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23/01/2020compliance
Leonardo Mazzillo*
Uma carteira de reclamações trabalhistas pode – e deve – inspirar as ações de Compliance de uma empresa, conjunto de regras e posturas éticas da organização. Ela é um precioso material nas mãos do Compliance Officer, responsável pela criação e gerenciamento desse importante programa de controle das normas valorizadas pela corporação.
A partir dessa carteira, esse profissional pode constatar os pontos mais problemáticos da empresa. Seu objeto de interesse deve ser identificar desconformidades à lei ou práticas de atos desconformes que revelem um problema, não de uma ou outra pessoa, mas institucional, quando não são seguidas leis, políticas, normas ou entendimentos jurisprudenciais a respeito de determinados diplomas normativos.
Mas não se trata de qualquer desconformidade. O que o Compliance Officer vai focar são pontos que geram repercussão suficiente para causar um dano grave, tanto patrimonial quanto reputacional, capaz de afetar os resultados financeiros da empresa.
A gestão da carteira de processos trabalhistas fala muito sobre os riscos da empresa. E quando se começa um programa de Compliance essa avaliação de risco é o primeiro passo antes de se formar o código de conduta, as políticas e os valores éticos que vão conduzir a mecanismos escritos para a gestão efetiva de Compliance.
Aliar a análise da carteira de reclamações trabalhistas às denúncias feitas por funcionários e à pesquisa de clima interno como fontes adicionais de informação, possibilitará a prevenção dos riscos. Então é um bom exercício começar a enxergar o que está acontecendo na carteira trabalhista: porque os colaboradores reclamam mais disso ou daquilo, se há algum problema localizado para prevenir ou remediar, se existe um seguro capaz de cobrir determinada situação.
O pensamento até pouco tempo em vigor, de empresas que achavam compensador descumprir a legislação pelo fato de só 30% a 40% dos empregados ajuizarem ação para reivindicar direitos, vem sendo modificado pela realidade. A má notícia para essas empresas é que o custo das indenizações tem aumentando significativamente, especialmente em relação a direitos extrapatrimoniais ou de personalidade, que são os que tratam de dano moral.
O judiciário já entende o que verdadeiramente pode ser considerado assédio moral e o valor dessas indenizações para ações individuais tem crescido substancialmente. Não quando fica comprovado um ato ilícito, um abuso, mas quando fica comprovado o assédio, aquele que requer uma prática de atos às vezes subliminares. Não se trata de uma agressão ostensiva, mesmo que repetida, mas de micro agressões feitas não por palavras, mas por gestos, muitas vezes por uma inflexão de voz, um mexer de ombros, jogando uma carga que aos poucos vai destruindo o receptor dessas mensagens.
Nesses casos, as indenizações que antes eram de R$ 5 mil ou R$ 10 mil, já estão chegando até a R$ 80 mil. Para uma grande empresa, não representa muito, mas se pensarmos em mil reclamações trabalhistas, com condenações médias de R$ 50 mil, estaremos falando em R$ 50 milhões, e aí teremos uma contingência que interfere no resultado da empresa. O Compliance Officer consegue, quando constata uma incidência maior de determinado problema, em especial relacionado a dano moral, incrementar políticas para evitar, por exemplo, práticas de assédio.
Além das indenizações, o custo da gestão das ações é caro. Uma empresa com essa carteira de mil ações trabalhistas terá certamente um alto custo mensal e anual com escritórios terceirizados. Também não é barato manter na empresa uma estrutura para acompanhar o trabalho dos terceirizados.
Mas o mais preocupante é verificar que esses problemas de abusos praticados de forma repetitiva podem ser institucionais. Não que tenham o apoio da empresa, mas contam com a sua omissão. E quando isso acontece, entra em cena o Ministério Público do Trabalho, o que pode resultar em uma ação civil pública cuja condenação tem se tornado cada vez mais relevante.
Não faz muito tempo, vimos uma grande empresa ser condenada a pagar a estratosférica cifra de R$ 800 milhões de indenização por dano moral coletivo. Ficou comprovado no inquérito civil aberto pelo MPT que ela estimulava a prática de atos que, no entender do Poder Judiciário e do MP, constituíam assédio moral.
Fatos como este demonstram falta de atenção do Compliance em identificar tais desconformidades que revelam um problema institucional e geram reflexo patrimonial ou reputacional significativo. Portanto, a carteira de processos trabalhistas deve ser gerida estrategicamente e cada vez mais deve contar com a participação obrigatória do Compliance Officer.
Por conta de chamar cada vez mais atenção do judiciário e à luz da jurisprudência trabalhista, uma investigação interna exige hoje que alguns requisitos estejam presentes. Mesmo a investigação social, que acontece antes da contratação, exige cuidados. Posso consultar reclamações trabalhistas, recorrendo àquelas listas restritivas informais que são mantidas e trocadas por grupos de empresas? Isso não pode de jeito nenhum.
