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20/01/202317 de janeiro de 2023, 15h30
A maioria dos votos (seis contra dois), no Supremo Tribunal Federal (STF), no sentido de declarar a invalidez do decreto do presidente Fernando Henrique Cardoso que cancelou a adesão do Brasil à Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) é juridicamente coerente com a Constituição Federal e portanto a Convenção está em vigor.
Afinal, o presidente do Poder Executivo não pode desautorizar uma decisão do Congresso Nacional que optou por aderir à convenção. Não consta de suas competências, previstas na Constituição, tanto poder. No entanto, ainda que se mantenha momentaneamente a adesão do país à convenção, nada acontecerá de imediato e, provavelmente, nada acontecerá no futuro, o que não justifica o terrorismo que vem se alastrando sobre quebra de empresas e demissões de trabalhadores.
Esclareça-se que essa convenção é de 1982 e não foi aprovada sequer por 20% dos mais de 180 Estados-membros da própria OIT.
A medida prevista na convenção e tão temida pelo empresariado está no seu artigo 4º, no qual está dito que “Um trabalhador não deverá ser despedido sem que exista um motivo válido de despedimento relacionado com a aptidão ou com o comportamento do trabalhador, ou baseado nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço”. Isso é particularmente temido no Brasil, onde há uma Justiça do Trabalho superdimensionada e protetiva, aplicando a lei levando em consideração a hipossuficiência do trabalhador, o que em parte já atende aos objetivos pretendidos pela convenção referida.
Quanto à demissão de funcionário, difícil encontrar quem o faça sem ter motivo, gratuitamente. Afinal, se a empresa tem motivo para contratar, também o tem quando demite. O problema maior é a “justificativa”, que, porém, não se confunde com justa causa.
Em algumas empresas, a política de explicar o desligamento e dar apoio ao demitido é rotina há décadas, uma questão humanitária, perfeitamente admissível, especialmente na gestão com base em princípios ESG, tão na moda. Mas explicar ao trabalhador sua demissão, respeitando sua dignidade, sua dor, sua autoestima, procurando orientá-lo, assisti-lo na procura de outro emprego é uma coisa. Responder um processo, explicar a um magistrado trabalhista, que então poderá optar por julgar se a justificativa está correta é outra muito diferente.
As questões econômicas são as mais comuns nas demissões, mas há também as de frustração de expectativas de produtividade, inovações na atividade, no produto ou no mercado, dificuldades de relacionamento, planos empresariais frustrados, avanço da concorrência, perda de clientes; imagine-se tudo isso discutido no interior de um processo.
Ter que discutir a demissão na Justiça do Trabalho, qualquer que seja o motivo, implica em risco de condenação. Haverá ações coletivas para discutir demissões em massa (onde a convenção, na prática, já vigora, a empresa tem que dar explicações) e provavelmente centenas de milhares de reclamações individuais; será um motivo a mais para o empresário, especialmente os pequenos, pensar duas vezes antes de contratar, mais um motivo a multiplicar o já exacerbado número de reclamações trabalhistas.
Esclareça-se ainda que o STF, atacado ideologicamente sob qualquer pretexto, recentemente violentado por uma turba violenta de golpistas que o invadiram, nada mais faz do que cumprir obrigação: decidir causa que lhe é submetida (ação declaratória de inconstitucionalidade do decreto de FHC para dizer se este tinha poder de denunciar a Convenção ou se essa denúncia, retirar o país da mesma, tem que ser por iniciativa ou com homologação do decreto pelo Congresso).
Esclareça-se, outrossim, para evitar más intenções e ideologização extremada e primária, que a discussão da convenção no momento não se deve à iniciativa deste ou do anterior governo do país, como corre nas mídias sociais, mas à decisão sadia e recente do próprio STF que proíbe ministros de pedir vistas e ficar indevidamente com o processo em suas gavetas por mais de 90 dias. Se essa norma vigorasse antes, não estaríamos discutindo, tanto tempo depois, a validade de uma convenção de 1982 em uma ação que tem 25 anos e que conta com votos de alguns ministros que já estão falecidos, além do fato de que a realidade do país é outra.
