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24/10/2024O gerente jurídico da Telebras, Edson Holanda, trabalhou de seu gabinete na estatal para o escritório de advocacia do qual era sócio.
O advogado defendeu a banca advocatícia durante um julgamento virtual do TCE-SP (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo) — o caso não tem qualquer relação com a empresa pública.
Holanda é o favorito do ministro das Comunicações, Juscelino Filho, para ocupar uma vaga aberta na diretoria da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).
O UOL apurou que o advogado foi recomendado ao Ministério da Casa Civil, responsável por fazer análise política de indicações antes de o Palácio do Planalto bater o martelo.
Da sala que ocupa na estatal, em Brasília, Edson Holanda representou o escritório perante a Segunda Câmara do TCE-SP. O caso envolvia a prestação de serviço em um processo sobre royalties de petróleo.
O Código de Conduta e Integridade da Telebras proíbe os funcionários de:
usarem o horário de trabalho para atividades particulares em detrimento das exercidas na empresa;
utilizarem bens da empresa para “fins particulares ou outros não relacionados diretamente às atividades e aos negócios da estatal”.
A Telebras está sob influência do senador Davi Alcolumbre (União-AP) desde o início do governo Lula (PT). O parlamentar trocou toda a diretoria e abrigou aliados em outros cargos na estatal. Como revelou o UOL, a empresa pública deu uma “pedalada fiscal” de R$ 77 milhões.
Procurada, a Telebras informou que advogados concursados ou ocupantes de cargo em comissão na estatal podem exercer a advocacia, “desde que não seja em detrimento da empresa e/ou em conflito de interesse com a empresa”
“Eventual descumprimento de norma impeditiva ou proibitiva pelo empregado requisitado terá que ser apurada de acordo com as normas internas da empresa e do seu Código de Conduta e Integridade”, registrou a estatal.
Advogados ouvidos pelo UOL viram irregularidades no caso.
Edson Holanda disse à reportagem que representou o escritório para defender a si próprio e “evitar responsabilização de multas, inclusive devolução de dinheiro ao erário”.
O TCE-SP nega, contudo, que isso pudesse ocorrer.
Petróleo e telecomunicações
Holanda chegou à Telebras em 4 de setembro de 2023, após ocupar um cargo de diretor no Ministério de Minas e Energia entre maio e julho daquele ano.
Antes de entrar no governo, o advogado representava municípios em ações movidas contra a ANP (Agência Nacional de Petróleo) para cobrar royalties de petróleo.
Em 26 de setembro de 2023, Holanda participou de uma audiência virtual do TCE-SP, marcada para as 10h.
A corte analisava se dois aditivos contratuais fechados entre a Prefeitura de Mauá (SP) e o escritório de advocacia haviam sido vantajosos para o município.
Holanda não era parte do processo, apenas o escritório.
O tribunal concedeu 15 minutos para Holanda fazer uma sustentação oral – direito de manifestação do advogado.
À corte, Holanda defendeu a legalidade dos honorários e explicou como é o trabalho do escritório na esfera judicial.
“A responsabilidade é nossa de atuar em favor do município. Isso é até o final do processo, trânsito em julgado”, explicou. “Se o processo durar cinco, seis, sete, dez anos, nós estaremos lá atuando.”
A transmissão da sessão mostrou parte da sala dele na Telebras, com um armário ao fundo e um quadro na parede, com a frase “o satélite brasileiro vai levar banda larga para todo o território nacional”. A estatal e o Ministério da Defesa controlam o SGDC (Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas).
Advogados veem irregularidades
Você não pode usar a estrutura do poder público para defesas particulares.
Marcelo Figueiredo, advogado e professor da PUC-SP
As atividades precisam ser segregadas. A estrutura pública tem que ser dedicada para a atividade pública. Imiscuir a atividade pública com a privada e ainda utilizar a estrutura, você está efetivamente num desvio de atividade.
Edgard Leite, advogado especialista em Direito Administrativo
Leite explicou que a Lei da Improbidade Administrativa proíbe o uso de bens e serviços públicos em benefício particular.
Escritório mudou sócios
Até entrar no governo, Edson Holanda liderava o Holanda Sociedade de Advogados, com sede em Brasília.
