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17/07/2023Por Marcelo Figueiredo
13/07/2023 09:20
A iniciativa no Congresso Nacional de debater mudanças estruturais no Supremo Tribunal Federal é oportuna. A expectativa é de que a análise não se circunscreva à mera implantação de mandato fixo a seus futuros membros. A alteração errática da jurisprudência e o comportamento ativista de ministros nas últimas décadas são sintomas de fenômeno mais complexo: a necessidade de revisão profunda no órgão de cúpula do Poder Judiciário.
Modelado na Suprema Corte norte-americana, não é possível compará-la com o STF, nem no passado, nem no presente. A única semelhança possível é a indicação e nomeação de seus membros pelo presidente da República, após sabatina e aprovação do Senado. Assim mesmo, no Brasil, a sabatina realizada pelo Senado é meramente ritual. Não se compara com a inquirição e com os levantamentos quanto à vida pregressa dos candidatos a juiz da Suprema Corte realizados nos Estados Unidos.
E não há nenhuma semelhança entre a Suprema Corte norte-americana e o Supremo Tribunal Federal. Lá vigora a Constituição mais antiga do mundo, de 1787, extremamente enxuta com sete artigos e vinte e sete emendas. Aqui, a Constituição de 1988 a exemplo das Constituições do período é extremamente ampla (com mais de 250 artigos só na parte permanente e com mais de 127 Emendas) e analítica cuidando de numerosos temas de assuntos dos mais diversos.
A Suprema Corte escolhe pouquíssimos casos para julgar por ano (não mais que duas dezenas) e só julga matéria constitucional. No Brasil, o STF é dotado de larguíssima competência originária e recursal sobre diversas matérias, inclusive penal e administrativa, e recebe milhares de processos por ano (cerca de 10 mil). Portanto, o STF não é uma Corte Constitucional, é Corte Suprema. Há grande diferença entre os dois modelos.
No Brasil se desenvolveu modelo híbrido que combina ao menos dois tipos de controle de constitucionalidade chamado de “norte-americano” ou difuso e o “europeu” (abstrato e concentrado). Embora essa classificação esteja dogmaticamente superada porque insuficiente, é certo que as desvantagens de tanta concentração e amplitude de competência são muito maiores que as supostas vantagens da abertura da jurisdição constitucional.
Hoje não há praticamente matéria imune à jurisdição do STF. E isso não é responsabilidade exclusiva de seus ministros. Estes são obrigados a apreciar e julgar uma gama de conflitos de natureza sensível dada a amplitude da Constituição (fator externo ao STF).
Entretanto, em face da enorme abertura conferida pela Constituição ao controle abstrato (CF, artigo 103), e sua interpretação também generosa, passou o Supremo a “interferir” direta ou indiretamente em atividades que seriam exclusivamente reservadas aos poderes eleitos, especialmente o legislativo e o executivo muitas das vezes por mero “capricho” de seus ministros e ministras.
Os exemplos de ativismo exagerado e abusivo praticado pelo Supremo são inúmeros ao longo dos últimos anos. Do mesmo modo também é de ser registrado o fenômeno da “judicialização da política”. Em ambos os casos, a literatura jurídica é farta. Assim como a população tem de cumprir decisões judiciais das quais discorda, ministros do Supremo Tribunal Federal precisam respeitar leis constitucionais que divergem de suas preferências políticas ou ideológicas.
Leis imperfeitas devem ser corrigidas pelo Congresso Nacional e não pelo Judiciário. Não é papel do STF alterar leis constitucionais que, por alguma razão, exigem eventual atualização ou retificação legislativa. Nesse contexto, a introdução de mandatos para os novos integrantes do Supremo Tribunal Federal seria modificação importante, desde que associada a outras necessárias para conter o ativismo exacerbado, como por exemplo a indicação obrigatória – conforme o caso – de prazo para o Congresso legislar nos casos de competência originária.
Desta forma, o Supremo não poderia exercer a jurisdição constitucional nos casos em que o Congresso pudesse atuar para modificar uma lei ou ato normativo em período razoável a ser definido caso a caso. Outro problema que merece ser enfrentado diz respeito à escolha em si de candidatos para o Supremo Tribunal Federal. Como bem observa Patrícia Perrone Campos Mello, (Nos Bastidores do STF), embora a escolha de candidatos para o Supremo Tribunal Federal não seja plenamente orientada por aspectos ideológico-partidários, isso não significa que não seja politizada ou que tais aspectos não tenham qualquer influência.
Os critérios que regem a escolha de ministro do Supremo não são claros. Sabe-se que alguns candidatos são “patrocinados” por pessoas influentes no governo, como, por exemplo, por ministros de Estado, por ministros do próprio STF, por governadores, por grupos de interesse e mesmo por pessoas que integram o círculo mais íntimo do relacionamento dos presidentes da República.
Reitero: o Supremo Tribunal Federal não é local para fazer política pública de cotas, não é lugar para premiar ministros de Estado ou altos funcionários do governo, não é lugar para recompensar advogados ou consultores do governo. Não é lugar para contemplar grupos políticos partidários ou para praticar fisiologismo ideológico. É preciso que o indicado(a) tenha efetivamente o respeito nacional ao menos da comunidade jurídica. Nomes desconhecidos nacionalmente, indicados por compadrio – ainda que com algum saber jurídico – devem ser rejeitados pelo Senado.
Para oxigenar e dar novos ares ao STF e sua nova composição, as medidas mais prementes são: mandato de 10 anos (sem possibilidade de recondução), período suficiente para proporcionar alterações não coincidentes com os mandatos do Executivo e do Legislativo; expurgar toda a competência que não é constitucional do STF; melhorar critérios de indicação dos candidatos aumentando limite de idade para 45 anos; submeter os nomes ao Conselho Federal da OAB e ao STJ, e nesta hipótese nenhuma dessas instituições poderia ter candidatos; alterar a composição do Supremo para 15 ministros, adotando modelo com um quinto de indicados dentre professores de Direito Constitucional, eleitos pelo Congresso Nacional, pelo voto da maioria absoluta de seus membros; um quinto eleito pelos Tribunais Superiores (STJ e STF) dentre seus membros; e um quinto indicados pelo presidente da República, dentre professores de Direito Constitucional, Administrativo ou Econômico; um quinto dentre advogados, eleitos pelo Conselho Federal da OAB, e um quinto dentre membros do ministério público federal, eleitos pelo órgão de representação de classe, como proposto por José Afonso, assessor jurídico de Mário Covas na Constituinte de 1987.
O Congresso Nacional não pode perder essa oportunidade para cumprir o seu papel de revisor das leis, inclusive constitucionais. A cidadania brasileira cobrará essa dívida mais cedo ou mais tarde.
Marcelo Figueiredo, advogado e consultor jurídico, é professor associado dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação de Direito Constitucional e Direito Constitucional Comparado da PUC-SP.