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30/10/202317 de outubro de 2023, 11h19
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 574.706 (Tema nº 69), decidiu que o ICMS destacado em nota fiscal não compõe a base de cálculo do PIS e da Cofins, uma vez que não se caracteriza como receita da empresa, mas como mero ingresso de caixa destinado, na realidade, aos cofres públicos, a quem, de fato, pertence esse montante.
Não obstante, foi editada a Medida Provisória nº 1.159/2023, convertida na Lei nº 14.592/2023, que introduziu, no artigo 3º da Lei nº 10.637/02 e da Lei nº 10.833/03 — dispõem sobre a não-cumulatividade do PIS e da Cofins, respectivamente —, o §2º, inciso III, conforme o qual o valor do ICMS que tenha incidido sobre a operação de aquisição não se inclui na base dos créditos desses tributos federais.
Nesse contexto, a despeito da aparente correspondência entre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins e a sua exclusão dos créditos das contribuições, fato é que — além de a questão não ter sido objeto de apreciação pelo STF — não expressam a mesma grandeza, porquanto aquela diz respeito à receita, e esta, no que é pertinente, ao custo de aquisição.
O artigo 1º de ambos os diplomas legais preceitua que a exação “incide sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil”. Na sequência, o §1º pontua que “o total das receitas compreende a receita bruta (…) e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica com os respectivas valores decorrentes do ajuste a valor presente”.
No que tange à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, Roque Carrazza consigna que a sua inclusão “leva ao inaceitável entendimento de que os sujeitos passivos faturam ICMS”. E acrescenta [1]:
“De fato, fenômeno similar ocorre no âmbito das empresas privadas quando valores monetários transitam em seus patrimônios sem, no entanto, a eles se incorporarem, por terem destinação predeterminada. É o caso dos valores correspondentes ao ICMS (tanto quanto os correspondentes ao IPI), que, por injunção constitucional, as empresas devem encaminhar aos cofres públicos.
(…)
A parcela correspondente ao ICMS pago não tem, pois, natureza de faturamento (e nem mesmo de receita), mas de simples ingresso de caixa (na acepção supra), não podendo, em razão disso, compor a base de cálculo quer do PIS, quer da Cofins.”
Noutro giro, ressalta-se que a base de cálculo dos créditos de PIS e de Cofins, especificamente em relação às despesas legalmente autorizadas de bens e serviços utilizados como insumo, é o custo de aquisição. Logo, não há relação entre a exclusão do ICMS da base do PIS e da Cofins e a exclusão do tributo estadual da base dos créditos dos tributos federais. Não é porque, de um lado, o ICMS não se conceitua como receita que, de outro, não integra o custo de aquisição do insumo.
Antes de esmiuçar-se o que significa a expressão “custo de aquisição”, é necessário entender o que pode e o que não pode o legislador ordinário em matéria de não-cumulatividade. Nessa seara, são valiosas as lições do Professor de Direito Tributário da Universidade Federal de Minas Gerais André Mendes Moreira [2]:
“Sendo o legislador livre para seguir ou não o predicado constitucional, resta ainda uma indagação: a não-cumulatividade poderia ser mitigada no PIS/Cofins, inadmitindo-se, v.g., o crédito sobre insumos para determinado segmento da economia? Poderia, ainda, o legislador federal determinar que o valor dos créditos escriturais de PIS/Cofins que excedesse os débitos em determinada competência deveria ser estornado, como pretenderam no passado algumas leis estaduais? Poderia a lei estipular que o contribuinte somente teria o direito de aproveitamento de 80% dos créditos aos quais faria jus, como pretendeu o Estado de Santa Catarina para o extinto ICM na década de 1970?
Como todas essas tentativas de restrição da não-cumulatividade foram declaradas inconstitucionais pelo STF para o IPI/ICMS, parece-nos que também seriam inválidas para o PIS/Cofins.
A liberdade do legislador somente existe no momento pré-legislativo; feita a opção, deverão ser mandatoriamente observadas as regras constitucionais atinentes ao instituto.”
