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10/04/2023Estudo mostra que os maiores ganhos com a reforma seriam da indústria, por ser o setor mais dependente de investimentos
Grandes setores da economia nacional não têm um discurso único sobre a reforma tributária das propostas de Emenda à Constituição (PEC) nº 45 e nº 110. Indústria, agropecuária e serviços divergem sobre a estimativa do impacto que as alterações podem causar em suas atividades.
“Há setores que ganham menos e setores que ganham mais”, afirma o advogado Breno Vasconcelos, professor do Insper. Para o especialista, o setor industrial tem maior ganho com a reforma sobre consumo, seguido pelo setor comercial e então pelo de serviços.
O professor destaca que, mesmo dentro dos setores, o impacto não é uniforme. “Em serviços, por exemplo, o setor de telecomunicações vai ganhar muito, quase como a indústria”, afirma. Já para saúde e educação, destaca, pode haver crescimento menor se a reforma for aprovada nos termos da PEC 45. Porém, já se aventa a possibilidade de alíquota diferenciada para esses setores, junto com transportes.
Propostas
A PEC 45 quer criar um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) a partir da unificação de cinco tributos — os federais IPI, PIS e Cofins, o ICMS estadual e o ISS municipal. O IBS proposto segue o modelo do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), não cumulativo, com alíquota uniforme e investimentos livres de tributação, entre outras características.
Uma das principais diferenças em relação à PEC 110 é que, nesta, o ICMS e o ISS ficariam reunidos em um tributo subnacional e o IBS seria composto pelos tributos nacionais.
Na PEC 45 já se pensa sobre a possibilidade de concessão de tratamento favorecido temporário para atividades agropecuárias e agroindustriais, serviços de educação e saúde, transporte público coletivo e rodoviário de carga e entidades beneficentes de assistência social. Já na PEC 110 há previsão de uma lei complementar, que irá definir os setores que terão tratamento favorecido.
Essas concessões são relevantes porque a diferente percepção dos setores sobre como vai ficar sua tributação, após a reforma, pode ser um entrave às negociações no Congresso Nacional.
Impacto setorial
Estudo dos professores Edson Paulo Domingues e Debora Freire Cardoso, da Universidade Federal de Minas Gerais, elaborado a pedido do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), aponta para um horizonte similar ao estimado pelos próprios setores.
O estudo considerou quatro cenários. Um com a substituição dos cinco tributos pelo IBS, sem imposto seletivo. Um segundo cenário com essa substituição e um imposto seletivo sobre fumo, bebidas e combustíveis fósseis. Foram simulados também mais dois cenários adicionando a isso os efeitos de ganhos de produtividade de longo prazo.
O estudo mostra que os maiores ganhos com a reforma seriam da indústria, por ser o setor mais dependente de investimentos e no qual a tributação efetiva hoje tende a ser mais alta em decorrência do grande encadeamento de insumos na produção.
Nos cenários sem efeito da produtividade, o aumento de atividade da indústria supera 8%, enquanto nos cenários que incorporam aumento de produtividade o efeito atinge 16,7%, com o ganho mais conservador, e 25,7% com o ganho mais otimista.
1 de 1 Cédulas e moedas de real, dinheiro, Brasil — Foto: Joel Santana/Pixabay
Cédulas e moedas de real, dinheiro, Brasil — Foto: Joel Santana/Pixabay
Mesmo nos cenários sem aumento da produtividade haveria aumento da produção da agropecuária (pouco mais de 3%) e do setor de serviços (em torno de 2,5%). Isso ocorreria, segundo o estudo, porque os efeitos da redução da cumulatividade e da ampliação da renda das famílias mais que compensam o aumento da alíquota do IBS na comparação com a tributação atual em alguns subsetores da agropecuária e dos serviços.
Detalhando os ramos de atividade, na agropecuária haveria crescimento da agricultura, pecuária e produção florestal e pesca. Já dentro de serviços, a construção teria o melhor desempenho.
O estudo mostra que alguns ramos, como alimentação fora de casa, serviços pessoais e saúde e educação privados, teriam queda relativa no nível de atividade nos dois primeiros cenários, sem considerar efeitos de produtividade. São serviços mais voltados para consumidores finais, menos beneficiados pela redução da cumulatividade que viria da reforma.
Fernando Haddad
No evento “E agora Brasil”, realizado em parceria entre os jornais Valor e O Globo, questionado sobre o impacto no setor de serviços, que estima majoração de até 188%, o ministro da Fazenda Fernando Haddad afirmou que isso não vai existir. Segundo o ministro, hoje a indústria responde por 11% do PIB e “o setor de serviços responde por muito mais do PIB”, afirmou.
“Quando acomoda as alíquotas, querendo favorecer a indústria, sobretudo a exportação de manufaturados, vai haver uma diluição disso. Serviços têm que considerar que não se credita de tudo e passará a se creditar de tudo”, afirmou Haddad, destacando que o compromisso é com a carga fiscal estável. “Não queremos aumentar imposto sobre consumo”, disse.
