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19/05/2021A adoção de grupos de irmãos: como funciona?
Quando uma criança que está para adoção tem irmãos, é prioritário preservar o grupo unido. Assim, famílias adotivas muitas vezes devem estar dispostas a ter de uma só vez dois, três ou mais filhos.
MARIA CUNHA* PUBLICADO EM 19/05/2021, ÀS 10H00 – ATUALIZADO ÀS 15H22
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A família Guimarães Rosa – Arquivo de família
Quando Michele Guimarães e Paulo Rosa se conheceram 18 anos atrás, ele já tinha um filho, Mateus, que hoje tem 35 anos, e ela já era mãe de Murilo, de 23. Algum tempo depois, decidiram ter mais filhos e adotaram de uma só vez quatro crianças, quatro irmãos. Nasceu, então, a família Guimarães Rosa.
O sobrenome das crianças ainda é de consideração, como nome social, porque o processo de adoção definitiva ainda segue em segunda instância. Paulo conta que “nós ganhamos o direito de adoção, ela foi oficializada pelo juiz em primeira instância em 2019 e há uns três meses estamos aguardando a decisão em segunda instância para as crianças poderem receber novas certidões e um nome definitivo”, explica ele.
“A adoção inclui essa morosidade da justiça”, explica Paulo. Os processos deveriam, por lei, acontecer em 120 dias, prorrogáveis no máximo por mais 120 dias, principalmente quando se trata de um grupo de irmãos. No caso da família Guimarães Rosa, o processo de adoção começou em 2014, o pedido em 2016 e em 2019 saiu a decisão em primeira instância. Desde então, a família aguarda uma decisão definitiva.
“A intenção da família é sempre dar uma identidade ao grupo e essa identidade fica prejudicada na medida em você quer usar o nome social (novo sobrenome de família e às vezes também novos nomes escolhidos) e os documentos são com outro nome”, relata Paulo.
De acordo com Michele, mãe das crianças, tudo começou quando o casal quis ter mais um filho. Um ano depois de tomada a decisão pela adoção, ela recebeu uma ligação da assistente social informando sobre duas irmãs, as mais novas dos quatro. Em seguida, uma tia que tinha a guarda do irmão ligou dizendo que o menino não parava de falar do casal, que desejava ficar com eles e com as irmãs. E após 15 dias, as três crianças passaram a morar com os Guimarães Rosa.
Para completar a família, faltava ainda uma irmã mais velha que tinha ficado um ano morando com uma prima, mas foi necessário chegar em um acordo: “Era muito complicado. A gente morava numa cidade pequena e, quando nos encontrávamos, era aquela choradeira ou quando ela ia passar o final de semana conosco, na hora de se despedir, era outra choradeira. A gente entrou num acordo com a família que estava com ela e eles nos passaram a guarda também”, conta o pai das crianças. Michele ainda completa dizendo que “quando há esse afastamento da família biológica, as crianças só tem umas às outras, então era muito dolorido os maiores ficarem longe, porque um protege o outro, sempre foi assim. A mais velha era meio que mãe das meninas, então a gente optou por ficar com os quatro, porque nada mais justo do que eles crescerem juntos”, pontua a mãe das crianças.
Paulo lembra da emoção do dia em que chegaram a um acordo com a família que estava com a filha adotiva mais velha, “ela descia junto do ônibus escolar com as irmãs e se despedia, era sempre uma tristeza”, conta ele.
A filha mais velha detalhou o episódio, que mudou completamente a sua vida. “A gente parou no ônibus, que era perto da casa onde elas moravam. A mãe bateu na janela e me chamou pra descer, eu falei que não tinha avisado a minha tia, que era com quem eu morava, e ela disse que já tinha conversado com ela e que eu ia vir morar com todo mundo, eu comecei a chorar, abracei ela, a gente foi para casa e comemorou”. Desde então, os quatro irmãos estão juntos.
Uma outra questão com relação à adoção que foi percebida pelos Guimarães Rosa é que há um preconceito muito grande contra as famílias por adoção. “Isso a gente percebe em algumas decisões da justiça, que privilegiam o biologismo, em detrimento da convivência familiar, e não levam em conta o que tem na Constituição, que é o bem-estar do menor, colocar a criança como um sujeito de direito”, explica Paulo Rosa. Como exemplo, o pai das crianças citou a campanha #FicaVivi, que eles são militantes. No caso de Vivi, ela viveu com sua família adotiva por sete anos, desde os dois anos de idade e, em novembro do ano passado, uma desembargadora do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) decidiu que ela deveria voltar imediatamente para a avó paterna biológica.