Dessa forma, pode-se dizer que o que não pode o legislador do PIS e da Cofins é optar pela não-cumulatividade e deixar de implementá-la da forma mais plena possível. Para tanto, é imprescindível saber o que constitui o núcleo da não-cumulatividade e o que está sob o alvedrio do legislador.
Na época em que a não-cumulatividade foi introduzida no Brasil, o conceito de insumo compreendia as matérias-primas e os produtos que, ainda que não incorporados, fisicamente, ao bem fabricado, eram consumidos de forma imediata (em contato direto com o bem produzido) e integral (desgastando-se por completo em menos de um ano). Esse entendimento, insculpido pelos Tribunais Superiores, deu origem à denominada teoria do crédito físico.
Cabe ressalvar, nesse ponto, que o insumo do industrial é diferente do insumo do comerciante e do prestador de serviços. Sobre o tema, André Mendes Moreira assevera que o vocábulo insumo deve ser compreendido como toda e qualquer aquisição necessária à atividade empresarial, de modo que o conceito de insumo como “bem consumido no processo produtivo” foi indevidamente restringido pela jurisprudência, pois:
“a) os insumos industriais são apenas uma espécie dessa categoria, que abarca também os insumos para os prestadores de serviços e para os comerciantes; b) mesmo as indústrias se valem de insumos que não entram em contato com o produto final, como ocorre, v.g., com os óleos lubrificantes utilizados no maquinário das empresas. A negativa de crédito sobre bens essenciais ao processo produtivo, dessarte, contraria a lógica da não-cumulatividade tributária.”
Com esse raciocínio, arremata dizendo que “o crédito físico, compreendido como o direito ao creditamento sobre insumos essenciais ao processo produtivo, constitui o mínimo essencial da não-cumulatividade, na esteira da jurisprudência do STF. Diante disso, o creditamento sobre bens do ativo imobilizado e sobre os materiais de uso e consumo é uma faculdade que pode ou não ser outorgada ao contribuinte pelo legislador” [3].
O crédito físico, portanto, é o núcleo intangível da não-cumulatividade, constitucionalizada através da Emenda nº 18/65. O que fica sob a conformação do legislador é o denominado crédito financeiro, que diz respeito ao creditamento sobre bens do ativo imobilizado e sobre os materiais de uso e consumo.
O Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp nº 1.221.170, referendou a posição do autor mencionado acima, e definiu que o conceito de insumo, em se tratando do PIS e da Cofins, deveria ser analisado sob a ótica dos critérios de essencialidade e relevância, considerando a imprescindibilidade ou a importância de determinado item (bem ou serviço) no desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.
Compreendido o que são insumos para a legislação que cuida do PIS e da Cofins e qual é o cerne da não-cumulatividade no ordenamento jurídico pátrio, qual seja, o crédito físico — do qual o insumo é exemplo — é preciso reforçar que, uma vez editada a legislação conforme o comando constitucional do artigo 195, §12, não poderá haver restrição desse minimum minimorum da não-cumulatividade.
Outrossim, no que tange ao significado da expressão “custo de aquisição” — de certa forma repisada pela novel legislação ora vergastada (“operação de aquisição”) —, que é, consoante a legislação de regência, deduzido do valor cobrado a título de PIS e de Cofins, salienta-se que corresponde ao valor dos insumos adquiridos no mês acrescido dos encargos e dos impostos que incidem na operação.
O artigo 3º, inciso II, das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, predica que a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a bens e serviços utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda. O §3º, a seu turno, diz que o direito ao crédito aplica-se aos bens e serviços adquiridos e aos custos e despesas incorridos. Em resumo, a legislação permite a inclusão, na base dos créditos de PIS e de Cofins, do valor da mercadoria ou do serviço utilizado como insumo e dos custos e das despesas relativos à aquisição.
Sobre o assunto, foi editada, em 15 de dezembro de 2022, a Instrução Normativa RFB nº 2.121, que “consolida as normas sobre a apuração, a cobrança, a fiscalização, a arrecadação e a administração da Contribuição para o PIS/Pasep, da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), da Contribuição para o PIS/Pasep-Importação e da Cofins-Importação”.
