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Mecanismo impede redução do RAT, tributo calculado com base em acidentes de trabalho
Uma decisão da ministra Regina Helena Costa, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), está sendo vista por advogados como uma “luz no fim do túnel” para empresas prejudicadas por uma trava aplicada ao Fator Acidentário de Prevenção (FAP). Esse índice é usado para reduzir ou elevar a alíquota da contribuição aos Riscos Ambientais do Trabalho (RAT) – a nova denominação do Seguro de Acidente de Trabalho (SAT).
A ministra rejeitou recurso da Fazenda Nacional que tentava invalidar um acórdão de segunda instância favorável ao contribuinte. É a primeira decisão do STJ e, segundo os especialistas, apesar de não ser de mérito, pode dar novo fôlego à discussão.
É que nos Tribunais Regionais Federais (TRFs) as empresas vêm enfrentando muitas dificuldades. Somente o da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, tem decisões favoráveis – para afastar a chamada “trava de rotatividade” do FAP.
Essa discussão é importante porque impacta a quantia que as empresas têm a pagar de contribuição ao RAT, que incide sobre a folha de salários e serve para cobrir os custos da Previdência Social com vítimas de acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais.
O FAP funciona como um modulador das alíquotas. É calculado com base nas ocorrências de cada empresa, podendo variar entre 0,5 e 2. Depende da frequência com que ocorrem os acidentes de trabalho, o custo dos benefícios por afastamento que foram cobertos pelo INSS e a gravidade das ocorrências.
A empresa tem que multiplicar o seu índice – de 0,5 a 2 – pela alíquota do RAT a qual está sujeita, de 1%, 2% ou 3% (fixada de acordo com o risco da atividade desenvolvida). Com a aplicação do FAP, portanto, as alíquotas finais da contribuição podem variar entre 0,5% e 6% – diminuir à metade ou dobrar.
Só que existe um “complicador”. A trava de rotatividade – também chamada de taxa de rotatividade – pode interferir nesse resultado. E, por esse motivo, há discussão nos tribunais.
Trata-se de um mecanismo criado pelo Conselho Nacional da Previdência Social para monitorar se as empresas demitem ou não muitos funcionários. Se dispensou mais de 75% do seu quadro nos dois anos anteriores aplica-se a trava. A consequência disso é que a empresa não poderá se beneficiar de redução da alíquota – mesmo com pouca ou nenhuma ocorrência de acidente no mesmo período.
Atinge, portanto, as empresas com FAP entre 0,5 e 0,9. Nesses casos, o índice fica travado em 1. Uma empresa que recebeu 0,5 de FAP e tem RAT de 3%, por exemplo, teria alíquota final de 1,5%. Já com a trava de rotatividade e o FAP travado em 1 permanecerá com os mesmos 3%.
“Neste ano, justamente, pode afetar muitas empresas porque o cálculo está levando em conta o período de pandemia, em que foram realizadas muitas demissões”, diz o advogado Pedro Ackel, do escritório WFaria.
Um de seus clientes, no entanto, “sofre” com isso já há bastante tempo. Trata-se de uma empresa especializada em alocação de mão de obra temporária, que – pela própria natureza – tem alta rotatividade de funcionários. Apesar dos baixos índices de acidente, diz o advogado, nunca conseguiu se beneficiar do FAP.
Neste ano, por exemplo, teve um índice de 0,74. Mas por causa da trava de rotatividade, que bloqueia o FAP em 1, terá que pagar R$ 1,4 milhão a mais ao governo federal a título de RAT.
Advogados de contribuintes argumentam, na Justiça, que não existe na lei que rege o FAP, a nº 10.666, de 2003, nenhuma menção à trava de rotatividade ou qualquer elemento que sustente esse mecanismo. Ao criar a trava, por meio de uma resolução, portanto, o Conselho Nacional da Previdência Social teria inovado – o que seria ilegal.
“A trava de rotatividade não tem relação com nenhum dos requisitos conceituais que a legislação traz. A lei fala em índices de frequência, custo e gravidade. Esses são os itens que poderiam ter regulamentação”, sustenta Daniel Miotto, sócio do escritório Gasparini, Nogueira de Lima e Barbosa Advogados.
A Fazenda Nacional alega, por outro lado, que o Conselho Nacional da Previdência Social tem poder para regulamentar o FAP e que tal competência já foi, inclusive, reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Defende, além disso, que a trava está vinculada aos critérios previstos em lei.
O caso levado ao STJ foi decidido a favor do contribuinte, no TRF-4, por unanimidade de votos. A ministra Regina Helena Costa negou o recurso da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirmando que a revisão do entendimento, da forma como suscitada, demandaria interpretação dos princípios constitucionais da isonomia e da legalidade, que cabe apenas ao STF.
Ela não entrou, portanto, no mérito da discussão: se a trava de rotatividade pode ou não ser aplicada. Mas, para advogados de contribuintes, um trecho específico da decisão deixa claro que a ministra concorda com o que foi decidido pelos desembargadores.
“Com efeito, a Corte de origem assentou que o regulamento, ao criar a trava consistente na taxa de rotatividade restringiu direito previsto em lei, além de impedir o alcance ideal de isonomia, mais do que isso, torna contrário esse objetivo”, diz Regina Helena Costa em tal trecho (REsp 2018728).
Advogados de contribuintes se dizem esperançosos, além disso, por ter sido o primeiro caso sobre trava de rotatividade que chegou à Corte e teve decisão desfavorável à Fazenda Nacional.
“A decisão recente da ministra, apesar de não abordar de forma detalhada a ilegalidade de se adotar a trava de rotatividade como um critério de cálculo do FAP, representa ao menos um indício de que o tema pode vir a ter um desfecho favorável aos contribuintes no STJ”, afirma Rodrigo Petry Terra, sócio do escritório Almeida Advogados.
Existe um outro caso sobre a mesma matéria com o ministro Sérgio Kukina. Também trata de recurso apresentado pela Fazenda Nacional contra decisão do TRF-4 que afastou a aplicação da trava de rotatividade.
Kukina, num primeiro momento, entendeu que a discussão era sobre a metodologia do cálculo do FAP e como, sobre essa matéria especificamente, já há decisão do STF, ele determinou a devolução do caso para novo julgamento no TRF.
Voltou atrás e reverteu a própria decisão depois de a empresa informar, por meio de embargos de declaração, que se trata de discussão diferente. Por enquanto, portanto, não há vantagem nem para a Fazenda nem para o contribuinte. O ministro Sérgio Kukina deve proferir uma nova decisão (REsp 2019493).
Procurada pelo Valor, a PGFN não deu retorno até o fechamento da edição.