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13/08/2020Folha de S.Paulo | Brasil 200 abraça proposta de ‘imposto digital’ do governo e articula frente parlamentar
13/08/2020[13/08/2020] [20:52]
Setor de serviços, o que mais emprega no país, será onerado em propostas de reforma tributária.| Foto: Pixabay
Um dos setores que seria mais onerado pela primeira fase da proposta de reforma tributária apresentada pelo ministro Paulo Guedes, o de serviços, já se manifestou contrário à ideia – assim como também já havia rechaçado outros dois projetos, as PECs 45 e 110, que tramitam no Congresso.
Sem a opção de créditos a compensar, grande parte das empresas do setor veria sua tributação saltar de 3,65% para 12%, apenas considerando a unificação do PIS/Cofins em Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) proposta pelo governo.
Com as credenciais de ser o maior empregador do país – responsável por cerca de 72% dos empregos formais – e de representar cerca de 70% do PIB brasileiro (em conta que inclui o comércio), o setor quer emplacar a sua alternativa à reforma tributária. Todas as opções discutidas atualmente trariam oneração.
A alternativa proposta pelas empresas do ramo não é uma novidade: prevê desoneração total da folha de pagamentos e, para compensá-la, a criação de um imposto nos moldes da CPMF, com arrecadação totalmente dirigida para a Previdência.
A proposta guarda semelhanças com o imposto sobre transações digitais que o ministro Paulo Guedes promete apresentar – tributo este que já tem oposição declarada do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do relator da reforma tributária na Casa, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
Entretanto, a alíquota e o montante a serem arrecadados na CPMF sugerida pela Confederação Nacional dos Serviços (CNS) seriam muito superiores aos do projeto que o governo vem divulgando informalmente (leia mais abaixo).
Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo concordam que o setor de serviços é um dos mais onerados pela proposta do governo. Eles ainda ponderam se é pertinente fazer uma mudança tributária que pesaria muito para quem emprega mais no país, ainda considerando a atual conjuntura de crise ocasionada pela pandemia da Covid-19. Para eles, a proposta fatiada da União não colabora para uma visão geral de eventuais compensações futuras e, com isso, pode apenas aumentar a carga tributária e gerar mais arrecadação para o governo.
O governo, por sua vez, alega que não haverá aumento na carga tributária e justificou a alíquota mais alta, de 12%, como necessária para manter o nível de arrecadação e compensar os descontos de créditos que estão previstos na proposta.
Por que a CBS pesa mais sobre o setor de serviços
A presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários (IPET) e pós-doutora em Direito Tributário Mary Elbe Queiroz lembra que, atualmente, as empresas optantes pelo lucro presumido pagam PIS/Cofins de 3,65% sobre a receita bruta. As que optam pelo lucro real, 9,65%. Todas passarão a pagar 12% da alíquota única da CBS.
Ela observa que, embora essas propostas prometam simplificar o sistema e manter neutra a carga tributária total, alguns ramos de atividade acabarão pagando mais impostos para que outros paguem menos.
“Se a proposta é neutra, isso significa que a carga aumenta para alguns e diminui para outros. Nessas propostas, quem paga a conta são as empresas prestadoras de serviço. Aumento na prestação de serviços vai repercutir para comércio, indústria e consumidor final. Quando onera um setor, o produto final vai ficar mais caro”, pontua.
O aumento da carga tributária sobre o setor de serviços é brutal, considerando o modelo de compensação de créditos da CBS, na avaliação de Igor Mauler Santiago, tributarista, sócio-fundador do Mauler Advogados.
“O principal insumo do setor, que é a mão de obra, não gera crédito nenhum [a ser compensado]. Para indústria, comércio, esses créditos fazem sentido, mas para o setor de serviços, não. É um aumento violento”, analisa.
O presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), João Elói Olenike, lembra que a situação seria diferente caso houvesse a opção por um modelo de imposto de valor agregado (IVA) puro, que permitisse que todas as operações pagas anteriormente pudessem tomar crédito, independentemente da natureza.
“Só pode tomar crédito do que for destacado em nota fiscal. Pagamento de aluguel, por exemplo, não gera crédito na CBS, mas é um custo que a empresa tem”, explica. Esse impacto justifica a compensação pedida pelo setor com a não incidência de tributos na folha de salários.
O empresário Luigi Nese, vice-presidente da CNS, afirma que mesmo dentro do setor alguns segmentos sofreriam ainda mais com esse aumento da carga, especialmente saúde, educação, transportes e limpeza. Ele rebate o argumento de que o setor não será afetado porque muitas empresas se enquadram no Simples, que está fora da reforma.
“Essas empresas do Simples representam uma pequena parte do faturamento do setor de serviços, ainda que sejam maioria numérica. São essas outras [as maiores, que não estão no Simples] que representam mais da atividade econômica”, argumenta.
