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04/05/2021Habilitação da filha do titular falecido no plano de saúde
Voltaire Marensi*
02 de maio de 2021 | 06h30
Questão interessante foi objeto de julgamento por parte do Superior Tribunal de Justiça num processo em que a filha de uma titular de plano de saúde permaneceu como beneficiária, mas o contrato foi rompido, de modo unilateral pela operadora, após 24 meses do falecimento da mãe.
Instado a se manifestar, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal entendeu que não seria hipótese de manutenção no plano porque a filha não constava como “dependente” (filha solteira de até 21 anos), sendo, na verdade agregada.
Venia concessa, que eufemismo! Pois o contrato de seguro não se rege por normas convencionais, mas, sim, por normas próprias securitárias aonde o decesso do segurado não é objeto de direito sucessório.
O STJ confirmou esta decisão do TJDFT com base na Lei dos Planos de Saúde e com suporte em duas Resoluções da ANS (Agência Nacional de Saúde).
Data vênia, ouso me insurgir em relação ao decidido por ambos os Tribunais.
Embora não se ignore que o artigo 30 e seus parágrafos da Lei 9.656/98, que normatiza os Planos de Saúde lastreiam juridicamente estas decisões, o fato concreto é que tanto a Lei como as mencionadas Resoluções não protegem o bom direito, mormente neste período de pandemia que estamos vivenciando.
Ademais, como o seguro em um sentido abrangente é um direito próprio e não hereditário, não acredito que esta deva ser a melhor posição quando se trata de julgar um tema que envolve a tese em que permeia o contrato de seguro.
Nesta toada, a Lei dos Planos de Saúde merece uma atualização quer no que tange à época que enfrentamos, quer no que diz respeito ao seu conteúdo propriamente dito.
Vários projetos tramitaram neste período e nenhum deles abordou o tema em seu cerne.
Não se deve ignorar, ainda, que institutos jurídicos distintos devem sofrer tratamento díspares.
Ademais, dentro do princípio Kelseniano da pirâmide Constitucional,as Resoluções não podem contemplar e muito menos colmatar normas que supram leis ordinárias estabelecidas por nossa Carta Magna.
É em razão deste viés que penso, salvo entendimento diverso e consentâneo com as decisões acima, que devemos construir preceitos e normativos legais de idêntica isonomia hierárquica que protejam as partes mais vulneráveis.
De outro giro, não se pode olvidar o desprezo com que os Planos de Saúde nutrem em relação aos consumidores. Os noticiários são fartos neste sentido!
Tenho reiteradamente combatido práticas ilegais utilizadas por certas operadoras destes planos que não titubeiam em agir contra legem. A lei supõe a aplicação in futuro da regra consuetudinária. Tal é o caso, entre nós, da determinação legal do momento da conclusão do contrato de seguro de vida, disse mestre Ruy Cirne Lima. In Preparação à Dogmática Jurídica. Livraria Sulina, 2ª edição, página 68.
Em verdade, o direito é fundamentalmente positivado, resultante de um processo de elaboração e aprovação formal de normas jurídicas de acordo com o preceito inserto no artigo 59 da nossa Constituição Federal que disciplina o princípio da hierarquia legislativa. A resolução aparece no item VII (última focalizada no processo legislativo).
Querer que Resoluções ou normas ultrapassadas disciplinem o curso do Direito é atentar contra os mais lídimos princípios que regem o bom direito.
Frente a estas breves considerações, penso que devemos aplicar preceitos que sigam o evolver dos fatos sociais, malgrado lições hauridas de mestres renomados que de estes sempre atropelam o Direito.
Todavia, não se pode ceder ao que se encontra hoje normatizado, aplicando um Direito que destoe de fatos sociais despidos da boa razão e do bom senso, notadamente no período em que estamos passando em que tudo fica mais difícil se não houver a compreensão de todos aqueles que lutam por uma paz social mais digna frente aos nossos iguais.
*Voltaire Marensi, advogado, professor e consultor de Franco Advogados para temas relacionados à previdência complementar e direito do seguro