Em vez de reclamar, os empresários poderiam, nestes 25 anos, ter tomado diversas providências: propor ao próprio Congresso a iniciativa de revogar a adesão, ou a homologação do decreto de FHC, ou ainda regulamentação da Convenção, vedando a interpretação pela Justiça do Trabalho da justificativa dada pela empresa, inclusive com fundamento em princípios constitucionais como o da livre iniciativa e o da liberdade econômica.
O temor, tendo em vista a cultura prevalente na Justiça do Trabalho é justificável. Os magistrados dessa justiça especializada, sem as providências supra referidas, certamente assumirão o poder de discutir a justificativa dada pelo empregador. Dá para imaginar o juiz nomeando peritos para ver se a empresa está mesmo em dificuldades econômicas no presente ou se a previsão que estará no futuro, conforme cálculos feitos pelo empresário a partir de sinalizações do mercado ou opiniões de colegas estão corretos, ou se a produtividade do trabalhador está adequada (deixando de lado, é claro, as expectativas da empresa), se o relacionamento dele com colegas é adequado etc. A confusão e os custos astronômicos que isso irá gerar, além de a empresa ter que ficar abrindo livros e planos presentes e futuros, técnicas, inovações, muitas cujo sucesso depende de sigilo, e sabe-se lá quantos peritos indicados por juízes e reclamantes.
Entendemos que há tempo para essa intervenção do empresariado, uma vez que a convenção não é autoaplicável (o que também deve tranquilizar os mais apreensivos), conforme já entendeu o STF ao decidir medida cautelar contra sua aplicação logo que foi aprovada, antes do decreto de FHC. Ou seja, mesmo com sua aprovação, ela deverá ser regulamentada antes de aplicada. Esse entendimento é reforçado inclusive pelo artigo 10 desse diploma legal, no qual está dito que se o trabalhador demitido não puder retornar à empresa, ele deve ser indenizado conforme a legislação do país: “Se os organismos mencionados no artigo 8º da presente Convenção considerarem o despedimento injustificado e se, de acordo com a legislação e a prática nacionais, não puderem ou não considerarem viável anular o despedimento e ou ordenar ou propor a reintegração do trabalhador, ficarão habilitados a ordenar o pagamento de uma indenização adequada ou qualquer outra forma de reparação que se considere apropriada”.
Ora, evidente que isso exige regulamentação, nossa Carta Magna alça a livre iniciativa, ou seja o poder do empresário na direção da empresa a princípio constitucional, é dele a iniciativa e o ônus e responsabilidade de abrir e gerir a empresa, portanto, não se pode impor que reintegre trabalhador demitido com o qual tem dificuldade de trabalhar ou que sequer pode pagar. Outrossim se pode argumentar que o trabalhador demitido sem justa causa já tem benefício previsto nesse tipo de demissão: a multa sobre o FGTS. Há ainda outras garantias legais como o aviso prévio, levantamento do FGTS, o seguro-desemprego pago pelo governo federal mas com recursos de tributos. Isto nem sempre é significativo, sabemos que o trabalhador brasileiro é mal remunerado, que a destruição de renda é uma catástrofe, uma crueldade, que apenas os que conseguem registro em carteira têm um mínimo de proteção, mas não é isso que se discute e sim interpretação de uma convenção.
Um outro argumento contrário a aplicação imediata da convenção é que a legislação brasileira já diz quem tem direito à estabilidade: gestantes, dirigentes sindicais etc. são exceções.
O empresariado ainda pode propor as medidas acima, pode desde já buscara modulação que lhe interessa por parte do STF, mostrando as repercussões negativas de pôr em vigor a convenção, até mesmo para a própria Justiça do Trabalho e para o Brasil todo: milhões de novos processos, bilhões de custos orçamentários de um país fragilizado economicamente, some-se os de advogados, peritos.
Pode e deve discutir com o governo federal, com as centrais sindicais, com a sociedade, a busca de soluções que impeçam reflexos negativos da previsão convencional na geração dos tão necessários empregos, no estímulo a novos investimentos, na expansão das pequenas empresas. Pode discutir e propor medidas alternativas pelas quais gradualmente se caminhe para que o trabalhador tenha mais segurança no emprego e melhor remuneração. No momento, em vez de criar dificuldades e encarecer o emprego, deve-se estimular sua geração e a dinamização da economia.