Obrigação de Compliance no Poder Público
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05/07/2018Jurisite
A profissão médica possui inúmeros pontos de vulnerabilidade, eventualmente ensejadores de responsabilização criminal de envolvidos. Temos os inerentes à profissão, por seu caráter de ciência inexata. E aqueles derivados de comportamentos enraizados entre seus praticantes. É sobre estas últimas que o compliance se foca para a implantação de práticas que permitam o aprimoramento da identificação das ocorrências mais comuns e criação de mecanismos de controle. Implantadas e submetidas a manejo permanente, tais medidas demonstram dupla finalidade, ao permitir a proteção tanto do profissional quanto do paciente.
Assim, a aplicação do compliance na profissão médica pode municiar o profissional para que esteja apto a melhor sustentar a correição de sua atuação, servindo de apoio à sua defesa em quaisquer questionamentos. Isso é relevante porque os erros médicos inserem-se num contexto dinâmico, ocorrendo, principalmente, devido a falhas multifatoriais.
O uso desse instrumento enfrenta dificuldades, inclusive para ser compreendido. Apesar de ser comum a aplicação dos programas de compliance em organizações empresariais, entende-se que os procedimentos de controle de uso regular nas instituições de saúde sejam suficientes para lidar com os frequentes problemas decorrentes de acusações de imperícia, imprudência e negligência na atividade médica. Não são. E por simples razão. A mentalidade norteadora dessas práticas visa, com raras exceções, a proteção do procedimento hospitalar frente a fiscalizações diversas. Ou seja, é um sistema de proteção norteado pela burocracia profissional da atividade. O uso do compliance por pessoas físicas, especialmente inseridas em organizações de saúde, tem outro e maior propósito.
Numa sociedade inflamada pelo espírito de litígios judiciais, indivíduos de profissões como as da área médica adquirem cada vez mais consciência para a necessidade de bloquear efeitos negativos relacionados à imagem diante de suspeitas no descumprimento de normas e princípios morais. Querem evitar o risco da aplicação de sanções correspondentes às normas violadas, como medidas disciplinares, perda de cargo, cominação de multas e, em casos extremos, até a perda de liberdade. Afinal, muitas das condutas que o compliance visa coibir se confundem com ilícitos penais.
Muito importante chamar atenção para um falso senso comum sobre a intenção das práticas de compliance. Ao contrário do que se entende, o compliance existe para proteger a empresa, tão somente, e responsabilizar quem a descumprir. Os funcionários, sobretudo. Portanto, o uso desse instrumento pela ótica de interesse do profissional não está contemplado nos três níveis de alvos vislumbrados pela norma: de quem deve seguir, dos responsáveis por fiscalizar sua prática, e daqueles que têm a obrigação de saber o que os dois grupos anteriores estão fazendo.
Por mais que tais instrumentos tenham sido criados para regular a responsabilização da pessoa jurídica, na prática, o compliance tem foco punitivo sobre os indivíduos, por visar a regulação de suas condutas e estabelecer limitações na divisão de responsabilidade por fatos ocorridos. Preservando a empresa e, acima de tudo, órgãos públicos.
Dessa forma, a aplicação direta do compliance por pessoas deve levar em consideração a criação de normas e regras para uso rotineiro em razão de sua atividade profissional, e não por pertencerem a uma organização especifica. A medida, somada às regras de conduta de hospitais ou clínicas médicas, gera, por tabela, o fortalecimento da proteção da pessoa e da organização.
Estudo acadêmico sobre direito médico preventivo demonstrou a viabilidade da adoção desta ferramenta. Não existem altos custos ligados às medidas propostas, inexistindo, ainda, incompatibilidade entre as normas de compliance e as diretrizes éticas e profissionais dos médicos, de forma que afigura praticável a criação, implementação e uso das técnicas de compliance para os profissionais médicos e de saúde em geral.
Por fim, a utilidade desse instrumento deve ser refletida no contexto de facilidade de acesso do paciente a mecanismos que colocam em movimento a máquina punitiva estatal.
Confeccionado por Ana Paula Souza Cury, sócia-fundadora de CGRC Advogados, mestranda em Direito Médico pela Universidade de Edimburgo e integrante da Comissão de Direito Médico da OAB/SP e da Sociedade Brasileira de Bioética e Maria Luiza Gorga, sócia-fundadora de CGRC Advogados, doutoranda em Direito Penal pela Universidade São Paulo e integrante da Comissão de Direito Médico da OAB/SP
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