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Congresso na Dom Helder Escola de Direito reúne oito conferencistas para debater o tema na próxima semana e ainda tem vagas disponíveis.
Por Patrícia Azevedo
Repórter Dom Total
Na próxima segunda-feira (29), completam-se 12 semanas que o ministro da Justiça Sérgio Moro apresentou o Projeto de Lei Anticrime. Desde então, ele tem se empenhado em defender, explicar e destacar os benefícios da proposta, que tramita no Congresso Nacional e permanece alvo de polêmicas e críticas. “Medidas duras contra crime organizado. Presídio de segurança máxima para lideranças. Proíbe progressão de regime de pena para condenado que se mantém associado. Confisco amplo do patrimônio”, enumerou em uma de suas postagens no Twitter, na última semana, que utilizou também para cobrar apoio.
“O governo não pode agir como um avestruz, tem que se posicionar e liderar, com o Congresso, a mudança de um sistema de leis que favorece a impunidade para um de responsabilidade”, completou o ministro. A última declaração pública sobre o assunto ocorreu nesta segunda-feira (22), em Portugal, durante o 7º Fórum Jurídico de Lisboa. Na ocasião, Moro destacou que Projeto Anticrime não dá “licença para matar” e que sua tramitação não está parada.
Tendo em vista a relevância da discussão, a Dom Helder Escola de Direito reunirá, em Belo Horizonte, especialistas e autoridades para o 1º Congresso de Direito e Processo Penal: Desafios e expectativas do Projeto Anticrime nas perspectivas teórica, prática e ambiental, que será realizado nos dias 29 e 30 deste mês e está com inscrições abertas até sexta-feira (26). Em entrevista exclusiva para o portal Dom Total, três dos palestrantes confirmados – professores Michel Wencland Reiss, da Dom Helder, Eduardo Reale Ferrari, da FGV/SP, e Hermes Vilchez Guerreiro, da UFMG/OAB-MG – comentam os principais pontos da proposta.
Eduardo Reale, doutor e mestre em Direito pela Universidade de Coimbra, em Portugal, acredita se tratar de “um projeto que segue a visão do simbolismo populista que vivemos”. O professor aponta que “além de não ter sido refletido previamente pela comunidade jurídica, contém uma série de deficiências de técnica-legislativa que exigirão muito aprimoramento”. Confira abaixo a entrevista completa:
Como os senhores avaliam o Projeto Anticrime apresentado pelo Ministério da Justiça?
Michel Wencland Reiss: De uma maneira geral, o Projeto Anticrime do Ministério da Justiça prioriza um maior rigor na punição. Entretanto, seria muito mais pertinente no combate à criminalidade se o Estado tivesse mais preocupado nas atividades fiscalizatórias, ou seja, evitar que os crimes venham a ocorrer. De nada adianta maior rigor se tragédias continuarem acontecendo. O ideal seria uma melhor estruturação do Estado para fiscalizar atividade de maior risco aos bens jurídicos mais relevantes, como o meio ambiente e a ordem econômica por exemplo.
Hermes Vilchez Guerrero: O projeto tem pontos positivos e outros questionáveis. Não há dúvida que a população brasileira quer uma resposta ao enorme crescimento da criminalidade. A grande questão é saber como o Congresso Nacional vai enfrentar o projeto.
Eduardo Reale: Entendo ser um projeto que segue a visão do simbolismo populista que vivemos. Além de não ter sido refletido previamente pela comunidade jurídica, contém uma série de deficiências de técnica-legislativa que exigirão muito aprimoramento. Por não possuir qualquer sistematização, os projetos visam muito mais engessar a jurisprudência por meio da edição de leis do que combater a criminalidade urbana. Não há nada de Projeto Anticrime, especialmente, no combate à criminalidade urbana, alterando pontos absolutamente superficiais, não havendo qualquer incentivo à uma política criminal que preze a racionalidade e a efetividade das normas-penais, seguindo, sim, a velha máxima concepção de que o aumento das penas gera menor criminalidade, o que é absolutamente ultrapassado e já denotou nesses últimos 30 anos ser uma falácia.
Entre as medidas propostas, quais trazem maior impacto para o ordenamento jurídico atual? O que pode ser considerado inconstitucional e enfrentar maior resistência do Congresso?
Michel Wencland Reiss: Um tema extremamente polêmico, em que há posicionamentos jurídicos de ambos os lados, é a possibilidade de execução da pena após o julgamento em segunda instância. O projeto prevê expressamente esta questão em seu texto. Entretanto, até mesmo pela polêmica que estamos assistindo no Supremo Tribunal Federal, é fácil perceber que há sérias dúvidas sobre sua constitucionalidade. Certamente, esta proposta seria alvo de inúmeras discussões e controvérsias no Congresso.
Hermes Vilchez Guerrero: Entre as propostas apresentadas, algumas são mais impactantes, entre elas estão a prisão após condenação em segunda instância, a diminuição da possibilidade de recorrer e o aumento dos casos de encarceramento.
Eduardo Reale: Há diversos pontos inconstitucionais, tal como a prisão em primeira instância – note primeira instância – nos crimes julgados pelo Tribunal do Júri. Da mesma forma inconstitucional, e que terá maior resistência, consiste o plea bargain da forma como proposto. Além de gerar um impacto imenso, em especial porquanto permite condenação com culpa, sem processo, o que viola o devido processo legal, não leva em conta a realidade brasileira e a falta de promotores, juízes e advogados nos rincões do país.
Estamos diante de um projeto que amplia penas e tipos penais. Existe uma solução para a criminalidade que não envolva o encarceramento?
