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21/12/2018Folha de S. Paulo - 19.dez.2018
Assembleia aprova direito de doente a recusar tratamento
Proposta aprovada no Legislativo de SP depende de sanção do governador
A Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou projeto de lei que trata da liberdade de escolha de tratamentos na reta final da vida. Em última instância, o doente poderá recusar terapias que só vão lhe causar sofrimento.
O PL 231/2018, de autoria do deputado Carlos Neder (PT), se aplica a pacientes dos serviços públicos e privados e depende da sanção do governador Marcio França (PSB) para se tornar lei estadual.
O assunto é polêmico. Do ponto de vista jurídico, questiona-se se o tema não teria que ser regulado necessariamente por uma lei federal.
Para o advogado José Luiz Toro da Silva, especialista em direito da saúde, a matéria diz respeito a questões de vida e morte e é da esfera do direito civil. Portanto, precisa de aval do Congresso Nacional.
“É um projeto arrojado, louvável, que trata de questões urgentes, mas não é competência do Estado legislar sobre isso. Há implicações civis e criminais”, afirma.
A advogada Lenir Santos, especializada em gestão e direito público e que deu assessoria jurídica ao projeto, discorda. Na sua opinião, o projeto legisla sobre saúde, sobre o direito do paciente à preservação da sua dignidade.
“Não pode ser considerada uma matéria de direito civil. Se assim fosse, não poderia haver a lei paulista 10.241, de 1999 [conhecida como Lei Mário Covas, que trata do direito de pacientes terminais]. A competência de legislar sobre saúde é concorrente. A União faz normas gerais e o Estado edita normas complementares. Na ausência de normas da União, o Estado tem competência plena para legislar.”
Santos diz que quando for editada uma lei federal sobre o assunto, a estadual tem que estar em conformidade.
Atualmente, há um projeto de lei federal em tramitação, de autoria do senador Lasier Martins (PSD/RS), que trata sobre as diretivas antecipadas de vontade (mais conhecidas como testamento vital). Ou seja, o tema é o mesmo, só muda a nomenclatura. A proposta paulista fala de disposição prévia de vontade.
Para a advogada Luciana Dadalto, especialista em direito médico e dona do portal Testamento Vital, essa falta de diálogo entre os poderes é prejudicial para a sociedade.
“Precisamos, urgentemente, uniformizar as nomenclatura, colocar todos os atores envolvidos para dialogar. Precisamos, urgentemente, de lei federal sobre o tema, feita após um amplo debate social.”
Segundo ela, o projeto de lei paulista também trabalha com conceitos ultrapassados como o de que cuidados paliativos devem ser indicados em casos de pacientes terminais.
Hoje é reconhecido internacionalmente que esses cuidados devem ser iniciados no momento do diagnóstico de uma doença grave e incurável. Há estudos que demonstram, inclusive, que eles podem aumentar a sobrevida de pacientes com câncer, às vezes, até mais que certas quimioterapias agressivas, por exemplo.
Atualmente, a única orientação vigente é uma resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) de 2012 que reconhece o testamento vital, um documento no qual a pessoa pode declarar quais tratamentos quer ou não receber no final da vida.
Mas na prática ele é pouco usado nos hospitais. As instituições e os médicos alegam que, por falta de lei específica, há insegurança jurídica.
Eles temem ser processados por familiares do paciente que, muitas vezes, insistem para que se faça de tudo para salvar a vida do doente, mesmo quando não há mais possibilidade de sobrevida e o paciente não queira mais. E defendem que haja uma lei federal regulamentando isso.
Pacientes e familiares também reclamam de falta de preparo e informação das equipes médicas.
De acordo com o médico Clovis Constantino, professor e ética médica e bioética na Unisa (Universidade de Santo Amaro), a falta de legislação é um entrave, porém, o conhecimento entre os médicos sobre o testamento vital aumentou na última década.
“No geral, o Brasil ainda está muito tímido em relação a outros países. Em Portugal, o testamento vital pode ser acessado eletronicamente em qualquer parte do país”, diz.
Inspirado em legislações europeias, como da Espanha e da Itália, o projeto paulista avança nas regras de proteção à autonomia dos direitos do paciente, como o direito de o doente dispor previamente sobre suas escolhas em caso de doença terminal e perda da consciência, e das obrigações médicas, como a informação clínica.
Em comparação com a lei italiana, no entanto, a proposta paulista pode ser considerada, em alguns pontos, até um pouco tímida.
No país europeu, por exemplo, a legislação reconhece que a nutrição artificial e a hidratação artificial são consideradas tratamentos de saúde e, portanto, podem ser rejeitados pelo paciente.
No Brasil, isso não é permitido. Há casos de doentes terminais com tubos de nutrição artificial presos no nariz que, ao tentar arrancá-los, são contidos e amarrados na cama e tratados como “senis”.
Segundo o projeto paulista, a pessoa com uma doença terminal tem o direito de receber toda a informação necessária sobre seu diagnóstico, prognóstico e tratamento, adaptada às suas condições cognitivas e sensoriais.
Também pode recusar ou interromper intervenções e tratamentos propostos pelos profissionais de saúde que visem só prolongar sua vida por meio de tecnologias ou medicamentos, sem possibilidade de recuperação da sua saúde.
A proposta paulista também prevê que crianças e adolescentes devem receber informações médicas adaptadas à sua idade, maturidade, desenvolvimento intelectual e psicológico, além de tratamento médico e cuidados paliativos que ofereçam atendimento de forma individualizada.
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