Em seu artigo 171, inciso II[4], localizado na Seção I, que trata “créditos básicos”, do Capítulo I, que trata “dos créditos decorrentes de custos, despesas ou encargos incorridos no mercado interno” do Título IV, que trata “dos créditos no regime de apuração não cumulativa”, há previsão da inclusão do ICMS incidente na venda pelo fornecedor no cálculo do crédito do PIS e da Cofins.
A lei que rege a cobrança não-cumulativa de PIS e de Cofins é bastante abrangente em relação à tomada de créditos, eis que comporta não só o valor dos insumos adquiridos, como também as despesas e os custos correlatos. Uma vez introduzida a não-cumulatividade para esses tributos, deve ser efetivada por meio de um creditamento tão amplo quanto é a sua base de cálculo, isto é, “o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica”.
Logo, o que onera a entrada do insumo, como o seguro, o frete e o próprio ICMS, deve ser considerado, juridicamente, como custo de aquisição. A regulamentação da matéria, nesse ponto, é escorreita. Todavia, ainda que a norma editada pela Receita Federal do Brasil fosse silente, a previsão contida nas Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003 seria suficiente para adotar-se idêntica conclusão.
Dessa forma, vê-se que o artigo 3º, §2º, inciso III, das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, introduzido pela Lei nº 14.592/2023, por malferir o arquétipo da não-cumulatividade abarcado pela Constituição da República de 1988, é inconstitucional. Ademais, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, apesar de incipiente a discussão no judiciário, já perfilhou o entendimento proposto nesse texto. Confira-se:
“Entendo que o fato de o ICMS não fazer parte da base das contribuições, não faz o imposto ‘desaparecer’ do somatório da NFe, tampouco deixará de ser um custo de quem fez a aquisição, pois o ICMS já está embutido no preço da mercadoria, e com isso, o contribuinte pagará os R$ 35,50 na aquisição.
Insta ressaltar que o fato de o ICMS ter sido retirado da base de incidência para fins de apuração se deu pelo conceito de faturamento apresentado pelo STF, no julgamento do RE n. 574.706 (Tema n. 69), uma vez que o ICMS não se trata de faturamento do contribuinte, pois será feito o repasse do imposto à Fazenda Pública.
(…)
Ora, ao se fazer aquisição de uma mercadoria para revenda, sendo o ICMS um custo com o qual o contribuinte irá arcar, qual seria o sentido, na não-cumulatividade, de retirar o imposto da base de crédito das contribuições?
(…)
Partindo do contexto da tese firmada no Tema nº 756 do STF, do conceito e da finalidade do princípio da não-cumulatividade das contribuições do PIS e da Cofins, entendo que o ICMS deverá compor a base de crédito de tais tributos, uma vez que essa sistemática de tributação pressupõe essa lógica, não podendo o legislador ordinário alterar a matriz constitucional da não-cumulatividade das Contribuições.” (Agravo de Instrumento nº 5005005-17.2023.4.02.0000, relator desembargadpr federal William Douglas Resinente dos Santos, DJe de 25/6/2023).
O julgado reforça a ideia de que a tal não-cumulatividade goza de um conteúdo mínimo, de um núcleo intangível, sem o que a ela é negada vigência. É ele o já referido crédito físico, que autoriza a dedução dos custos e das despesas relacionados à aquisição dos insumos. Aliás, tão abrangente é a base de cálculo do PIS e da Cofins que é imprescindível à consagração do princípio constitucional da não-cumulatividade a amplitude da base de cálculo dos créditos.
[1] CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. pp. 171-184.
[2] MOREIRA, André Mendes. A não-cumulatividade dos tributos. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2020. p. 109-111.
[3] Idem. pp. 265-267
[4] “Artigo 171. No cálculo do crédito de que trata esta Seção, poderão ser incluídos: (…) II – o ICMS incidente na venda pelo fornecedor, ressalvado aquele referido no inciso I do artigo 170”
Vitor Veríssimo Borges é advogado associado de contencioso tributário em Henares Advogados.
https://www.conjur.com.br/2023-out-17/vitor-borges-inconstitucionalidade-mp-1159