Compensação com a desoneração da folha
Para escapar de um aumento de carga tributária, o setor de serviços defende um modelo de desoneração da folha e criação de um imposto sobre movimentações financeiras, nos moldes da CPMF.
A CNS propõe:
- Eliminar a contribuição patronal sobre a folha de salários, hoje em 20%;
- Reduzir a contribuição do empregado, que hoje varia de 7,5% a 11,69% do salário (alíquota efetiva), para uma faixa entre 5% a 8%;
- Zerar o salário educação, que hoje é de 2,5% da folha de salários; e
- Zerar a contribuição ao INCRA, hoje em 0,2% da folha.
Para compensar essa perda de arrecadação, a entidade sugere criar a Contribuição Previdenciária sobre Movimentações Financeiras (CPMF), um tributo totalmente voltado ao financiamento do INSS. Ele teria alíquota de 0,81%, incidente apenas sobre os saques de contas correntes de pessoas físicas e jurídicas.
Essa alíquota seria muito superior às de 0,2% ou 0,4% aventadas pelo governo em seu imposto sobre transações digitais, e maior também que a de 0,38% cobrada na última versão da antiga CPMF, extinta em 2007.
Mesmo que incida somente sobre retiradas de dinheiro e não seja cobrada em movimentações de conta-corrente para poupança ou na aquisição de ativos financeiros, a proposta geraria arrecadação bastante elevada, segundo a própria CNS: R$ 229 bilhões, o suficiente para recompor a arrecadação perdida com a desoneração da folha. Em comparação, o governo prevê arrecadar cerca de R$ 120 bilhões caso a alíquota de seu tributo sobre transações seja de 0,2%.
Para Luigi Nese, vice-presidente da CNS, a desoneração da folha deveria ser prioridade da reforma do governo, para equalizar o setor de serviços junto com indústria, agricultura e comércio, o que permitiria avançar em outros debates posteriormente. O setor articula a criação de uma frente parlamentar para discutir o tema. A ação está sendo capitaneada pelo deputado Delegado Marcelo Freitas (PSL-MG).
Ele ainda defende que essa nova CPMF seria mais segura. “Esse imposto é mais justo e mais fácil de arrecadar: todo mundo vai pagar e não vai ter ninguém isentado disso. Tudo isso vai melhorar a arrecadação e a simplificação, sem corrupção e sonegação”, argumenta.
A volta de um imposto nos moldes da CPMF deixou de ser tabu dentro do governo Bolsonaro e a criação de um imposto sobre transações digitais, para bancar a desoneração da folha de pagamentos e do programa Renda Brasil, aparece como quarta e última fase da reforma tributária desenhada pela equipe econômica.
O presidente já disse ter dado aval à discussão, desde que o novo imposto seja compensado por reduções em outros e não resulte em aumento da carga tributária. Mas no momento é impossível saber se a “nova CPMF” vai ou não elevar o peso global dos impostos em relação ao PIB.
Momento é inadequado para fazer reforma tributária, dizem especialistas
Embora o atual momento seja de queda na arrecadação, uma reforma fatiada e que onera o maior empregador do país pode ter efeitos inesperados no futuro.
Luigi Nese, da CNS, pondera que nenhuma reforma trará mais empregos, o que só será alcançado quando a economia andar, mas pode aumentar a formalização. “Pode ficar mais fácil administrar o emprego. Você diminui custo administrativo e paga melhores salários. O sistema de simplificação e diminuição de carga facilita a empregabilidade”, analisa.
Mary Elbe Queiroz, do IPET, defende que a reforma fatiada não é boa, porque não dá a noção exata de conjunto da obra. Ela considera que o momento não é adequado para uma reforma profunda e critica a falta de prudência do governo.
“O governo vai conseguir aumentar a carga tributária, e realmente precisa de recursos agora por causa dos socorros públicos. Mas é o momento para fazer isso com setores já fragilizados? [Serviços] é o setor que gera mais empregos, que contrata mão de obra e está tendo que desempregar por causa da situação econômica”, avalia.
A desaceleração da economia e a queda de arrecadação são razões que podem tirar a clareza da avaliação de mudanças de longo prazo no sistema tributário. “O momento é de pensar em soluções de curto prazo, para depois uma reestruturação mais ampla e sistemática”, defende o tributarista Igor Mauler Santiago.
A proposta apresentada pelo governo foi considerada decepcionante por João Elói Olenike, do IBPT. Ele lembra que entre 2002 e 2003, quando houve mudanças de PIS e Cofins para abarcar um sistema não cumulativo, já houve aumento de carga. A alíquota de 12% como partida da CBS também é considerada muito elevada e, se somada aos tributos municipais e estaduais, que ficam entre 25% e 30%, já representa um peso muito grande.
Além disso, a proposta de imposto sobre transações eletrônicas pode estar superestimando a arrecadação. “Essa proposta é mais uma oneração que vai repercutir no consumo, e quem paga é o consumidor final, é o contribuinte, porque tudo será repassado para o preço dos produtos”, argumenta.