Agronegócio
“Partimos da premissa de que a reforma é importante. E tem o nosso apoio”, afirma o coordenador do Núcleo Econômico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Renato Conchon. O coordenador não acredita, contudo, que o tema já está maduro para ser votado no primeiro semestre. “No curto prazo, a renda do trabalhador brasileiro vai ser onerada”.
Tanto a PEC 45 quanto a 110 promoverão grande deslocamento de tributação, segundo Conchon. “Quem mais se beneficia é a indústria, enquanto em agro, setor de serviços, transporte e comunicação vai subir demais a carga tributária, inviabilizando algumas atividades”, diz.
Dentro do setor, o coordenador destaca que serão afetados, principalmente, as cadeias de pequenos produtores, como, por exemplo, café e cana-de-açúcar, que hoje têm incentivos. Conchon destaca que 98% dos produtores rurais são pessoas físicas, portanto, não são contribuintes diretos de PIS, Cofins, IPI e de ISS. “No modelo das PECs todos vão pagar a mesma alíquota, estimada em 25%”, destaca.
O coordenador também pondera que o setor não consegue repassar todo o custo. “Não é porque meu tributo subiu que a bolsa de Chicago vai pagar mais pela minha soja”, afirma. Conchon estima que a reforma como está proposta vai ter reflexo na inflação e taxa de juros. Há uma estimativa da CNA de que a cesta básica poderá ficar 22,7% mais cara caso a PEC 45 seja aprovada.
Para a confederação, a alíquota única sobre todos os bens e serviços seria ideal do ponto de vista de simplificação. Mas não é possível que “o litro de leite pague o mesmo que importação de carro de luxo.”
Um ponto que não está nas PECs, mas preocupa o setor porque consta em outros projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, é a isenção das exportações. “É importante para manter a competitividade do nosso produto”, diz.
Indústria
“O sistema tributário brasileiro é o pior do mundo”, afirma Mário Sérgio Telles, gerente-executivo de econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI). O setor é favorável ao texto da PEC 110. “Não é o texto perfeito para nós, mas é o possível”, disse.
Em 2019 a posição da CNI era pela alíquota uniforme, segundo Telles, mas essa posição já foi flexibilizada. Isso porque a proposta da PEC 110 possibilita a existência de setores com alíquota reduzida, por meio de lei complementar, segundo o gerente-executivo.
Segundo Telles é uma distorção que hoje a tributação de uma peça de roupa, por exemplo, seja maior do que a de serviços de academia, lavanderia, resort, entre outros. “Não há uma justificativa para isso”, afirma.
“No debate dizem que a indústria vai ser beneficiada e os serviços prejudicados. Isso é mentira”, afirmou. Segundo Telles, existem diferenças dentro dos setores. “Não são todos os serviços que terão aumento de carga”, diz.
Para Telles, os segmentos mais prejudicados são os que vendem para consumidor final e não são do Simples Nacional. “Tudo que a empresa contrata de serviços que hoje não dá direito a crédito vai dar direito. Então para esses serviços a situação melhora, não piora”, afirma.
“Ninguém tem a garantia de que vai pagar mais ou menos”, afirma. O que é importante na reforma para a indústria é a melhoria da qualidade do sistema e a eliminação de distorções. A distorção principal para a indústria é a cumulatividade, a impossibilidade de aproveitar créditos de tributos pagos ao longo da cadeia, problema que a reforma promete solucionar”, diz.
Serviços
O setor de serviços está preocupado, segundo Luigi Nese, presidente da Confederação Nacional de Serviços (CNS). “As duas propostas reformam a tributação do setor de serviços, transferindo renda do setor industrial para o de serviços”, afirma. Nese destaca que o setor representa hoje 74% do PIB e mais de 70% da mão de obra ocupada.
“Onerar esse setor é um tiro no pé, porque onera o maior pagador de impostos”, defende Nese.
O presidente destaca que o setor de serviços, por ser o “fim da linha” não terá parte do benefício de compensação de tributos pagos ao longo da cadeia.
A parte principal de custo do setor é a mão de obra, por isso, o setor considera relevante a inclusão da desoneração da folha de pagamentos nas propostas de reforma. “Se não fizer a desoneração da folha de pagamento não há reforma tributária, criando um problema grande para o setor de serviços”, afirma.
O presidente da CSN estima que hoje categorias que pagam 4,75% de alíquota de tributos federais passarão a pagar 25% (alíquota estimada para o imposto único). “Estamos transferindo carga de um setor para o outro”, destaca. Nese também destaca que essa desigualdade entre beneficiados e prejudicados pela reforma atravancou os debates nos últimos anos. “Não querem levar em conta o custo do trabalho”, diz.