Judiciário não pode substituir editores,
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Fernando Machado Bianchi*
Atualmente, os hospitais privados e as operadoras de planos de saúde vêm sofrendo graves golpes na capacidade de manutenção de seus serviços de saúde privada.
Basta notar, por exemplo, os últimos dados publicados pela Confederação Nacional de Saúde, analisando o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde – CNES, entre os meses de janeiro de 2010 a janeiro de 2019, para ver que 2.127, hospitais privados foram fechados no Brasil, representando uma redução na rede de 11%
As causas decorrem de diferentes naturezas, como: “excesso de carga tributária”, “retração do setor de planos de saúde”, “retração da economia do país”, “aumento dos custos operacionais”, dentre outros.
O mesmo se diga em relação a operadoras de planos de saúde, especialmente, àquelas de pequeno e médio porte, que, por um lado, vem sendo encerradas em razão de uma enorme e desproporcional carga de exigências operacionais e financeiras por parte da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, e, por outro, pela atual tendência de concentração de mercado, representado pela aquisição predadora de grandes grupos empresariais.
Ocorre que tal situação é agravada quando tais empresas privadas de saúde são obrigadas, seja no âmbito judicial ou administrativo, a cumprirem obrigações que não possuem ou para qual não foram contratadas, tudo à luz do direito à saúde.
Tal premissa enseja importante análise, pois as coberturas de serviços médicos podem sofrer limitações ou devem ser concedidas de forma ilimitada?
A resposta de tal questionamento, a nosso ver, pode ser obtida a partir da análise da previsão constitucional do direito da saúde e a respectiva responsabilidade pública no setor.
Em primeiro lugar, é importante lembrar que o artigo 198 da CF estabelece o atendimento integral quanto à proteção social sanitária.
Já o tratamento e cura da pessoa doente se constituem o principal direito da pessoa humana, que, em verdade, representa direito à vida, conforme artigo 3.º da Declaração Universal de Direitos Humanos. Portanto, o direito à vida se coloca à frente de todos os outros direitos.
Ocorre que, não obstante tais premissas, o parágrafo 5.º do artigo 195 da CF estabelece que nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.
Por outro lado, qualquer direito, por mais relevante que seja, está sujeito a limitações contingenciais que são próprias do estado democrático de direito.
Como exemplo podemos citar o recurso repetitivo do STJ n.º 990 que reconheceu a impossibilidade de utilização de recursos públicos em tratamentos experimentais na área da saúde, requerido por particular, assim como impôs limitação e requisitos para fornecimento de medicação importada.
Nesse sentido, importante invocar a regra de ouro sobre a seguridade social, que está calcada em dois pilares, quais sejam, seletividade e distributividade das prestações, o que, em outras palavras, representa o conceito de que não é viável, por absoluta impossibilidade material, que todas as pessoas tenham acesso a todos os tratamentos e medicações possíveis.
Portanto, se verifica que, se o próprio Estado que tem dever constitucional de prestação de saúde ilimitada, tem limitações na respectiva operacionalização da prestação, inclusive reconhecida pelo Judiciário, o mesmo deve ser aplicado em relação a empresas privadas de assistência à saúde.
Isso porque o artigo 197 da Constituição Federal afirma que “são de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao poder público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado”.
Somente os serviços de saúde, ainda que outros também tenham grande importância, tem a qualificação de relevância pública.
A prestação de saúde privada também está inserida na relevância pública.
Logo, de igual modo, os órgãos reguladores e o judiciário também precisam enxergar a legalidade de limitações à prestação da saúde privada, que deve ser interpretada por analogia aos direitos sociais, ou seja, de acordo com o caso concreto e sob a perspectiva de que o mesmo direito possa vir a ser concedido a todo conjunto protegido.
Aliás, esse é o conceito de isonomia no SUS, nas palavras do prof. Wagner Balera, que ensina: “É a isonomia entre os integrantes do SUS – vale dizer, toda a comunidade protegida – que será afetada se e quando a prudência não presidir os julgados que concedem prestações singulares sem se deterem na perspectiva do todo”.
Logo, quando é imposta obrigação de prestação a determinado paciente não prevista, tal fato importa risco a determinada coletividade, que pode ficar sem a prestação a que de fato tem direito.
Portanto, a não observância de limites na prestação de serviços de saúde privada, com a imposição de obrigações exageradas pelos órgãos reguladores e pelo judiciário, representa importante risco a serviços de alta relevância pública realizado por milhares de empresas médicas privadas.
*Fernando Machado Bianchi, advogado especializado em Direito da Saúde e sócio do Miglioli e Bianchi Advogados, e membro das Comissões de Direito Médico e de Planos de Saúde da OAB/SP.
Leia no Blog do Fausto Macedo, do Estadão, aqui