Divisão mostra que polêmica tende a continuar
25/10/2019Artigo: Projeto de novo Código Comercial —
28/10/2019softwares
Andrea Modolin*
Série de pequenas e médias empresas, de diversos setores, têm ingressado, cada vez mais, com ações na Justiça para serem ressarcidas por algumas das maiores empresas fornecedoras de softwares de gestão. A constatação desse fato ocorreu a partir da compilação de dados obtidos junto a diversas fontes de medidas judiciais disponíveis na Internet, contatos com escritórios de advocacia e de rede de relacionamentos de atividades econômicas. A quantidade de desavenças atinge a casa de centenas de processos, mas deve ser muito maior, pois, nestes casos, como trata-se de disputas de “apenas” dezenas de milhares de reais, o procedimento normal é através da tentativa de acordos extrajudiciais, que não aparecem nos sites das cortes judiciais.
A partir de análise sobre o conjunto de processos podem ser encontrados pontos em comum. A forma de abordagem, a apresentação da solução para série de problemas de gestão de informação, como o software resolve isso e ainda gera potencial de ganhos importantes, a customização do produto, garantia de prazo para entrega e, claro, uma forma de superar eventual barreira de preço por meio de linha de crédito pré-aprovada numa instituição financeira de renome. Enfim, o que a empresa “precisa” da forma que pode “pagar”.
Independente das pressões do jogo de encantamento para convencer alguém a comprar algo, há em comum na maioria dos casos alguns elementos que passaram ao largo na hora de fechamento do negócio: a efetiva capacidade de entrega do software no prazo combinado, o caráter da relação jurídica do produto com a linha de empréstimo para a sua aquisição e a clareza nas regras para desfazimento do negócio.
Esses pontos são relevantes porque bom negócio é aquele que pode ser conduzido com muita emoção na hora da compra, extrema razão durante implantação e desenvolvimento e, sobretudo, com desgastes mínimos caso as promessas não se cumpram, seja lá por quais razões.
Pois bem, em inúmeros lugares – como mostram os processos que chegam à primeira instância judicial – o prazo de entrega foi descumprido, o produto não está surtindo o efeito prometido ou, pior, versões instaladas foram descontinuadas e atualização se dá com a aquisição de novo produto, sempre bem mais caro.
Em face dessas circunstâncias, as adquirentes dos softwares de gestão tentaram a rescisão dos contratos, mas não conseguiram. As tentativas de barrar o pagamento dos empréstimos também foram frustradas. Portanto, muita gente está pagando por algo que não receberam, não funciona bem ou nem ativo está mais.
Esse conjunto de brigas judiciais sobre o mesmo tema permite orientações importantes para o pequeno empresário saber lidar adequadamente com este tipo de negócio.
Primeiro, informar-se mais profundamente sobre uma empresa e seus produtos. Pesquisas simples na Internet sobre uma determinada empresa e seus serviços são facilmente manipuláveis. Por meio de assessores especializados e sistemas de indexação e inclusão de informações, se consegue deslocar informações desabonadoras para bem longe nas páginas de pesquisa. Se quer saber algo ruim de uma empresa, apure nos locais que abordam esse tipo de assunto, como os agregadores de processos judicias e de instituições de defesa do consumidor. Conversar com o mercado também pode ser de muita valia.
Segundo, grave as conversas com o vendedor. Faça isso formalmente, indique data e hora, de forma que não paire quaisquer dúvidas sobre como uma venda com promessas impossíveis de serem cumpridas reverterão contra a empresa. Para quem estranha isso, basta lembrar que o sistema de telemarketing usa essa forma há décadas. Se quem vende se resguarda, quem compra deve se precaver em dobro.
Passada essas duas etapas, a atenção se volta para o contrato. Não deve haver pressa em assinar. O documento deve lido com máxima cautela. A intenção deve ser de checar se o que foi dito está claramente exposto no documento. Em caso de dúvidas, o apoio e orientação com especialistas torna-se imprescindível. O que está sendo comprado, as características, prazo de entrega e modo de rompimento precisam estar claros e destacados.
Se, como nos casos destacados acima, a aquisição do serviço ou produto estiver ligada a empréstimo bancário, a qualidade desse crédito precisará ser analisada em minucias para que se tenha garantido o direito de interrupção de pagamentos no caso de falhas na entrega do bem adquirido e outros problemas previstos no contrato.
Esses pontos de atenção precisam ser levados muito a sério. Afinal, banco e empresa de tecnologia têm por norma fazer negócios lastreados por cláusulas de seguro, aos quais recorrem quando algo dá errado. As pequenas e médias empresas ainda não têm a mesma capacidade e estão, muitas das vezes, descobertos nestas situações.
*Andrea Modolin, advogada
Leia no Blog do Fausto Macedo, do Estadão, aqui