Paulo Rosa relata que decisões como essa retumbam na sociedade e que eles mudaram de cidade por causa do tratamento diferente que receberam de muitas pessoas, até de quem não esperavam. “A gente teve problemas, por exemplo, com uma professora da escola que levou minha filha para a secretaria porque, na prova, ela estava assinando com o nome dela social, que era o nome com o qual ela tinha sido alfabetizada, o nome que ela conhecia. A professora queria que ela assinasse o nome de batismo”, conta ele.
Além disso, Paulo Rosa explica que os entraves jurídicos acabam deixando muitas crianças no abrigo e que há mais pessoas na fila de espera para adoção do que crianças para serem adotadas. “Não deveria ser assim, toda criança deveria ter uma família. O abrigo, por melhor que seja, nunca vai se comparar com a família. A gente sabe que, com todo mundo aqui, é difícil dar a mesma atenção para todos, mesmo que a gente se divida. Imagina em um abrigo com dezenas de crianças pra cuidar”, analisa o pai.
Sobre as transformações na vida do casal Guimarães Rosa e também na das quatro crianças, Michele diz que tudo mudou completamente. “Éramos eu e ele e são quatro vidas para serem educadas, eles chegam com traumas, a gente precisa se reinventar. Mas é como se fossem recém-nascidos, eu fiquei grávida de quadrigêmeos. Eu sou a mãe biológica de um menino de 23 anos e é como se eu tivesse tido filhos da barriga que já falam. Os meus filhos chegaram, de uma outra forma, com uma outra idade, mas chegaram. A adoção é só mais uma maneira de você ter filhos”, conta a mãe das crianças. Já os filhos disseram todos a mesma coisa, que agora eles recebem muito mais amor e carinho.
Paulo Rosa afirma que o cuidado e o amor transformam. “A minha filha do meio não fechava nem o boxe de vidro transparente, não fechava porta nenhuma, ela tinha medo de chuva, de escuro e, principalmente, pavor de ficar fechada. Hoje em dia, a adolescente não tem medo de mais nada e, se deixar, fica trancada no quarto o tempo todo”, esclarece ele. Outra situação foi com o filho mais velho que, no início, tomava calmantes e, após a adoção, nunca mais precisou da medicação. “A gente credita isso na questão do amor e do carinho. É somente o amor que nos une, independentemente de credo, cor da pele, opção sexual, condição social, nada disso deveria valer. A gente não tem bola de cristal pra saber do futuro, mas a gente pode tentar mudar o presente oferecendo as melhores intenções. Nossa meta é mirar nas estrelas para chegar na lua e é isso que estamos fazendo aqui com as nossas quatro estrelinhas”, conclui o pai das crianças.
Os filhos adotivos Guimarães Rosa
De padrinhos a pais: conheça a história de Vinicius e Eduardo
Casados e morando na Argentina, o escritor Vinicius Campos tinha a vontade de ser pai, mas o diretor de estratégia Eduardo Lagreca ainda estava incerto sobre o assunto. A alternativa foi participar de um programa de apadrinhamento de um abrigo, uma espécie de voluntariado que procura referências afetivas para crianças que estão institucionalizadas. “São crianças que ainda não têm uma situação definida sobre se elas vão ser ou não adotadas, ou crianças que já foram colocadas em adoção, mas ela não aconteceu. Essas crianças não têm muito contato com o mundo exterior, então você vai e leva elas pra passear nos finais de semana, vai no museu, vai ao cinema, leva um presente no aniversário”, conta Vinicius.
De acordo com o escritor, na Argentina, quem participa desse processo não pode adotar essas crianças, porque tem gente que faz isso para furar a fila de adoção. “A gente nunca pensou que eles iriam ser os nossos filhos. Quando começamos, o Pablo tinha 5, o Alfredo tinha 7 e a Milli tinha 8″, explica Vinicius Campos.
