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11/04/2023Na interpretação das convenções processuais, o juiz trabalhista deve prestigiar a intenção e a boa-fé das partes
A realização de convenções processuais com o objetivo de diminuir os custos da demanda enfrenta resistências para ser aplicada na Justiça do Trabalho. Isso ainda acontece mesmo com o grande desenvolvimento do instituto em outras áreas do direito, especialmente a partir da inclusão no Código de Processo Civil (CPC) do artigo 190, que implementou as convenções processuais atípicas e a possibilidade de alteração do procedimento e das situações jurídicas processuais por meio do autorregramento das partes.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) e doutrina bastante qualificada se posicionaram veementemente contra a aplicação do instituto no processo do trabalho com o argumento de ser incompatível com a vulnerabilidade do trabalhador. Essa presunção absoluta para admissibilidade de convenções processuais atípicas é equivocada, pois a situação de “manifesta vulnerabilidade” é conceito jurídico indeterminado, de modo que deve ser analisada casuisticamente cada situação no momento de aplicação da lei ao caso concreto.
Na interpretação das convenções processuais, o juiz trabalhista deve prestigiar a intenção e a boa-fé das partes
O que deve ser aferido é a capacidade negocial da parte, pois não é sua qualidade de empregado que enseja necessariamente sua desigualdade na negociação, e sim uma deficiência nos conhecimentos técnicos sobre normas processuais, procedimentos e situações jurídicas processuais
Somente admitimos uma presunção, e mesmo assim relativa, de vulnerabilidade nas situações das convenções processuais prévias, inseridas nos contratos individuais de trabalhadores hipossuficientes, diante do fato de a subordinação jurídica e dependência econômica influenciarem seu consentimento, bem como acordos processuais realizados por empregado que esteja exercendo o “jus postulandi” e, portanto, sem a assistência técnica de advogado.
Referimo-nos à presunção relativa, pois a convenção processual poderá ser validada, se não trouxer prejuízo ao trabalhador, como ocorre no sistema de nulidades processuais para o ato que não causa prejuízo para a parte ou na hipótese de a decisão de mérito a ser proferida no processo beneficiar aquele que teria o processo anulado por invalidade formal.
O novo perfil do direito do trabalho, diante da grande valorização da autonomia da vontade nas relações trabalhistas com a Lei nº 13.467/2017, inclusive com a possibilidade de trabalhadores hipersuficientes firmarem cláusulas de arbitragem e realizarem contratos individuais de trabalho, que se sobrepõem a acordos e convenções coletivas, estas últimas ainda podendo prevalecer em algumas circunstâncias à lei, demonstra a necessidade de adequação do processo do trabalho a essa nova situação, cuja exclusão de acordos processuais mostrar-se-ia contraditória à realidade atual.
A possibilidade de realização de acordos processuais no processo do trabalho também está em consonância com o princípio conciliador que rege essa seara processual, além de não se poder olvidar que, após a Emenda Constitucional nº 45, os litígios dirimidos por essa Justiça especializada passaram a não mais se restringir a lides entre empregados e empregadores, cuja diversidade dos conflitos também denotou a necessidade de adequação procedimental, que pode ser obtida por meio de convenções processuais.
Aliás, não se pode esquecer que as convenções processuais sempre existiram no processo do trabalho, diante de seu perfil de processo simples e com menos formalidade que o processo civil, além da insuficiência normativa da CLT. É o que se observou durante muitos anos com a conversão de razões finais orais para escritas, compromisso de levar testemunhas às audiências independentemente de intimação, além dos pedidos de adiamento de audiências e julgamentos, bem como suspensão do processo.
Nunca se buscou, entretanto, delimitar ou desenvolver os contornos do instituto, que demanda uma abordagem diferente do processo civil, a começar pelo conceito de que, situado nos fatos jurídicos processuais, em sua modalidade atípica, deve ser construído como acordo bilateral ou plurilateral que expressa uma vontade livre dos contratantes, de maneira igualitária, no contrato individual ou coletivo, convenção coletiva de trabalho, dissídio individual ou dissídio coletivo pendente, com o objetivo de alterar o procedimento ou a situação jurídica processual, a fim de adequá-lo à forma mais efetiva de solução do conflito ou futuro conflito, cuja eficácia estará condicionada ao controle jurisdicional.
A construção desse conceito faz-se necessária para a adaptação do instituto ao processo do trabalho e a superação de óbices de admissibilidade impostos pela comunidade laboral. Na análise estrutural do instituto, também é importante a observância dos planos de existência, validade e eficácia desenvolvidos pela doutrina dos negócios jurídicos, cujos requisitos e pressupostos são universais. O auto regramento das partes, por exemplo, não pode se sobrepor às normas fundamentais do direito processual do Estado Democrático de Direito e, assim, as partes não podem dispor sobre competência absoluta, coisa julgada, fundamentação das decisões, entre outras normas cogentes.
Na interpretação das convenções processuais, o magistrado trabalhista deve realizar análise imparcial, atentar para a natureza processual do instituto, privilegiar o princípio “in dubio pro libertate”, prestigiar a intenção e a boa-fé das partes, primar pela razoabilidade da negociação, realizar hermenêutica mais favorável ao aderente e mais restrita nos negócios benéficos e, principalmente, observar a necessidade de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional.
Bruno Freire e Silva é doutor em Direito Processual (PUC-SP), professor de Direito Processual do Trabalho na UERJ e sócio de Bruno Freire Advogados
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