Artigo: Responsabilização civil e criminal do dano psíquico
05/03/2020Testemunhas de Jeová são investigadas sob suspeita de ocultar crimes sexuais
06/03/2020crianças e adolescentes
Thais Pinhata*
05 de março de 2020 | 07h00
A vacinação nunca foi tema fácil em nosso país, pelas mais diversas razões. A primeira, e mais forte delas é, certamente, a dificuldade de conscientização da população sobre os benefícios e os riscos à ela associados. Foi assim nos idos de 1904, quando o povo saiu às ruas na capital contra a obrigatoriedade da vacina anti-varíola, naquela que ficou conhecida como Revolta da Vacina; e é assim hoje, quando, mais de cento e quinze anos depois, muitos saem nas redes sociais em defesa da suspensão da vacinação. Essa falta de informação leva a acreditar que a vacinação em crianças e adolescentes não seria obrigatória, entretanto, a obrigatoriedade é uma realidade e o não cumprimento dos calendários de vacinação, por melhores que sejam as intenções dos pais, pode levar a graves sanções.
A Lei nº 6.259/75, que institucionalizou as políticas públicas de vacinação ao criar o Programa Nacional de Imunizações, trouxe o entendimento de que a vacinação deve ser pensada como um evento sanitário coletivo, devendo ser distanciada dos olhares individuais da decisão de cada pai. Isso porque o diferente nível de acesso à saúde entre as famílias brasileiras coloca crianças e adolescentes em diferentes níveis de vulnerabilidade e de possibilidade de cura quando infectadas.
Atrelado a esse entendimento, e de maneira bastante clara, dispõe o parágrafo 1º do artigo 14 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que “é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. O artigo, que deve ser lido em conjunto ao 249 do mesmo Estatuto, torna o descumprimento do calendário de imunização, que é parte dos “deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda”, ato sujeito à aplicação de “multa de três a vinte salários mínimos”, sendo o valor dobrado em caso de reincidência. As consequências da não vacinação, entretanto, não param por aí.
O Código Penal Brasileiro tipifica, ao apresentar os Crimes contra a saúde pública, ao menos três condutas que podem ser identificadas com a não vacinação, dispostas nos artigos 267 e 269. Dentre elas, destaca-se a “Infração de medida sanitária preventiva”, prevista no artigo 268, penalizada com a detenção, de um mês a um ano, e multa.
Incorre, ainda, no delito de maus-tratos, aquele que tem a guarda e responsabilidade sobre o menor e, deliberadamente, deixa de imunizá-lo, vez que coloca a saúde daquele à perigo, podando-lhe a oportunidade de um cuidado forçoso e vital. Ao fazê-lo, o responsável expõe-se à pena de até um ano de prisão, com aumento vertical se advir lesão corporal ou morte como resultado da prática (ou de sua omissão).
Oportuno ainda destacar, considerando que boa parte da não vacinação é resultado de debates advindos diretamente das redes sociais e do chamado “movimento antivacina”, que aquele que publica ou circula publicações orientadas ao desincentivo da vacinação recomendada pela vigilância sanitária pratica o crime de incitação a crime, previsto no art. 286 do Código Penal, dado que se propala e defende publicamente o cometimento das infrações já expostas.
Algumas medidas vêm sendo tomadas para tentar barrar a queda na vacinação e poderão trazer novas repercussões de cunho penal.
Muitos estados, tais como Paraná, Roraima, Acre, Espírito Santo e Paraíba, optaram por exigir a apresentação da caderneta de vacinação completa para realização da matrícula em escolas das redes pública e particular. Se constatada a ausência de quaisquer das vacinas obrigatórias, o pai ou responsável terá 60 dias para regularizar a situação, antes de ser feita a comunicação formal ao conselho tutelar para as devidas providências e reparação de direitos, sem quaisquer prejuízos à efetivação da matrícula. Dada a negligência da conduta, muitos defendem que pode levar, caso seja essa a indicação do conselho, à destituição do poder familiar.
Noutros tantos estados tramitam nas câmaras legislativas projetos com objetivo similar. Em São Paulo, o Projeto de Lei nº 721 / 2019, que trata do tema, já foi aprovado em regime de urgência na ALESP e aguarda sanção do Governador. Diversos municípios também regularam a questão, com destaque para o município do Rio de Janeiro, cuja a Lei nº 5.612/13 é considerada um paradigma.
Em âmbito federal, tramitam dois projetos de lei que merecem destaque. O primeiro deles, o Projeto de Lei nº 3.146/12, que dispõe sobre a apresentação do Cartão da Criança ou da Caderneta de Saúde da Criança nas escolas públicas e privadas do Sistema Nacional de Educação já foi aprovado na Câmara dos Deputados e aguarda apreciação pelo Senado Federal. O segundo, o Projeto de Lei nº 3842/19 que tipifica criminalmente a conduta, de pais ou responsáveis, de omissão ou de contraposição à vacinação de crianças ou adolescentes, prevendo pena de detenção de um mês a um ano ou multa, e já tendo sido aprovado em parte das comissões.
As vacinas são resultado de grande pesquisa e rigor científicos. Aquelas fornecidas no sistema público de saúde são garantidas por um duplo controle da qualidade da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde da Fiocruz. A resistência à vacinação é tema que deve ser tratado com seriedade, vez que expõe a saúde, não apenas a do menor não vacinando, mas a de toda a coletividade, a riscos desnecessários e, por meio delas, facilmente evitáveis. Indispensável, nesse sentido, é a ingerência do Poder Público na conscientização sobre os riscos reais da não vacinação e os muitos benefícios históricos e coletivos associados às vacinas.
*Thais Pinhata, advogada da área criminal do Franco Advogados, mestre e doutoranda em Direito pela Universidade de São Paulo
Leia no Blog do Fausto Macedo do Estadão, aqui.