TSE nega direito de resposta a Bolsonaro contra reportagem com ex-mulher na Veja
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30/10/2018O Globo – 25/10/2018
Por 4 a 3, ministros negaram pedido contra matéria da ‘Veja’ que trazia acusações da ex-mulher do candidato
Amanda Almeida
BRASÍLIA — O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) negou, na manhã desta quinta-feira, um direito de resposta pedido pelo presidenciávelJair Bolsonaro (PSL) em relação à reportagem da revista “Veja”sobre acusações da ex-mulher do capitão da reserva no processo dedivórcio. O placar do julgamento foi apertado: 4 a 3. Embora a maioria tenha sustentado a posição contrária ao pedido do candidato om base na defesa da liberdade de imprensa, parte dos ministros entendeu que, internado, Bolsonaro precisava de mais tempo para responder à publicação.
Em outra decisão, também na manhã desta quinta, o tribunal determinou que o Google e o Facebook removam da internet vídeo em que o candidato disse que a possibilidade de perder a eleição “na fraude” é “concreta”.
Sobre a reportagem da “Veja”, a defesa de Bolsonaro alegou que as informações publicadas pela revista fazem parte de um processo sigiloso, já arquivado. De acordo com a reportagem, no processo de separação, Ana Cristina Valle acusou Bolsonaro de ocultar milhões em patrimônio, furtar joias e valores de um cofre mantido por ela no Banco do Brasil e agir com “desmedida agressividade” no relacionamento. Mãe de um dos filhos do capitão da reserva, ela foi procurada pela revista e disse que “quando você está magoado, fala coisas que não deveria”. Já Bolsonaro não se pronunciou.
Aos ministros do TSE, uma das advogadas da campanha de Bolsonaro, Karina Kufa, alegou que se trata de um processo sigiloso e que já há sindicância aberta pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) para apurar o vazamento da informação. Para ela, houve “motivada razão eleitoral em trazer informações parciais de um processo de família sigiloso”. Ela disse que não a campanha não busca a censura à imprensa, mas a “responsabilidade”.
Para o relator da ação, ministro Carlos Horbach, a reportagem limita-se a “descrever” o conteúdo do processo judicial.
— Quando um veículo de comunicação narra, a partir de acusação de terceiros, conduta desabonadora de uma pessoa pública, deve buscar sua versão divulgando-a como contraponto. Entretanto, se o candidato opta por não se defender e por não participar dessa narrativa, não pode, a meu ver, posteriormente, buscar corrigir essa mesma narrativa, por meio de uma intervenção da Justiça eleitoral, sob pena de se usar o direito de resposta como instrumento de potencialização e valorização de uma versão em detrimento da outra. Me parece que há uma tentativa de reforçar uma versão, vitaminar uma versão, fazendo com que ela venha a público chancelada por um provimento jurisdicional, dessa Justiça eleitoral, quando no momento oportuno de contraposição de versões e ideiais, ele optou por permanecer silente — disse Horbach.
O ministro Edson Fachin pontuou que o debate sobre o vazamento de informações sobre um processo sigiloso não cabe à Justiça eleitoral.
— A questão atinente ao segredo de justiça poderão ser debatidas em outra seara. Aqui o universo é da proeminência da liberdade de informar, sob pena de, por vias atípicas, configurar forma de cerceamento. Nesse sentido, em havendo dano (de vazamento), o remédio que se dá é em outra seara. Fazer isso, neste momento, configuraria a rigor uma omissão, esta sim, de dever constitucional. Supomos que um veículo tivesse essa informação e não publicasse. (…) Não há dúvida alguma que há de prevalecer aquilo que tem proeminência na Constituição, que é a liberdade, e não a restrição — afirmou Fachin.
O ministro Alexandre de Moraes argumentou na mesma linha:
— O papel da imprensa, a liberdade de imprensa, a meu ver, não encontra limites sobre qual notícia é boa, ou ruim, se isso envolvia disputa de direito de família, societário, se foi dito em quatro paredes. Se o fato chega à imprensa, não se deve limitar o acesso do público a essas informações. Há a descrição de fatos, pouco importa a veracidade, a narrativa do fato, existiu: a ex-mulher disse — afirmou Moraes.
Os ministros OG Fernandes, Rosa Weber e Admar Gonzaga levaram em consideração o fato de Bolsonaro estar hospitalizado. Fernandes ainda questionou se, de fato, as informações deveriam vir a público. Relatou casos de outros países em que a vida privada de autoridades foi preservada.
— Eu já tive oportunidade aqui de valorizar a liberdade de expressão numa propaganda em que se apontava o mesmo candidato como autor de cenas agressivas. A minha colocação foi dizer que ‘isso que está aí não é verdade? Ele não fez? Não é público?’ Logo, é de interesse público. O que estamos a tratar é público? Não tenho nada contra a imprensa, desde convicções pessoais até o dever de obedecer a Constituição. Mas o que ocorre é que a liberdade de imprensa como um dos corolários da liberdade expressão embora possa não ter limites, há algumas ponderações que precisam ser feitas. Os fatos vieram no bojo de um momento em que o candidato estava totalmente fragilizado no hospital. Isso por si só demandaria um pouco mais de paciência com a resposta — argumentou Fernandes.
Gonzaga também destacou a hospitalização.
— Penso que a liberdade da informação é dirigida ao cidadão. Entendo, portanto com todas as vênias, que o fato de o atingido ser surpreendido por uma matéria que lhe causa dor, que essas questões de família trazem dor à pessoa, tanto por isso que são assuntos reservados, segundo a própria lei. (…) O candidato, que estava sofrendo além da dor física, se recuperando de agressão que lhe traz instabilidade física e psicológica, qualquer um que sofre atentado desse nível tem uma instabilidade, não está, com todo respeito, em condições de atender no momento que o veiculo estabelece — disse.
Bolsonaro foi esfaqueado em 6 de setembro, em Juiz de Fora (MG), e ficou internado até o dia 29. A reportagem foi publicada um dia antes, em 28 de setembro.
Em nota, o advogado que representou a “Veja” na ação, Alexandre Fidalgo, disse que “a decisão da Corte Eleitoral está absolutamente coerente com o Estado Democrático de Direito”. “Deve ser sempre assegurado ao eleitor, o direito de receber informações a respeito do perfil e comportamento dos candidatos. Diferentemente da obra ficcional de Franz Kafka, no caso houve efetivo e real processo, tendo Veja publicado informações verdadeiras e de forma narrativa, no exercício pleno da liberdade jornalística”, disse.