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03/04/2022Lei torna crime abuso institucional de vítimas e testemunhas
Especialistas são céticos sobre efetividade da norma, que entrou em vigor nesta sexta-feira
Por Bárbara Pombo — São Paulo
01/04/2022 14h41 Atualizado há 2 dia
Agentes públicos poderão ser punidos criminalmente se submeterem a vítima de infração penal ou a testemunha de crimes violentos a procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos, sem estrita necessidade. Entrou em vigor, nesta sexta-feira (1º), a Lei nº 14.321, que estabelece o crime de violência institucional.
A norma se aplica a qualquer agente público, que inclui integrantes do Judiciário, Legislativo e Executivo, além do Ministério Público. Adiciona um artigo na Lei de Abuso de Autoridade (nº 13.869, de 2019).
A pena é de detenção de três meses a um ano, além de multa, para o servidor que fizer a vítima reviver, de forma desnecessária, situação de violência ou outras potencialmente geradoras de sofrimento ou estigmatização.
1 de 1 mulher mão violência estupro — Foto: Folhapress
A sanção pode ser aumentada se o agente público intimidar a vítima de crimes violentos ou permitir que terceiros o façam, “gerando indevida revitimização”.
Caso Mariana Ferrer
Trata-se de uma resposta ao caso da influenciadora e promotora de eventos Mariana Ferrer, que acusava o empresário André de Camargo Aranha de estupro. Ele foi absolvido pela primeira e segunda instâncias da Justiça de Santa Catarina.
No fim de 2020, foram divulgados trechos da audiência em que Mariana prestou depoimento. Entre outras agressões verbais, o advogado do réu mostrou cópias de fotos da jovem dizendo que ela estava em “posições ginecológicas”.
No vídeo, o juiz do processo não interrompeu ou repreendeu a fala do advogado. Diz apenas que poderia fazer uma pausa caso Mariana, que estava chorando, quisesse se recompor. Ele pediu para o advogado manter um “bom nível”.
“Excelentíssimo, eu estou implorando por respeito, nem os acusados são tratados do jeito que estou sendo tratada. Pelo amor de Deus, gente! O que é isso?”, disse Mariana após os ataques.
Repercussões
Um ponto crítico da lei é a pena imposta — “tímida” e “simbólica”, na visão da promotora Celeste Leite dos Santos, gestora do projeto de Acolhimento de Vítimas, Análise e Resolução de Conflitos (Avarc) do Ministério Público de São Paulo. “Sem a capacitação de agentes públicos em escuta empática e outros temas acredito que terá pouca ou nenhuma eficácia”, afirma, acrescentando que é preciso investir em políticas públicas de prevenção.
Ainda de acordo com a promotora, há um projeto de lei em discussão no Congresso (nº 3890, de 2020) que estabelece o Estatuto da Vítima. Entre outros pontos, veda a repetição de depoimentos. “Com os recursos tecnológicos que temos não tem sentido a repetição na fase judicial para tão somente reiterar o que foi dito antes. Precisamos superar a lógica de que o trabalho executado extrajudicialmente não possui valor se não repetido em juízo”, diz.
De acordo com o advogado Matheus Herren Falivene, mestre em direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), a lei faz parte de um movimento legislativo voltado a dar maior relevância ao papel da vítima no processo penal. E é voltada a coibir constrangimentos ou estigmatizações desnecessárias, principalmente nos crimes contra a dignidade sexual.
O criminalista pondera, contudo, que se trata de uma manifestação do chamado “direito penal simbólico”, uma vez que a lei será de difícil aplicação prática. “Assim como os demais crimes da Lei de Abuso de Autoridade, demanda a comprovação da finalidade de prejudicar outra pessoa ou de beneficiar a si mesmo ou a terceiro. Ou, ainda, de ter sido cometido o crime por capricho ou satisfação, elementos que são muito difíceis de serem demonstrados na prática”, afirma.