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04/09/2024A transação tributária desponta como um dos mais efetivos institutos do direito tributário atual, pautada nos alicerces do diálogo, da transparência, da boa-fé e da eficiência
Por Halley Henares Neto e Eduardo Oliveira Gonzaga de Natal
04/09/2024 05h02 Atualizado há 11 horas
A Lei nº 13.988/2020 representa efetiva ruptura no conturbado ambiente tributário, no qual litígios não têm prazo para terminar. Em que pese a transação tributária encontrar fundamento sistêmico desde o advento do Código Tributário Nacional (CTN) em 1966, na prática, foram poucas e não muito bem-sucedidas as tentativas de regulamentar o artigo 171 do referido código. Essa situação foi revertida com a MP nº 877/2019 (MP do Contribuinte Legal), convertida na lei acima destacada. Tal se deu graças à brilhante inciativa da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) em conjunto com a academia, que formaram grupos de estudos, chegando a enviar representantes para o estrangeiro no intuito de colher o que há de mais moderno em termos de relações entre Fisco e contribuintes.
Assim, o modelo de transação de tributos federais implantou regime híbrido com as modalidades da transação por edital e a transação individual. Os resultados obtidos até 2022 são muito bons. Segundo o relatório PGFN em números, do total de R$ 29,1 bilhões recuperados, R$ 14,1 bilhões foram através de transações tributárias, sendo a maior parcela efetivada pela modalidade adesão.
Esses números demonstram o acerto da PGFN em promover transações tributárias mediante a concessão de parcelamentos em até 120 meses e em determinadas hipóteses, a depender da capacidade de pagamento (Capag) e do grau de recuperabilidade dos créditos, a possibilidade de concessão de descontos de multas, de juros e de encargos legais até o limite de 65% do total dos créditos a serem transacionados. Pautada nesse aparato de possibilidades, a transação se configura como efetivo mecanismo de política pública, na medida em que confere eficiência na recuperação do crédito tributário e reduz a massa de processos judiciais e administrativos.
Entretanto, o instituto da transação ainda merece evolução, notadamente em relação ao trato das transações individuais de iniciativa do contribuinte. Sob esse diapasão, merecem realce alguns pontos que, a nosso sentir, necessitam de aperfeiçoamento.
O primeiro diz respeito à revisão da metodologia da capacidade de pagamento. Com efeito, o modelo atual da PGFN, pautado em uma fórmula estanque, merece alterações, eis que não leva em consideração elementos de grande importância relacionados ao ramo de atividade do contribuinte (ex.: comércio, serviço, indústria, agro etc.), gerando descompasso quando deixa de sopesar a importância de determinados fatores de produção para cada tipo de atividade. Demais disso, a Capag deveria avaliar de forma mais completa o endividamento do contribuinte, que pode compreender, além de débitos tributários federais, passivos trabalhistas, passivos bancários, dívidas com fornecedores e, até mesmo, encargos tributários frente a Estados e municípios.
De se considerar também a necessidade de desenvolvimento de ferramenta tecnológica que habilite a aplicação de uma Capag mais efetiva, de modo a promover melhor adequação na classificação dos débitos e no consequente enquadramento dos contribuintes no rating da dívida tributária. Com isso, restaria mais transparente a aplicação dos descontos em face da efetiva situação financeira de cada contribuinte, sem contar que tal medida evitaria controvérsias que tendem à judicialização.
Nas transações individuais se faz imprescindível diálogo assertivo, ágil e com concessões equilibradas entre as partes para que se alcance a adequada composição do “acordo” com vistas à extinção do crédito tributário. Para tanto, as tratativas devem se pautar em ambiente de “fair play” que atenda aos anseios fiscais quanto à recuperação do crédito tributário, sem descurar do auxílio na recuperação do contribuinte, garantindo condições para a manutenção de sua atividade produtiva.
Outro ponto relevante é garantir a suspensão dos atos de cobrança dos créditos objeto da transação até que sobrevenha o seu deslinde, seja com a assinatura do termo de transação, seja com o despacho de indeferimento do pedido. Medida com esse teor, resguardaria, à luz do devido processo legal, o resultado útil do procedimento, a fim de que o tempo e energia empregados nas negociações não possam limitar ainda mais o contribuinte que de boa-fé procurou o Fisco no intuito de desenvolver suas regulares atividades enquanto não finalizado o “acordo” de transação.
A suspensão acima propugnada poderia também se estender para sobrestar o ajuizamento de novas execuções fiscais, como também para paralisar tentativas de bloqueios de recursos dos contribuintes até que ocorra o desfecho das tratativas transacionais.
A adoção de tais medidas encontra consonância com os principais atributos da transação tributária, na medida em que atenderiam à sua natureza instrumental e a sua vocação de política pública efetiva, apta a promover a cidadania fiscal.
É diante desse cenário que a transação tributária desponta como um dos mais efetivos institutos do direito tributário atual, pautada nos alicerces do diálogo, da transparência, da boa-fé e da eficiência para não mais reascender os arcaicos métodos de acertamento das dívidas fiscais, que se davam conforme os apetites políticos, traduzidos pelos mal-arranjados modelos dos chamados “Refis”, que promoveram injustiça em face do contribuinte em regularidade fiscal, desatenderam ao primado da igualdade ao conferir desconto a quem não necessitava e prejudicaram a arrecadação na medida em que estimulavam o acúmulo de débitos para futuro pagamento com múltiplos descontos de juros, multas e outros encargos.
Halley Henares Neto e Eduardo Oliveira Gonzaga de Natal são tributaristas e, respectivamente presidente e coordenador de comitê da Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat)
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