Mas e consultar SPC/Serasa antes de contratar o empregado? E antecedentes criminais? Posso pedir exame de saúde, de gravidez? Para todas essas perguntas e mais algumas correlatas a resposta é simples: depende. O certo é que a empresa não pode adotar nenhum procedimento que seja meramente discriminatório. Tudo que for solicitado deve ser uma exigência do cargo para o qual o empregado está sendo contratado.
Uma clínica radiológica, por exemplo, pode submeter uma técnica em radiologia grávida a níveis de radiação inapropriados para uma gestante? Não. Então ela pode pedir exame de gravidez para a candidata? Deve. Mas em geral só é possível exigir quando houver riscos à vida do empregado ou de terceiros.
O mesmo vale para os antecedentes criminais. Imagine se envolver a contratação de uma babá para cuidar de uma criança dentro de casa e nos antecedentes aparecer “maus tratos a menor”. Neste caso, não há que se falar em discriminação, mas sim na garantia do bem-estar e segurança da criança.
Já para a consulta ao SPC/Serasa existe uma zona cinzenta, mas também há exceções. Se vou contratar alguém para formatar meu Departamento de Compras, tradicionalmente um polo de risco nas empresas, essa pessoa é um ser humano e pode relativizar noções éticas se estiver com sérios problemas financeiros. Agora, para quê consultar Serasa de alguém que vai trabalhar no telemarketing atendendo reclamações de clientes?
O fato é que, quando o cargo exige confiança, por conta de acesso a informações, dados ou recursos da empresa, a jurisprudência tende a entender que essa consulta é possível ou até recomendável.
Em tempos de vida virtual ativa, preocupa também o comportamento de colaboradores nas mídias sociais. Mas, de novo, a ação da empresa jamais pode ser discriminatória. Se o comportamento for de alguma forma prejudicial aos interesses da organização, ela pode rescindir o contrato de trabalho do funcionário sem justa causa, pagando todos os direitos do empregado.
A jurisprudência já consolidou direito de defesa, presunção de inocência, monitoramento de dados, afastamento preventivo e sigilo. Para os dois primeiros, o raciocínio é simples. Se o judiciário, que é a expressão do poder estatal, é obrigado a dar direito de defesa e a presumir inocência dos réus, porque a empresa poderia achar que não é preciso adotar esses mesmos princípios constitucionais? Eles devem ser observados nas políticas de investigação interna.
A presunção de inocência também é muito importante na hora da investigação. Se determinada quantia “sumir” da empresa pode-se perguntar repetidamente a uma pessoa o que aconteceu com o dinheiro, mas jamais questioná-la: “você roubou? “ . São detalhes que fazem toda a diferença para uma empresa agir na lei ou fora dela.
No caso do monitoramento de dados, é preciso que conste na política interna que os dados do e-mail corporativo são dados da empresa e podem ser acessados a qualquer momento. E orientar os colaboradores que e-mails ou Skype particulares não podem ser usados nos computadores da empresa, mas apenas os canais oficiais, incluindo chats, para que a empresa possa fazer uso desses dados se necessário.
Outro tema importante é o afastamento preventivo, que deve ser adotado quando um empregado estiver atrapalhando as investigações ou demonstrar que atrapalhará as investigações que ocorrerão a respeito dele. Não se trata de suspensão, porque seria uma punição. Esse afastamento pode e deve ser feito, sem medo.
Por fim, as investigações internas têm que correr em sigilo. Primeiro porque, se ela vaza, o investigado tem direito a indenização. Se a política de investigação interna da empresa diz que o sigilo é essencial e quem descumpre essa regra comete falta grave, é possível considerar o vazamento um ato de indisciplina que inviabiliza a continuidade dessa pessoa e pode resultar na sua demissão por justa causa. É um desrespeito, inclusive, à reputação, ao bem-estar e aos direitos de personalidade dos investigadores.
O judiciário também já descobriu que a investigação interna existe nas empresas e pode requisitar os documentos dessa investigação para juntar aos processos. E quando, volta e meia, a empresa se recusa a fazê-lo para não tornar público dados que podem revelar problemas maiores ou processos pelos quais esteja passando fora do país, os juízes podem inverter o ônus da prova, ou seja, presumir verdadeiras as afirmações do reclamante. É preciso, portanto, um aprimoramento permanente dos mecanismos de investigação interna.
*Leonardo Mazzillo, coordenador das áreas de Consultoria Tributária e Human Capital do WFaria Advogados, que abrange a consultoria e o Compliance Trabalhista
Leia no Blog do Fausto Macedo do Estadão, aqui.