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Ausência de enfrentamento perpetua desigualdades
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O dano psíquico, qualquer que seja a sua origem, é ato ilícito passível de indenização e responsabilização criminal. Estudos da Organização Mundial da Saúde (OMS) se debruçam sobre o conceito, fatores que colocam em risco a saúde mental dos indivíduos e a associação da violência como problema de saúde pública, responsável pela geração de inúmeros e inquestionáveis agravos, extensamente detalhados no Relatório Mundial Sobre Violência e Saúde. O trabalho da OMS ao longo das últimas décadas demonstra ser a violência um dos principais problemas de saúde pública, tipologia e danos psicossociais.
O dano psíquico passível de responsabilização cível e criminal abarca o conceito de trauma em razão de uma conduta identificável, ainda que desmembrados em uma série de atos no curso do tempo. O trauma afeta nossa fisiologia, incluindo nossa capacidade de pensar de forma integrada e completa.
Dessa forma, deve ser entendido nos aspectos psicológicos, emocionais, mentais e espirituais. O dano psíquico difere do estresse do cotidiano diário em razão de sua intensidade e duração. Envolve desde a capacidade de lidar ou responder a ameaças, a sensação de perda do controle de sua vida, mudança no sentido da vida de uma pessoa ou grupo de pessoas em termos de significado e ordenação. Portanto, ocorrem em um contexto social, com interações dinâmicas dos indivíduos na sociedade. As condições sociais e significativas de uma experiência individual geralmente atuam como causa ou contribuem para a ocorrência do dano psíquico.
O tratamento do fenômeno do crime deve contemplar um enfoque necessário da responsabilização e reparação do dano pelo ofensor, bem como abranger todos os aspectos de saúde e sociais envolvidos, devendo o Estado fornecer serviços adequados de assistência às vítimas de crimes. Trata-se de realidade multifacetada que comporta distintos enfoques e linhas de atuação.
A ausência de enfrentamento adequado do problema nos conduz à perpetuação das desigualdades em nossa sociedade, pois possui reflexos na esfera laboral por meio dos fenômenos da segregação horizontal (acesso ao trabalho) e segregação vertical (acesso a cargos de chefia e liderança), política (igualdade de homens e mulheres na representatividade perante os órgãos legiferantes (executivos e judiciários).
A quantidade de dados disponíveis demonstra o quanto as mulheres se inserem nesta questão. Mas chamo atenção para idosos e crianças. De acordo com o Disque Direitos Humanos —ou Disque 100, programa da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (SPDCA/SDH)—, em 2017 foram registradas 32.632 denúncias de violência contra idosos: negligência psicológica, abuso financeiro, patrimonial ou física e maus-tratos. Crianças constituem grupo de especial vulnerabilidade, pois se revestem de muitos rostos e formas: abuso físico, abuso sexual, negligência, abuso emocional, dentre outros.
As estatísticas são assustadoras. A cada cinco minutos uma criança morre de violência; cerca de 1 bilhão de crianças no mundo —mais da metade de todas as crianças de 2 a 17 anos— sofreram violência emocional, física e/ou sexual; 1 em cada 10 meninas —120 milhões— com menos de 20 anos de idade foi submetida a atos sexuais forçados; e praticamente 1 em cada 10 crianças —250 milhões em todo o mundo— vive em um país afetado por conflitos.
A violência pode causar danos psíquicos irremediáveis para a saúde física, psicológica e mental de uma criança. Sem apoio e cuidados adequados, a violência e o trauma podem ter efeitos a longo prazo no desenvolvimento da criança e na vida futura. Da mesma forma, as crianças que sofreram violência também são mais propensas a perpetuar o círculo de violência, transmitindo padrões de violência aos seus pares ou às futuras gerações. Portanto, urge a conscientização da violência contra crianças em nossa sociedade para que tenhamos adultos, comunidades e sociedades saudáveis.
Celeste Leite dos Santos
Doutora em direito civil pela USP, é coordenadora do Grupo de Estudos de Gênero e gestora do Projeto de Acolhimento de Vítimas, Análise e Resolução de Conflitos do Ministério Público de São Paulo
Clique aqui e leia original no jornal Folha de São Paulo.