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Karen Lemos e Bruno Costa
Portal Band
Na quarta-feira, 20, o Ministério da Educação (MEC) deu seu primeiro passo para interceder na educação do País ao criar uma comissão para avaliar as questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2019. A Pasta informou que o objetivo é “identificar abordagens controversas com teor ofensivo a segmentos e grupos sociais, símbolos, tradições e costumes nacionais”, mas não deu detalhes sobre os critérios que serão usados para essa análise.
A criação da comissão parte de um compromisso manifestado pelo ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, em sua posse. Na ocasião, Vélez disse que como líder da Pasta pretende acabar com o “marxismo cultural” e com a “ideologia de gênero” nas escolas brasileiras que, segundo ele, “fazem mal à saúde”.
Ambas as teorias também são encontradas em falas de outros ministros do governo e nas declarações do próprio presidente Jair Bolsonaro. O conceito de “marxismo cultural” seria uma suposta “interferência” da esquerda em áreas influentes como na imprensa, nas escolas e até no mundo do entretenimento. Já a “ideologia de gênero” é um termo pejorativo para criticar a ideia de que os gêneros são moldados pela estrutural social na qual estão inseridos.
Especialistas da área de educação, entretanto, dizem desconhecer tais interferências ideológicas dentro das escolas do Brasil e ressaltam que há problemas mais urgentes na área, que deveriam estar no cerne de preocupação do MEC.
“O Brasil avançou nos últimos anos com uma política importante que foi a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Esse documento garante e estabelece as aprendizagens e competências que precisamos desenvolver nos alunos durante o período escolar. Ali não tem nenhuma questão ideológica e de ideologização dos alunos”, explica ao Portal da Band Gabriel Corrêa, gerente de políticas educacionais do Todos Pela Educação, ONG composta por diversos setores da sociedade com o objetivo de assegurar o direito à educação básica no País.
“Eu acho que o necessário é focar na questão da aprendizagem, olhar para a formação de professores e melhorar os materiais didáticos para que o conteúdo da BNCC possa, de fato, chegar às escolas”, acrescenta. “O caminho não é mirar em temas que não há pesquisas que apontem qualquer melhora na qualidade e condição do ensino.”
Para Gabriel Corrêa, essa “preocupação ideológica” do MEC desvia o foco dos reais problemas da educação no Brasil. “Nosso País tem um grande problema de aprendizagem, e qualquer discussão que não seja a de melhorar a qualidade do ensino acaba desviando o foco do que é realmente importante. Por isso, é preciso que o governo apresente logo o diagnóstico sobre educação básica e apresente o que é realmente uma prioridade para a educação.”
O Portal da Band entrou em contato com o Ministério da Educação para comentar o assunto e aguarda o posicionamento da Pasta.
Mudanças são burocráticas e precisam ser bem pensadas
O caminho para melhorar a educação é complexo. Todo conteúdo programático está em legislação e portarias. Mudanças nesse sentido são burocráticas, têm um custo, precisam de apoio do Congresso e, por isso, devem ser bem pensadas, na opinião dos especialistas.
“O governo atual pode interferir [no ensino] através de campanhas educacionais ou mudanças da base curricular, por exemplo, mas tudo isso envolve dinheiro e, portanto, precisa passar pelo Congresso”, observa Ana Paula Siqueira Lazzareschi de Mesquita, especialista em direito digital educacional e sócia de SLM Advogados. “O Executivo não fará isso sozinho. O Estado brasileiro é dividido em três Poderes. Quando [o ex-presidente] Michel Temer propôs a reforma do Ensino Médio [em 2017], ele precisou do Congresso.”
Siqueira lembra ainda que a Pasta é uma das que mais recebem verba do governo (R$ 116,76 bilhões, segundo o Portal da Transparência) e, do ponto de vista político, é tida como estratégica. “Como proteção, há um teto de gastos, chamado Plano Plurianual (PPA), para que não ocorra despesas exacerbadas”, explica à reportagem. “Qualquer alteração que precise de verba, não é tão simples de acontecer, então precisa ser bem planejado.”
A especialista ressalta que o conteúdo programático, estabelecido nas bases curriculares, precisa ser seguido pelas escolas brasileiras; por isso, na visão dos especialistas, todo o cuidado é pouco com esse material.
A abordagem pedagógica fica a cargo dos professores, mas há ferramentas de fiscalização, das próprias escolas (políticas de compliance escolar, por exemplo) para avaliar o trabalho do corpo docente; ainda assim, ela diz desconhecer denúncias de ”teor ideológico” que o MEC vem citando nos últimos meses.
“O educador inteligente não está preocupado com ‘doutrinação marxista’, ele está preocupado com sua estrutura de trabalho. Tem merenda, tem uniforme, tem material para os alunos? Tem papel higiênico, tem impressora, tem salário para pagar o professor? O educador está focado em coisas que ele efetivamente precisa para ensinar, e isso é independente de pensamento filosófico.”
Ana Paula Siqueira ressalta ainda que, diante dessas e outras dificuldades que as escolas do Brasil enfrentam, há diretrizes que mal são seguidas pelas instituições de ensino justamente porque muitas delas ainda estão lutando pelo básico. “Cito como exemplo as diretrizes que obrigam escolas a combater o bullying. Desde o ano passado, as instituições de ensino precisam levar esse debate para as salas de aula e isso não acontece”.
Polêmicas e exonerações
Desde o início do governo Bolsonaro, o MEC esteve envolvido em diversas polêmicas protagonizadas por membros, novos nomeados e até pelo ministro Vélez Rodríguez.
No dia seguinte à posse, um edital publicado alterou o Programa Nacional do Livro Didático, para permitir publicidade em obras didáticas e flexibilizar os erros e revisões bibliográficas. A decisão repercutiu de forma negativa entre profissionais da área e o órgão recuou.
Em fevereiro, Vélez distribuiu uma mensagem oficial pelas redes de ensino do País orientando diretores a lerem uma carta do governo com o slogan oficial, pedindo para que os educadores filmassem os alunos durante a execução do hino nacional. O posicionamento do MEC também tomou os noticiários e se tornou alvo de discussão por entidades e profissionais no País inteiro. O ministro, então, decidiu “reconhecer o equívoco” e voltou atrás na decisão.
Outra polêmica, que desencadeou em exonerações no Ministério da Educação, envolveu o escritor Olavo de Carvalho, que tem forte ligação com o presidente Jair Bolsonaro. Chefes de gabinete, secretários e assessores especiais orientados por Carvalho acabaram perdendo cargos na Pasta após uma rixa interna.
Um dos demitidos foi o diretor de programa da Secretaria Executiva do MEC, coronel-aviador da reserva Ricardo Wagner Roquetti. O assessor especial Silvio Grimaldo também foi exonerado. Nas redes sociais, Grimaldo afirmou que as demissões se deram porque o grupo de olavistas “incomodava” o ministro Rodriguéz por cobrar um alinhamento mais forte com os pensamentos do escritor.
No último sábado, 23, uma ordem do Palácio do Planalto vetou o ministro de nomear novos profissionais dentro do MEC, o que foi entendido como um sinal de desgaste para a imagem de Vélez Rodríguez.
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