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03/06/2012Após assistir a uma partida de futebol entre Cruzeiro e Goiás, o advogado Cléscio César Galvão foi vítima de um arrastão em frente ao estádio do Mineirão. Agredido por assaltantes, Galvão ajuizou uma ação contra o Cruzeiro Esporte Clube, mandante do jogo, e receberá cerca de R$ 7 mil de indenização por danos morais e materiais. Assim como o advogado, torcedores têm entrado na Justiça após sofrerem agressões ou acidentes em estádios de futebol. Nesses julgamentos, a responsabilidade tem recaído sobre os clubes.
Galvão, que advogou em causa própria após o arrastão, afirma que se baseou na Lei nº 10.671, de 2003, o Estatuto do Torcedor, para alegar que a responsabilidade pelo que ocorreu é do Cruzeiro, mesmo que o Mineirão pertença ao Estado de Minas Gerais. O artigo nº 14 da norma estabelece que o time mandante do jogo deve garantir a organização e a segurança dos espectadores no evento. A ação tramitou na 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG).
Em maio, a 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) responsabilizou o São Paulo Futebol Clube e a Federação Paulista de Futebol (FPF) no caso de um torcedor que caiu de uma rampa dentro do Morumbi. Ambos deverão indenizar o autor da ação em 120 salários mínimos por danos morais e pagar uma pensão mensal de aproximadamente R$ 940, acrescida de juros.
De acordo com o processo, o torcedor corintiano foi assistir, em 1993, a um jogo entre São Paulo e Corinthians. Antes do início da partida, entretanto, houve um tumulto, que conforme o advogado que representa o torcedor, Rodrigo Setaro, do Moreau & Balera Advogados, foi causado pelo fechamento dos portões de acesso ao estádio pela Polícia Militar. O torcedor, que estava em uma rampa, caiu de uma altura de quatro metros. Segundo Setaro, a queda causou incapacidade para o exercício da profissão de pintor de parede.
O processo, cuja decisão foi desfavorável ao torcedor na 6ª Vara Cível de São Paulo em 2000, foi revertido em segunda instância. Os desembargadores, entretanto, julgaram que o estádio não estava superlotado e não havia irregularidade na construção. “Na ação não ficou caracterizada a culpa do clube, mas a Corte entendeu que os réus são fornecedores de serviço e deveriam arcar com os riscos do negócio”, diz o advogado Jean Nicolau, do Mascaro Nascimento Advocacia Trabalhista.
Nicolau diz que até 2003, ano em que o Estatuto do Torcedor foi aprovado, havia diferentes interpretações na Justiça sobre a relação entre o espectador e a entidade que realiza um evento esportivo. “O Estatuto consolidou o entendimento de que o torcedor pode ser equiparado ao consumidor”, afirma.
A mesma Câmara que analisou a ação movida pelo torcedor corintiano determinou que o Santos Futebol Clube e a FPF paguem indenização de cerca de R$ 96 mil a um torcedor atingido por uma bomba caseira dentro do estádio Vila Belmiro, que pertence ao Santos. O valor seria para reparar os danos estéticos e morais, pois o autor da ação teve que realizar uma cirurgia plástica após o evento.
Em outra ação, o Atlético Paranaense foi condenado a pagar R$ 3 mil por danos morais a um torcedor atingido por uma placa publicitária no estádio do time, a Arena da Baixada. De acordo com a assessoria do clube, fortes chuvas fizeram com que o anúncio caísse, atingindo o espectador. O Atlético informou que não é parte em nenhuma outra ação movida por torcedores. O processo foi julgado em 2011 pela 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Paraná.
Em sentido contrário, a 4ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP negou pedido de indenização de um torcedor do São Caetano atingido por uma pedra dentro de um ônibus fretado pelo time. Segundo o processo, o veículo se dirigia ao estádio quando um torcedor do time rival, Santo André, atirou a pedra. A vítima precisou realizar uma cirurgia plástica e tratamento odontológico para reparar os danos sofridos. Por meio de sua assessoria de imprensa, o São Caetano informou que o incidente não está relacionado ao clube, pois aconteceu fora do estádio.
Na decisão proferida pelo TJ-SP não é citado o Estatuto do Torcedor ou Código de Defesa do Consumidor. Os desembargadores entenderam que o evento foi um caso fortuito, e nessa situação a responsabilidade, de acordo como artigo nº 743 do Código Civil, não é do transportador.
Para o advogado Paulo Valed Perry Filho, do Siqueira Castro Advogados, o evento se encaixa nas situações previstas pelo Estatuto do Torcedor, ainda pouco conhecido da população. Ele diz que muitos advogados preferem se apoiar em outras normas, menos específicas, para embasar suas defesas. “O Estatuto passeia por áreas do direito que já estão previstas por outras normas, como o Código Civil e do consumidor. Por isso, considero que ele pode estar caminhando para o rol de leis que não vão pegar”, afirma.
Procurados pelo Valor, Cruzeiro, Atlético Paranaense, São Paulo e Santos não deram retorno até o fechamento da edição.