação em razão do uso do cabelo black power.
Segundo ela, os empregados de cabelo liso e comprido os utilizavam soltos, não sofrendo qualquer punição por isso, mesmo que estivessem fora dos padrões da empresa. Já a trabalhadora, que possuía cabelo black power acima dos ombros, “era obrigada a utilizar tiara, sendo que constantemente a sua supervisora a chamava atenção acerca da maneira que usava seu cabelo”.
Em primeiro grau, a Justiça do Trabalho julgou improcedente, por falta de provas, o pedido de indenização de R$ 40 mil. No segundo grau, o recurso da ex-funcionária também foi desprovido. O TST, contudo, entendeu que a falta de diversidade no guia de padronização já é uma discriminação e que, portanto, a ex-recepcionista deveria ser indenizada. Leia o acórdão na íntegra.
Para a ministra relatora da ação, Delaíde Miranda Arantes, o país detém um arcabouço jurídico de proteção à igualdade racial que veda qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada exclusivamente na cor da pele, raça, nacionalidade ou origem étnica.
“No caso, a falta de diversidade racial no guia de padronização visual da reclamada é uma forma de discriminação, ainda que indireta, que tem o condão de ferir a dignidade humana e a integridade psíquica dos empregados da raça negra, como no caso da reclamante, que não se sentem representados em seu ambiente laboral”, escreveu a magistrada.
No relatório, a ministra evocou dispositivos jurídicos internacionais e nacionais, fazendo alusão à Declaração Universal de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, à Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e à Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
No âmbito nacional, apontou entendimento quanto a violação da Constituição Federal, da Lei 9.029/95, que versa sobre a proibição de discriminação no ambiente de trabalho, e do Estatuto da Igualdade Racial, instituído pela Lei 12.288/2010.
Arantes disse, ainda, que “no atual estágio de desenvolvimento de nossa sociedade, toda a forma de discriminação deve ser combatida, notadamente aquela mais sutil de ser detectada em sua natureza, como a discriminação institucional ou estrutural, que ao invés de ser perpetrada por indivíduos, é praticada por instituições, sejam elas privadas ou públicas, de forma intencional ou não, com o poder de afetar negativamente determinado grupo racial”.
Na avaliação da advogada que atuou no caso, Monique Rodrigues do Prado, a decisão é motivo de comemoração não só pelo movimento negro e antirracista, como também por toda a sociedade brasileira, “visto que a apropriação por parte do judiciário, especialmente do alto escalão, da produção intelectual de autores negros, bem como de tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, crava o caráter pedagógico das decisões judiciais, além de fomentar o debate público sobre as discussões raciais para que o racismo não seja somente uma questão marcada nas pessoas negras”.
Procurado, o Fleury não se manifestou até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto.
O processo corre sob o número TST-RR-1000390-03.2018.5.02.0046.
CLARA CERIONI – Repórter em São Paulo. Cobre temas relacionados à política e ao Judiciário, além de ser uma das responsáveis pelos conteúdos do JOTA Discute. Antes, foi repórter de macroeconomia na Exame. Email: clara.cerioni@jota.info