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Por Tadeu Rover
A internet é uma biblioteca viva que cobra no futuro os erros do passado. Uma suposição que não se confirmou — e a história é pródiga nesse aspecto — fica à vista de todos. E quem escreveu fica tão exposto quanto o prejudicado pela ilação.
Facilidade de acesso a informações antigas deu força ao direito esquecimento, criado por juízes numa jornada acadêmica
É nesse cenário que o direito ao esquecimento ganha força nos tribunais. O debate separa a imprensa, que defende a liberdade ampla de expressão, e seus alvos, que exigem a supressão de textos, verdadeiros ou não. No meio do caminho, uma tese: acrescentar ao texto antigo a ressalva que atualiza a informação. A informação que se tornou incorreta com o tempo, dessa forma, pode ser corrigida.
No Brasil, esse direito não consta de nenhuma lei — foi criado por juízes. Formalmente, nasceu de proposta do desembargador Rogério Fialho Moreira, do Tribunal Regional da 5ª Região, e se transformou em enunciado da 6ª Jornada de Direito Civil da Justiça Federal, que aconteceu em 2013.
“A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”, dizia o Enunciado 531. Finalmente havia chegado à magistratura a consciência de que a internet é um banco de dados eterno onde não existe prescrição. E o debate que levou ao enunciado dava a entender que o direito ao esquecimento se referia à internet e aos sites de busca. Por “sites de busca”, leia “Google”, que abocanha 97% do mercado das buscas na internet no Brasil.
Mas menos de dois meses depois, o Superior Tribunal de Justiça aplicou a tese do direito ao esquecimento à imprensa. Em dois processos contra a TV Globo, deu razão aos autores: eles tinham direitos de ser esquecidos pela maior emissora de TV do Brasil. Em um dos casos, condenou a Globo a indenizar o autor.
Sinônimos
Advogado de diversos veículos de comunicação e especialista em liberdade de expressão, Alexandre Fidalgo, do Fidalgo Advogados, não tergiversa: aplicar o direito ao esquecimento à imprensa é censura. “Não há diferença alguma de violação constitucional na determinação da retirada de conteúdo da internet ou do jornal impresso nas antigas gráficas. As duas determinações constituem censura, inclusive já assim decidido pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 130”, afirma.
Segundo ele, esse debate chegou ao jornalismo por causa do crescente papel dos meios digitais na difusão de informação. Com isso, diz, a tese do esquecimento, que já se mostrava crescente, tende a ser fortalecida. Especialmente em razão da facilidade da supressão da informação, como se isso não constituísse censura.
Fidalgo explica ainda que os pressupostos de uma boa notícia contrapõem a ideia da tese do esquecimento. “De um lado há os princípios da verdade, do interesse, da pertinência e da atualidade. Do outro, o esquecimento, cujo pedido repousa na ideia de violação da intimidade pelo passar do tempo”, leciona.
Sete oitavos
Um dos maiores especialistas em Direito de imprensa no Brasil e advogado de veículos como TV Globo e O Estado de S. Paulo, Afrânio Affonso Ferreira Neto, do Affonso Ferreira Advogados, também culpa a internet pelo surgimento do direito ao esquecimento.
Segundo suas contas, o direito ao esquecimento é composto de 7/8 de Google e 1/8 de veículos de comunicação. “No meu cotidiano de direito de imprensa e comunicação, jamais vi um pleito de esquecimento que não tivesse por origem principal a facilidade que a ferramenta de busca imprime à divulgação de fatos, cujos partícipes não querem ver difundidos”, conta Afrânio. “Não se pretende destruir o arquivo físico dos veículos de imprensa. Querem na verdade impossibilitar que a busca chegue com facilidade aos nomes dos supostamente prejudicados pelas notícias.”
Para ele, pedir que um jornal exclua seus arquivos equivaleria à Bücherverbrennung, a queima de livros promovida pelos nazistas durante sua ascensão ao poder, na Alemanha dos anos 1930. Nitidamente, o intuito era apagar a história para naturalizar sua forma de governar, afirma o advogado.
Risco do negócio
Como muitos dos pedidos ligados a direito ao esquecimento têm a ver com a contextualização de informações antigas, alguns veículos de comunicação têm optado por atualizar as notícias originais. É uma forma de manter o conteúdo no ar e não prejudicar o arquivo histórico, ao mesmo tempo em que atente o pleito de quem quer ser esquecido.
Mas Afrânio Affonso defende que esse ônus recaia sobre as ferramentas de busca, e não sobre os veículos noticiosos. “É esta a atividade econômica da ferramenta: a indexação de informações. E é dela que advém seu faturamento. Nada mais justo, portanto, que arque com os riscos de sua atividade, de notória lucratividade, aliás”, afirma.
O advogado diz que a indexação, pelas empresas de busca, de conteúdo produzido por terceiros é um tema complexo. Se de um lado beneficia os autores ampliando o alcance de suas obras, por outro tira dos titulares seus direitos autorais.
“Nesse caso é indispensável um acerto, uma contratação, entre os titulares e as ferramentas de busca. E a meu ver é inaceitável, beirando ao cinismo, o argumento de que não há como identificar fontes desautorizadas de transmissão de conteúdo, muitas vezes invocado por empresas de busca”, analisa.
Na visão de Alexandre Fidalgo, a atualização da notícia não diz respeito ao esquecimento, mas sim à facilidade que o site de busca tem para atualização das notícias. Segundo ele, a tese do esquecimento se baseia num suposto dano a imagem que uma notícia antiga causa.
“É confronto entre memória e esperança, utilizada nas hipóteses de condenados que cumpriram penas, em que se valoriza, na ponderação de valores, a esperança, dando rendimento ao princípio constitucional da dignidade humana e da regenerabilidade da pessoa humana, como em certo julgado lembrou o ministro Luis Felipe Salomão”, lembra Fidalgo.
Mesmo nessas situações, continua Fidalgo, há de se ponderar a legitimidade de a sociedade tomar conhecimento da historicidade dos acontecimentos da vida, especialmente quando a narrativa omitindo os envolvidos se mostrar impraticável.
Soluções alternativas
Há casos simples que poderiam ser resolvidos com diálogo ou apenas uma carta. Mas há quem prefira começar a conversa com o processo judicial. Cada dia mais comum, a utilização de soluções alternativas de conflitos como a mediação e a arbitragem pode ser uma saída para evitar a judicialização.
“Tenho visto os órgãos de imprensa cada vez mais atentos para solucionar extrajudicialmente pedidos de complementação de notícias”, analisa Afrânio Affonso. Segundo ele, é perceptível que os veículos analisam cada dia mais a pertinência desses pedidos, inclusive com equipes destacadas para isso. Em sua avaliação, isso certamente contribuirá para que diminua o contencioso envolvendo o direito ao esquecimento, além de ter potencial para melhorar a informação e atender mais plenamente o direito a ela.
Fidalgo aponta que a criação de uma instância arbitral por veículos de comunicação é uma sugestão válida. Porém, diz ele, a cultura de nossa sociedade é a solução dos conflitos pelo Estado. “Aliás, nos bancos escolares e na academia ainda permanece o ensinamento de que se deve sempre procurar a tutela do Estado para a solução dos conflitos de direito. Talvez isso retire a credibilidade à sugestão de mediação de conflitos, que acho boa”.
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