Em 2023, quando foi contratado pelo Ministério de Minas e Energia, o escritório mudou de nome e passou a ser controlado por dois colegas que trabalhavam com ele.
Com novos sócios e nome, o escritório está registrado no mesmo endereço onde também funciona um instituto aberto por Edson Holanda em abril do ano passado.
Gerente também atuou para escritório neste ano
Sete meses depois da audiência do TCE, Holanda participou de outro julgamento virtual para tratar do mesmo caso. Desta vez, em um ambiente diferente da sala da Telebras.
“Holanda Sociedade de Advogados será representada por Edson Victor Eugênio de Holanda”, anunciou a Segunda Câmara, referindo-se ao nome anterior da banca.
“Nosso caso de Mauá foi precursor no estado de São Paulo”, explicou em 26 de abril.
“[O município de] Paulínia, que tem uma semelhança fática com a cidade de Mauá, viu o nosso processo judicial. À época, decidiu não nos contratar, mas aforaram uma ação aqui em Brasília.”
Em 28 de maio, Holanda pediu para falar novamente. O TCE-SP negou, pois o advogado já havia se manifestado. A corte julgou regulares os aditivos contratuais.
A Prefeitura de Mauá pagou R$ 7,6 milhões ao escritório entre dezembro de 2020 e julho deste ano, segundo informado pelo município ao TCE-SP — média de R$ 172 mil mensais.
O salário bruto do gerente, na estatal, é de R$ 30 mil. A jornada é de 40 horas semanais.
No Jurídico da Telebras, Holanda tem como atribuições trabalhar em processos judiciais e administrativos; dar consultoria em procedimentos internos e celebrar acordos.
Se for trabalhar na Anatel, o advogado ganhará R$ 18 mil por mês.
Vaga na Anatel está aberta há quase um ano
Fundada em 1997, a Anatel fiscaliza as telecomunicações do país. A vaga na diretoria para um mandato de cinco anos está aberta desde novembro de 2023.
Juscelino Filho mencionou a indicação para a vaga em abril, segundo registrou o site Teletime, especializado na cobertura do setor. “Por mim estaria resolvido, mas a gente só vai fazer indicação de nomes quando houver sinalização [do Senado e do governo].”
O Ministério das Comunicações afirmou ao UOL que, por lei, “os membros do conselho diretor das agências reguladoras são indicados e nomeados pela Presidência da República, após aprovação pelo Senado”.
Formalmente, os nomes são encaminhados à Casa Legislativa pelo Planalto. Na prática, o governo recebe indicações de aliados e auxiliares para decidir o nome que vai enviar ao Senado.
O Ministério da Casa Civil informou que não se manifesta sobre vagas em andamento.
O que diz o gerente da Telebras
Edson Holanda declarou que, mesmo não sendo parte no processo como pessoa física, poderia recair sobre ele “uma responsabilidade solidária”.
A reportagem questionou Holanda se o TCE não precisaria incluí-lo formalmente no processo para que ele tivesse direito ao contraditório e à ampla defesa como pessoa física.
O advogado afirmou que não, pois “já está incluído de acordo com regimento dos tribunais de contas”.
“Trata-se apenas de responsabilização solidária, algo comum nos tribunais de contas estaduais e no Tribunal de Contas da União”, afirmou.
A reportagem questionou o Tribunal de Contas paulista se a corte pune sócios de empresas e de escritórios de advocacia que não integram formalmente um processo. O TCE afirmou que a sanção é “sempre” direcionada à pessoa jurídica.
Para alcançar a pessoa física, afirmou, “é preciso comprovar o abuso da personalidade jurídica”. Segundo a corte, os tribunais de contas precisam “verificar a existência de prova inequívoca desse desvio de finalidade ou abuso de direito da pessoa jurídica”.
“Depois disso, observar o contraditório e a ampla defesa, para não responsabilizar injustamente um eventual sócio que não tenha relação com o ilícito”, registrou.
Edson Holanda também afirma ter sido o gestor do contrato firmado entre o escritório de advocacia e a prefeitura de Mauá.
Segundo o TCE, gestor de contrato “é um servidor expressamente nominado pela administração pública para assumir essa função”. O advogado não era servidor na ocasião.