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29/03/2021A Importância da Transferência da Propriedade de Veículo Automotor
- Sábado, 27 Março 2021 08:34
Voltaire Marensi – Advogado e Professor
Em recente decisão publicada no DJe datada de 08/03/2021, o Superior Tribunal de Justiça, através da sua Primeira Turma, relator Ministro Sérgio Kukina, colocou uma verdadeira “pá de cal” em um tema que ainda hoje é objeto de controvérsias no que diz respeito à mudança de propriedade em razão de alienação de veículo automotor.
Através de um remédio heroico, como se tornou rotulado o mandado de segurança, esta medida foi acatada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, manejado por uma empresa vendedora de veículos novos e usados, que se utilizou de uma Portaria do Detran, obrigando, de sua vez, a Fazenda do Estado de São Paulo aforar recurso especial em desfavor do acórdão hostilizado, que acabou por lhe dar provimento para denegar a segurança.
É, a meu sentir, de tecer encômios a decisão aposta no sobredito Recurso Especial, sob número 1.429.799-SP, cuja ementa é a seguinte:
“ ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO ESPECIAL. ART. 123, I DO CODIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. AQUISIÇÃO DE VEICULOS USADOS PARA POSTERIOR REVENDA. TRANSFERÊNCIA DE PROPRIEDADE PARA A REVENDEDORA. EXPEDIÇÃO DE NOVO CERTIFICADO DE REGISTRO DE VEICULOS. OBRIGATORIEDADE.
- A transferência de propriedade de veículo automotor usado implica, obrigatoriamente, na expedição de novo certificado de Registro de Veículo – CRV, conforme dispõe o art. 123, I, do CTB, ainda quando a aquisição ocorra para fins de posterior revenda.
- Recurso especial provido, com a consequente denegação da segurança”.
Em primeiro lugar, não é raro que se dê maior importância a uma simples Portaria em detrimento do princípio da hierarquia das leis. Tenho combatido e repisado, em inúmeras crônicas, a necessidade e o respeito legal a esse princípio jurídico de alta relevância no contexto jurídico.
Não é demais, a meu sentir, transcrever o que disse mestre Pontes de Miranda em Comentários à Constituição de 1946, vol. 2º/411, art.87, verbis:
“Onde se estabelecem, alteram ou extinguem direitos não há regulamentos, há abuso de poder regulamentar, invasão de competência do Poder Legislativo. O regulamento (aí se insere uma simples Portaria), não é mais do que auxiliar das leis, auxiliar que sói pretender, não raro, o lugar delas, mas sem que possa, com tal desenvoltura, justificar-se e lograr que o elevem à categoria de lei.
Quanto menos se regulamenta melhor. Tem-se visto prurido de regulamentar ir à vesânia de se reproduzirem, nos regulamentos, artigos e mais artigos de lei, sobrepondo-lhes, aqui e ali, frases que os interpretem, restritiva e ampliativamente. Tudo isso é inútil e é perigoso”. Grifo meu. Apud, Voltaire Marensi. O Seguro no Direito Brasileiro, 1ª edição, 1992, Editora Síntese, página 75. Hoje, graças aos meus ilustrados leitores e leitoras, o livro já está na nona edição.
Além deste princípio basilar inserto em todo o nosso ordenamento jurídico é preciso salientar, entre outros, a segurança jurídica que ocorre quando um automóvel é vendido e, incontinenti, é efetivada a transferência perante o órgão competente.
Até no caso do seguro deste bem, quando se observa esta determinação legal, a seguradora não poderá, por exemplo, invocar qualquer hipótese de agravamento de risco previsto no artigo 768 do Código Civil – objeto de diversas celeumas no Judiciário – além de estar, se for o caso, o segurado em plena conformidade com o que estabelece o artigo 785 do mesmo diploma legal, que trata da transferência em sede do seguro de dano.
No corpo do voto condutor e vencedor, à unanimidade, pelos componentes da Primeira Turma do STJ, ficou assentado:
“ A necessidade da emissão de novo CRV, em casos de transferência de propriedade, embora em contextos fáticos diversos do aqui tratado, vem sendo referendada em precedentes desta Corte” (página 5 do voto).
Embora também não se desconheça o enunciado 132 do STJ, datado de 05.05. 1995, no sentido de que “ a ausência de registro da transferência não implica a responsabilidade do antigo proprietário por dano resultante de acidente que envolva o veículo alienado”, não é de bom alvitre correr o vendedor de bem móvel qualquer tipo de risco, que, eventualmente, tenha de se utilizar processualmente para afastar sua culpa, lato senso.
Enfim, dar interpretação divergente ou adotar outro procedimento que não esteja em consonância com o acórdão acima assinalado pode ser não só contrário ao princípio constitucional do primado da hierarquia das Leis, mas, outrossim, aceitar um outro viés que não garanta a verdadeira proteção legal a todos os consumidores que se valem deste contrato tipo de compra e venda de coisa móvel.
É o que penso, sob censura.
Porto Alegre, 26/03/2021
Voltaire Marensi – Advogado e Professor