Jornal Hoje| Setores da Economia começam a analisar a reforma tributária
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26/06/202326 de junho de 2023 REDAÇÃO CG
Todos sabemos que o Ministério Público saiu extremamente fortalecido no texto da Constituição Federal de 1988. Originalmente, tratava-se de órgão cuja incumbência era defender os interesses do rei. Evoluiu e passou a ser o órgão com a atribuição de defender os interesses do Estado.
A partir da Constituição Federal de 1988, assumiu a responsabilidade de ser o órgão defensor dos interesses da sociedade até mesmo contra o Estado. Decorre daí sua inegável importância no Estado Democrático de Direito.
O novo perfil do Ministério Público traçou uma instituição independente, que tem condições de manejar ações contra os demais poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), com grande competência e preparo. Esse poder do Ministério Público inclui a possibilidade de denunciar pessoas diante de crimes, atos equiparados, ou atos de improbidade, por exemplo.
Para denunciar uma pessoa, evidentemente, o Ministério Público precisa ter elementos mínimos sobre a materialidade e a autoria do crime ou da improbidade. Não cabe fazer pressuposições ou ilações, como também não cabe basear-se exclusivamente em declarações feitas no âmbito de uma colaboração premiada.
Por isso, é preciso apurar por meio de inquéritos (civis ou criminais), e obter uma mínima comprovação dos fatos tidos por ilegais, criminais ou ímprobos.
Muitas vezes, mediante denúncias, não raro com forte componente político-partidário, o Ministério Público recebe representações que têm um único objetivo: desgastar o agente político denunciado, criar notícia contra ele e utilizá-lo como instrumento de pressão contra terceiros. Dir-se-á: compete ao Ministério Público analisar com critério a denúncia. De fato, entretanto, nem sempre é o que ocorre.
Nos últimos anos, especialmente em torno da Operação Lava-Jato, mas não apenas nela, houve uma relativização das exigências para a propositura de ações penais, de improbidade administrativa e para a decretação de medidas restritivas de liberdade, às vezes até pela voz de algum Ministro do Supremo Tribunal Federal.
Determina-se a prisão de um indivíduo sem que ela possa ocorrer segundo a legislação vigente, em geral por “delitos de opinião” em afronta explícita à liberdade de expressão e ao direito à crítica democrática, atropelando todo o arsenal milenar dos direitos fundamentais e das garantias forjadas por sangue e suor das civilizações.
O uso sem critério da delação premiada – como se ela pudesse substituir o trabalho investigativo, como se fosse idônea para provar algo por si só – facilita enormemente a ocorrência de injustiças e de erros judiciários.
Infelizmente, a constatação do caráter abusivo desse comportamento também atinge, e em cheio, o Ministério Público, tão frequente nos últimos anos. Não autoriza, no entanto, o outro extremo, caracterizado pela omissão e pela passividade diante de indícios de crimes ou de improbidade administrativa grave.
Não se conserta abuso com omissões. Corrige-se abuso com o cumprimento da lei.
Obra recém lançada está inserida neste universo de preocupação. “A Contratação Direta de Profissionais da Advocacia” – onde coordeno contribuições de alguns dos mais renomados especialistas do tema – pretende chamar a atenção dos operadores do direito para o denuncismo inconsequente na contratação de profissionais que prestam serviços de consultoria e de assessoria jurídica e não raro o acolhimento irresponsável do Ministério Público.
É preciso dizer com todas as letras e sem meias palavras: é direito do Poder Público, da Administração Pública, contratar serviços técnicos jurídicos à luz da Lei n. 14.133/2021. E não há nessa contratação, em princípio e regularmente, nenhum vício, ilegalidade ou improbidade administrativa. É preciso inverter a lógica do raciocínio de alguns membros do Ministério Público que vislumbram em toda e qualquer contratação direta de advogados e profissionais do direito um mecanismo, em princípio suspeito, que poderia levar à trilha dos atos de improbidade administrativa.
Lamentavelmente, existe uma atuação contundente do Ministério Público na promoção de ações civis públicas, no prosseguimento de ações populares e até mesmo de inquéritos e de ações penais para investigar o cometimento de “atos de improbidade administrativa”, e eventuais “crimes” licitatórios (sic), nas situações em que o Estado contrata serviços advocatícios sem, para tanto, deflagrar processo de licitação.