Depois de dois anos, as crianças foram colocadas para adoção e, como já eram grandes, não havia famílias que as quisessem. “A gente já estava completamente apaixonado por eles, completamente decididos de que a gente queria ser pai deles e falamos pro juiz que queríamos adotá-los, aí foram mais dois meses”, relata o escritor. Vinicius conta que o casal não sentiu nenhuma dificuldade por ser gay, mas atribui isso a duas condições: primeiro, o casamento já tinha sido aprovado com a adoção incluída, então a lei garantia esse tipo de situação e, segundo, Vinicius e Eduardo já tinham um vínculo pré-existente com as crianças. “Eu também acho que cumpríamos algumas coisas, nós somos dois gays casados, brancos, com bom trabalho, tudo isso ajuda. Se a gente tivesse uma situação mais vulnerável, se fôssemos negros, a gente enfrentaria preconceitos mais fortes”, pontua o escritor.
Por terem passado quatro anos com as crianças como padrinhos, Vinicius conta que ele e Eduardo tinham a sensação de que seria mais fácil, mas não imaginavam que a rotina fosse ser tão difícil para ambos, pais e crianças. “A gente tinha uma relação muito de final de semana, de férias, momentos só de felicidade e de repente eles estavam morando aqui e a gente tinha que começar a cobrar que fizessem lição, que fossem pro colégio, que arrumassem o quarto. Eles nos olhavam como dois padrinhos, divertidos, que fazem coisas legais e, de repente, começaram a nos olhar como dois pais, chatos, que tem que fazer a casa funcionar”, diz Vinicius Campos.
O escritor ainda relata uma situação engraçada pela qual passou, ao adotar seus filhos, com o juiz do caso, que se convidou para um churrasco em sua casa. “Eu não lembrava de ter prometido o churrasco, mas montei o churrasco em casa pra receber o juiz e ele veio”. Vini lembra que quando entrou no escritório do juiz ele tinha uma cruz e uma Bíblia, por isso imaginou que o magistrado deveria estar querendo ver qual é a história de uma casa com dois homens. “Acho que ele deve estar imaginando o que não é”, Vinicius pensou. O casal também convidou outros amigos para fazer uma mesa ampla e também para fazer perguntas sobre o processo de adoção na Argentina, já que são um dos primeiros casos de adoção gay no país. Vinicius conta que a mulher do juiz disse pro marido na mesa: “Olha, os seus amigos não vão acreditar no dia que olharem a foto de você nessa mesa” e que, no mesmo momento, questionou o fato de o juiz ser muito conservador e católico.
“Acho que ele queria vir pra sentir o que era uma família com dois homens e saiu daqui decidido a apostar nesse tipo de família nos seus próximos casos de adoção. Tem juiz que é preconceituoso e não se permite mudar.
Sobre situações de preconceito, o escritor diz que as crianças sofriam mais preconceito quando estavam no abrigo, porque na escola ficavam rindo que eles não tinham pais. Em relação ao fato de Vinicius e Eduardo serem gays, o escritor falou que sempre perguntou aos filhos e nunca teve. “Eu tinha muito medo. No começo, quando eles queriam convidar um amigo pra vir dormir aqui, eu convidava primeiro o pai e a mãe pra jantar com a gente, pra depois o filho ficar aqui pra dormir, porque eu falava: Não vão querer mandar a criança pra minha casa. Mas sempre foi um preconceito meu, nunca aconteceu. Isso é muito bom”, completa o pai de Pablo, Alfredo e Milli.
O escritor conclui expondo a maior dificuldade que ele e o marido enfrentam: fazer os filhos se sentirem amados. “Todos nós que crescemos numa mesma casa, desde pequenininho, com os mesmos pais, com uma família estabelecida, a gente criou, entendeu certos mecanismos. Quando você vai aplicar isso como pai, você repete essa estrutura, ela é parte da sociedade, é uma vivência que todo mundo passa. Só que os filhos que chegam, no processo de adoção, grandes, não passaram por esses vínculos iniciais. Eu transfiro esse sentimento pra essas crianças, porque eu já tive essa relação. O problema é que essas crianças tiveram, em sua primeira infância, a relação mais importante das nossas vidas quebrada, destruída por uma família que não deu certo”, explica Vinicius. O marido de Eduardo ainda revela que é impossível educar os filhos a partir do olhar que ele e o diretor de estratégia trazem. “A gente demorou cinco ou seis anos pra entender isso, a gente ainda está entendendo. Como eu consigo fazer eles entenderem o que é o amor incondicional paterno, verdadeiro, se a experiência que eles tiveram foi um amor que se destruiu e os decepcionou.”, conclui Vinicius Campos.
https://papodemae.uol.com.br/noticias/dia-da-familia-como-e-adocao-de-grupos-de-irmaos.html