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08/08/2023BLOG
Blog do Fausto Macedo
As informações e opiniões formadas neste artigo são de responsabilidade única do autor.
Por Marcelo Figueiredo e Lucas Pedroso Klain
08/08/2023 | 04h30
4 minde leitura
Marcelo Figueiredo e Lucas Pedroso Klain. Fotos: Divulgação e Arquivo pessoal
O título do texto causa estranheza. Àqueles que não se dispuserem a lê-lo, certamente parecerá que os autores erraram a grafia do latim. A supressão da letra l do termo latino legem, contudo, tem sua razão de ser. A lei federal n. 14.133, de 1º de abril de 2021, foi promulgada, mas com parcial eficácia, e não apenas em decorrência da ultratividade das leis nos 8.666/1993, 10.520/2002 e 12.462/2011, esta última apenas dos arts. 1º a 47-A.
O sistema geral de contratações públicas, ao nosso ver, passou a ser um verdadeiro Frankenstein, pois é formado por pedaços de leis revogadas e pedaços da nova lei. Complexa a tarefa do operador do direito, e neste conceito inserimos o gestor público.
De um lado, a nova lei de licitações públicas (14.133/2021) dispõe em seus artigos 189 e 194, que ela entra em vigor no dia da sua publicação e que deveria ser aplicada quando a legislação fizesse referência expressa às leis revogadas nos 8.666/1993 e 10.520/2002, bem como aos artigos 1 ao 47-A da Lei 12.462/2011, tudo a confirmar sua vigência a partir de sua publicação.
De outro lado, entretanto, a mesma legislação estabeleceu que as leis nos 8.666/1993, 10.520/2002 e os artigos 1 ao 47-A da Lei 12.462/2011 seriam revogados apenas após o decurso de dois anos de sua publicação e que, durante esse período, os entes da administração pública poderiam, a seu critério e desde que não combinadas, utilizar tanto as leis nos 8.666/1993, 10.520/2002 e os artigos 1 ao 47-A da Lei 12.462/2011 como a lei 14.133/2021 para suas contratações.
Diante disso, temos as leis nos 14.133/2021, 8.666/1993, 10.520/2002 e os artigos 1 ao 47-A da Lei 12.462/2011 vigendo parcialmente cada uma delas no sistema de contratações. Eis, aí, o nosso Frankenstein!
O problema é que, diferentemente do monstro criado por Victor Frankenstein, o sistema geral de contratações públicas tem diversas “incompatibilidades” e mesmo “problemas genéticos”, entre as partes que foram juntadas, o que traz sérias dificuldades para sua aplicação prática.
Veja, por exemplo, os diversos dispositivos que não tratam da governança ou mesmo fase interna da licitação, como a pesquisa de preços. Nesse sentido, já se pronunciou o Prof. Marçal Justen Filho, com distintiva vanguarda, lá nos idos de 2021, quando publicou seu artigo intitulado “A Aplicabilidade Imediata da Lei 14.133”, na coluna publicistas do JOTA (Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/publicistas/a-aplicabilidade-imediata-da-lei-14-133-27042021).
Outro ponto de divergência “genética” entre as leis é a realidade para a qual foram criadas. A nova lei pressupõe uma administração muito, se não totalmente, virtualizada, isto é, que lança mão das vantagens – e arca com os ônus – do mundo virtual, o que não é uma realidade das legislações anteriores.
Não obstante toda a complexidade acima superficialmente tratada, como dito acima, não nos referimos a essa miscelânea entre leis revogadas e a lei “atual” quando dissemos que a lei 14.133/2021 entrou em vigor com parcial eficácia. Nos referíamos a outro problema para a aplicabilidade da nova lei: suas diversas regulamentações.
Seria possível, conforme permitido na lei 14.133/2021, aplicá-la imediatamente? Sinceramente, pensamos que não, exatamente em razão da extrema necessidade de regulamentá-la.
Há dispositivos na nova lei que, inclusive, só poderão ser aplicados após a devida regulamentação.
Por óbvio que os demais entes podem anuir à regulamentação federal e seguirem suas vidas sem maiores dificuldades. Entretanto, num país de dimensões continentais como o Brasil, com tamanhas divergências culturais, estruturais, econômicas e tantas outras, entre suas regiões que entendemos não ser aconselhável essa opção.
Cada município, estado ou ente com competência regulamentar, possuem circunstâncias que lhes particularizam em face do ente federal. A própria estrutura e condições econômicas de cada um dos entes é elementos que os destoa entre si. Por mais que se busque alcançar o nível federal das regulamentações, por inferência lógica, haverá certos pontos que serão impossíveis de serem atendidos.
A lei 14.133/2021, em todo o seu corpo formado por 194 artigos, faz referência à regulamentação, regulamentos, atos normativos ou termos congêneres em mais de 50 oportunidades. Há, evidentemente, inúmeras providências para a plena eficácia da nova lei de contratações públicas e muitas dessas regulamentações devem ser realizadas pelo ente específico, observando suas reais dificuldades, seus obstáculos ordinários, enfim, sua realidade. E essa observância das circunstâncias do dia a dia do ente público devem ser observadas na regulamentação, de modo a dar máxima efetividade à nova lei.
Em nosso sentir, as principais e mínimas regulamentações que devem vir para que ser aplicada a nova lei são as que dispõem sobre a pesquisa de preços, sobre as atribuições e incumbências do fiscal do contrato, sobre a definição do que seria ou não seria enquadrado como bens de luxo e, por fim, sobre a dispensa de licitação, na forma eletrônica. Sem esses primeiros passos, não há segurança ou mesmo condição de aplicação da nova lei.
O trabalho conjunto de secretarias, órgãos e servidores deve vir orquestrado, além de afinado aos ditos regulamentos federais vinculativos, para um produto de regulamentação dentro das possibilidades e condições do ente. Para tanto, a administração pode valer-se, inclusive, da prestação de serviços de profissionais externos aos seus quadros, com notória especialização, a fim de auxiliar os órgãos que participarão ativamente das regulamentações necessárias para a implementação e plena aplicação da nova lei.
Ao não se preparar também neste vértice para a aplicação certa e futura da lei 14.133/2021, o ente simplesmente abdica de uma competência que lhe pertence e que pode, em muito, trazer maior conforto e segurança aos gestores e servidores que atuarão na seara das contratações públicas. Sem isso, continuaremos a dizer: Habemus egem!
*Marcelo Figueiredo, advogado, consultor jurídico, professor associado dos cursos de graduação e pós-graduação de Direito Constitucional e Direito Constitucional Comparado da PUC-SP
*Lucas Pedroso Klain, advogado e especialista em Direito Processual Civil pela PUC-SP