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29/09/2021Cobrança de energia pela média anual na crise sanitária é ilegal e abusiva
Artigo escrito por Júlio Gomes
28 de Agosto de 2021 às 00:00
A cobrança do consumo de energia elétrica pelo cálculo da média dos últimos doze meses de fornecimento tornou-se prática recorrente entre algumas concessionárias desse serviço público essencial. Essas empresas deixaram de fazer a leitura dos relógios que medem consumo de forma presencial, o que justificam pela crise sanitária da Covid-19 e com base em resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), órgão encarregado de regulamentar o setor, cobrar pela média referida. Muitas das empresas consumidoras não consumiram e não faturaram coisa alguma durante a pandemia, muitas outras consumiram ou faturaram 10% ou 20% em comparação com o período anterior.
É irrefutável que se trata, pois, de uma cobrança inaceitável, abusiva, imoral, que fere mais de uma dezena de normas jurídicas: princípios como proporcionalidade, razoabilidade, abuso de poder e mesmo de direito, enriquecimento sem causa, expediente que provoca desequilíbrio econômico financeiro, contrariando norma que validam os contratos. Acrescente-se que a pandemia é um fenômeno imprevisível, de força maior. Agravando os efeitos da pandemia, as empresas de energia, com base em norma da Aneel, contribuíram para quebrar mais empresas, especialmente de pequeno porte, muitas nos setor de eventos, de alimentação fora do lar, de turismo, tais como hotéis, transportadoras e agências de viagens.
Embora a resolução da Aneel autorize cobrança pela média aritmética, não faz sentido aplicar a regra de forma indiscriminada, em situação excepcional, para setores cujo consumo de energia foi praticamente inexistente. As distribuidoras de energia que usaram esse expediente agiram de forma imoral. Há que se acrescentar que os consumidores que tentavam contato com as empresas não eram atendidos pessoalmente, a pretexto da possibilidade de contaminação dos funcionários. Se tentassem por telefone eram jogados de um lado para o outro e jamais atendidos de fato. Temos então mais uma ilegalidade, infração ao Código de Defesa do Consumidor. Lembremos que mesmo empresas podem ser consumidoras, especialmente quando um fornecedor gigantesco atende milhares de pequenos negócios, que com ele assinam contratos de adesão, sem influenciar em qualquer cláusula.
O reconhecimento dessa falta de equilíbrio, tem sido objeto de discussão na Justiça, sendo que em recentes sentenças obtidas junto a magistrados de 1° Instância no Fórum de São Paulo, a cobrança pela média de consumo foi configurada como cobrança ilegal e abusiva, tendo em vista o quadro configurado pela pandemia.
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Estamos confortáveis para afirmar que a aplicação indiscriminada dessa norma da Aneel é irregular, um acinte ao interesse e ao equilíbrio que devem ter os contratos e com relação aos interesses do País, a quem interessa que tais empresas continuem abertas, fornecendo serviços à população, gerando empregos, PIB, contribuições tributárias etc.
Cabe a Aneel dizer o que justifica essa norma e a não suspensão de seus efeitos quando a pandemia tomou dimensões dramáticas, trágicas, uma hecatombe. Não bastasse os lançamentos de cobranças extorsivas, as distribuidoras de energia ainda protestaram títulos de quem não conseguia pagar ou até nem sabia que eles existiam, pois com empresas fechadas não havia como saber do lançamento, da cobrança ou do envio do título correspondente a protesto, uma conduta inadmissível para quem presta serviço público essencial.
Tem essas vítimas direito a indenização por dano material e moral, a nosso ver até contra a Aneel, por editar normas delirantes e omitir-se, não cuidar de evitar seus efeitos nocivos durante a pandemia. Quem pagou os títulos emitidos pelas distribuidoras de energia deve exigir devolução do valor e também pode intentar ação por dano moral, pois nada mais humilhante que pagar uma conta que não é devida, em época em que tudo que se pode almejar é fazer o negócio sobreviver, esperar compreensão, tolerância, um mínimo de humanidade.
Júlio Gomes é advogado (Universidade Nove de Julho) e pós-graduando em Direito Tributário da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).