Michel Wencland Reiss: Na verdade, é posição praticamente unânime entre os estudiosos do tema que o encarceramento é a pior das medidas quando se pensa em combater a criminalidade. Cesare Beccaria, no clássico Dos delitos e das penas, escrito ainda no século 18, já dizia que o importante é a certeza do castigo e não o rigor do suplício. Em outras palavras, temos que combater a impunidade, e não simplesmente aumentar o rigor do suplício. Sendo assim, temos que equipar, por exemplo, as polícias, dando total condição para realizar um trabalho investigativo que seja realmente eficaz. Infelizment,e não é isso que observamos nos institutos de criminalística espalhados pelo Brasil afora. Muitas vezes, o Instituto Médico Legal (IML) de determinados estados não tem condição de realizar seu trabalho a contento, quando ocorre determinada tragédia e há aumento da demanda.
Hermes Vilchez Guerrero: A tendência do Direito Penal é diminuir os casos de criação de tipos penais e dos casos de prisão. No projeto se propõe exatamente o contrário, aumentam os tipos penais e aumentam os casos de prisão. A legislação já prevê a possibilidade de ampliar medidas que não levem pessoas para a prisão.
Eduardo Reale: O encarceramento é uma modalidade de sanção que deve existir, mas para os casos mais graves, sendo importante mais do que o agravamento ou a diminuição da pena, a sua eficácia. De nada adianta criarmos mais penas se não temos como fiscalizá-las, assim como fomentar a escola do crime. O problema não é a legislação ser alterada, mas sim dar meios para sua execução ser efetivada. Nas penas restritivas o mesmo ocorre, vez que, se elas não forem fiscalizadas e efetivadas, não há sentido impô-las. A sanção penal tem um fim retributivo e preventivo e ambos passam pela sua eficácia e não por sua quantidade.
Um dos pontos polêmicos do projeto é o fato de tratar como legítima defesa algo com base em critérios subjetivos (violenta emoção, no caso de policiais). Considerando que a polícia brasileira é uma das que mais mata no mundo, como analisam essa questão?
Michel Wencland Reiss: Eu pessoalmente tenho muito receio da alteração proposta. Há décadas que a jurisprudência e a doutrina brasileiras já admitem a exclusão da culpabilidade pela inexigibilidade de conduta diversas em variadas situações de legítima defesa, gerando assim absolvições. Tanto é assim que há muito se fala em excesso escusável, ou excesso exculpante, que nada mais é do que uma situação de excesso na legítima defesa amparado pela inexigibilidade de conduta diversa, que, por sua vez, afasta a culpabilidade, isentando o réu de pena. Diante de tal contexto, a inclusão de tais normas no Código Penal é dispensável, especialmente porque há sério risco de legitimar excessos que, na verdade, seriam inescusáveis.
Hermes Vilchez Guerrero: Em relação à legítima defesa, escrevi minha dissertação de mestrado sobre o “excesso em legítima defesa”, na qual defendo exatamente que, quando o excesso ocorre em razão de violenta emoção, medo, surpresa, esse excesso deve ser tolerado. Meu receio é que nos casos de policiais isso se torne um álibi para o cometimento de abusos indiscriminados, como já vem ocorrendo.
Eduardo Reale: Extremamente preocupante porquanto no Brasil se matam 60 mil pessoas e trata-se de um cheque em branco periclitante e subjetivo, que fomenta ainda mais a violência. Os menos favorecidos vão ser novamente as maiores vítimas dessa alteração legislativa, que, além de simbólica negativamente, é desnecessária, porquanto já há previsão no Código Penal para causas de legitima defesa, sendo um acinte à inteligência criar-se uma legitima defesa específica para “categoria de pessoas”, retirando das autoridades o poder-dever de investigar os fatos.
No texto de Moro ficou de fora a criminalização do caixa 2. Como este tipo de crime é tratado atualmente pelo Judiciário e quais os possíveis ajustes na legislação?
Michel Wencland Reiss: Como vivemos num país de tradição romano-germânica, o ideal é que haja norma expressa sobre o tema – especialmente em questões penais, em que o princípio da legalidade tem uma força descomunal. O tema é extremamente polêmico no âmbito do Judiciário, mas, de maneira geral, fala-se em criminalizar os agentes pelo delito de falsidade ideológica. Mas insisto: o ideal seria uma norma específica sobre o tema, para que não haja maiores questionamentos sobre sua aplicação.
Hermes Vilchez Guerrero: O caixa 2 já é previsto no Código Eleitoral, e não pode ser simplesmente confundido com corrupção. Certamente, ele será um dos pontos mais debatidos no Congresso Nacional quando chegar o momento.
Eduardo Reale: O tipo penal da criminalização do caixa 2 é tratado como sanção penal no Código Eleitoral e o governo tinha a oportunidade de aclarar quando esse era usado como instrumento da corrupção devendo diferenciar as situações. Entre as diversas lacunas, por exemplo, tipificar melhor o tipo penal da concussão, que é exigir algo em troca, por meio de temor, a criminalização do caixa 2 como prevista no projeto, afastada da corrupção, denota o seu equívoco. Como bem destacou o ex-ministro do STF, Carlos Ayres Brito, ambos caminham no mesmo compasso e deixá-lo de fora do projeto foi um erro, pois significa fechar os olhos para a realidade e ir contra tudo o que pregou na apuração da Operação Lava Jato. A corrupção obviamente é autônoma do crime eleitoral, mas desde que não se utilize como subterfúgio para descaracterizar a corrupção. Obviamente que, se alguém usa do argumento de que se trata de mero crime eleitoral, quando estamos a falar de momento antes ou depois da eleição, não se pode falar em crime eleitoral, sendo o momento para aclarar e refletir legislativamente sobre o tema.
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