Esta conduta acaba não apenas por movimentar, indevidamente, o aparato estatal, mas também gera um ônus injustificado – tanto para a Administração Pública e seus gestores, quanto para a advocacia, que não raras vezes, é arrolada no polo passivo de demandas que perduram por décadas – na medida em que a contratação direta de serviços jurídicos pela Administração Pública é plenamente cabível à luz das recentes modificações na legislação pátria, conforme explorado pelos autores na obra.
Casos outros infelizmente ainda existem onde em comarcas do interior dos Estados, procuradores de justiça ameaçam gestores públicos com inquéritos civis e ações civis públicas se ousarem renovar contratos de prestação de serviços com profissionais portadores da vetusta noção de notória especialização e prestadores de serviços singulares para a Administração Pública. É inacreditável que os defensores da sociedade se comportem como fiscais da Inquisição clamando por injustiças e ilegalidades.
Deveriam esses ilustres representantes do Ministério Público, a rigor, serem processados ou investigados por suas Corregedorias ou pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) por abuso de poder, erros, omissões ou fraudes. Deveriam ser responsabilizados pessoalmente nas esferas administrativa, civil e penal, ou até mesmo, eventualmente, de forma cumulativa.
De fato, existem hipóteses em que a contratação direta é necessária e a única possibilidade da Administração. Regra geral, a inexigibilidade de licitação baseia-se no pressuposto fático da impossibilidade de competição ou de disputa entre os competidores. A antiga e conhecida “notória especialização” inserida no Decreto-Lei n. 200/1967 aparecia como uma das hipóteses ensejadoras da dispensabilidade da licitação no Decreto-Lei n. 2.300/1986, que surge como geradora de inexigibilidade da licitação.
Na nova lei, identificada a situação de notória especialização, por definição cabe a contratação direta, afastando-se, em princípio, a alegação de que notórios especializados não são necessariamente os únicos especializados, portanto, em razão disso, algum tipo de competição deveria se estabelecer. Deveras, se o objeto da licitação inviabiliza a competição, não há mesmo como aplicar o princípio do julgamento objetivo, e, pois, realizar a licitação.
Os serviços de consultoria e de advocacia pública contratados diretamente são invariavelmente, salvo casos de fraudes ou de crimes, serviços predominamente intelectuais, nos quais o elemento “confiança” é fundamental na escolha do profissional a ser contratado.
Sabemos que o trabalho intelectual, assim como o artístico, é insuscetível de comparações a partir de um determinado patamar de especialização e de profissionalismo. As escolhas do Administrador Público, nestes casos, são necessariamente discricionárias, devem ser suficientemente motivadas e respeitadas pelos órgãos controladores, inclusive pelo Ministério Público e pelos Tribunais de Contas.
Outro equívoco recorrente do Ministério Público presente na maioria das impugnações às contratações diretas diz respeito à existência de procuradorias (municipais ou estaduais) em Municípios de médio ou grande porte e nos Estados federados. A só existência de procuradorias instaladas e de procuradores exercendo suas funções em nada altera a possibilidade da contratações desses serviços. Os pressupostos para a contratação desses profissionais do direito não têm qualquer relação direta ou indireta com as funções exercidas no dia a dia por tais procuradorias.
Os serviços prestados pelos profissionais contratados diretamente não se confundem com as atividades exercidas pelos procuradores municipais, estaduais ou federais.
Podem existir procuradorias com 5, 10 ou 500 procuradores e, ainda assim, haver necessidade da contratação de profissionais do direito com larga experiência jurídica nas áreas de sua especialidade. A Administração Pública tem todo o direito de ser tecnicamente bem defendida pelo melhor profissional do direito contratado para defender seus interesses. E a contratação desse advogado não se restringe a casos excepcionais, mas sim, é viável quando houver necessidade de assistência jurídica. Simples assim.
Por Marcelo Figueiredo
Advogado. Consultor Jurídico. Professor Associado dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação de Direito Constitucional e Direito Constitucional Comparado da PUC-SP. Presidente da Associação Brasileira de Constitucionalistas Democratas- ABCD- seção brasileira do Instituto Ibero- Americano de Direito Constitucional com sede no México.