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09/10/2020Pai de santo acusado de estuprar fiéis em SP ‘não representa a Umbanda’, diz 1ª vítima
Jovem disse ao G1 ter sido estuprada pelo Pai Guimarães de Ogum em 2011, quando tinha 12 anos. Ministério Público pediu à Justiça a prisão do líder religioso por crimes sexuais contra 6 vítimas. Advogado afirma que líder religioso ‘nega todas as acusações’ e que se trata de ‘uma armação das vítimas’.
Por Kleber Tomaz, G1 SP — São Paulo
09/10/2020 16h29 Atualizado há 3 dias
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Pai Guimarães de Ogum — Foto: Reprodução/Redes sociais
A primeira das seis vítimas dos supostos estupros cometidos por Heraldo Lopes Guimarães, conhecido como Pai Guimarães de Ogum, em São Paulo, afirmou ao G1 que ele “se aproveitou” dela quando tinha 12 anos, em 2011. Segundo ela, o líder religioso se valia da posição de sacerdote espiritual para cometer os abusos sexuais.
“Heraldo Lopes Guimarães não representa a Umbanda, ele se aproveitou de mim como se aproveitou de todas nós”, disse ela, atualmente com 22 anos, em uma carta enviada nesta quinta-feira (8) ao G1 na qual acusa o pai de santo de tê-la estuprado.
Com 56 anos, Heraldo atua na Umbanda, religião brasileira de matriz africana. Além disso, comanda um templo na Zona Sul da capital, onde, segundo a Promotoria, aconteceu a maioria dos abusos contra as vítimas. Duas delas eram menores de 14 anos na época. As outras já tinham 18 anos ou mais.
Além de denunciá-lo à Justiça por estupro, a Promotoria também pediu a prisão de Pai Guimarães pelos crimes que ele supostamente cometeu entre os anos de 2010 e 2019. A acusação foi feita em 15 de setembro e ainda aguarda decisão judicial.
Procurado pelo G1, o advogado de Pai Guimarães afirmou que o líder espiritual alega inocência.
“Meu cliente nega totalmente os fatos. E entende que é uma armação das vítimas, que estão em conluio e fazendo denúncias infundadas e inverídicas. Nesse momento é isso”, disse o advogado Marco Antonio de Castro, que defende Pai Guimarães de Ogum.
Em casos de condenações, as penas para estupro podem ser de 6 a 10 anos de prisão e até 15 anos de reclusão (se for estupro de vulnerável). Quando há mais vítimas, a Justiça também costuma somar as penas atribuídas a cada uma das condenações por esse crime.
Partido da Mulher Brasileira afastou Heraldo
Após ter conhecimento das denúncias contra Heraldo por crimes sexuais, o Partido da Mulher Brasileira (PMB), do qual ele era presidente municipal em São Paulo, decidiu afastá-lo em definitivo.
“Desejamos que ele seja processado, julgado, e, se condenado, defendemos a pena de Castração Química nos delitos de crimes sexuais”, informou a nota divulgada pela assessoria de imprensa do PMB. A sigla alega que “disponibilizou para vítima assessoria jurídica para funcionar como assistente de acusação”.
Apesar disso, a assessoria de comunicação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), informou que a filiação de Heraldo ao PMB continuava ativa nesta sexta-feira (9).
Vítimas citam domínio psicológico
Pai de santo Heraldo Guimarães é acusado de crimes sexuais contra fiéis em SP — Foto: Reprodução/Redes sociais
As vítimas contaram ao grupo de Acolhimento de Vítimas, Análise e Resolução de Conflitos (Avarc) do Ministério Público que o pai de santo se valia da sua posição de sacerdote espiritual para cometer os abusos sexuais. Eles também ocorreriam em outro templo, no Centro, e até na casa do acusado.
As mulheres disseram ainda que Heraldo exercia domínio psicológico, deixando-as vulneráveis a ponto de se sentirem obrigadas a manter relações sexuais com ele. Elas acreditavam que aquilo fazia parte do tratamento em busca de uma cura espiritual. Nos próximos dias, a Avarc pretende ouvir mais duas outras possíveis vítimas do pai de santo.
1ª vítima
A mulher que se diz vítima do pai de santo diz que, no início, ficou encantada com os rituais.
“Quando cheguei ao terreiro do Heraldo, era bem nova, tinha menos de 12 anos. Na época fui porque pedi muito para a minha mãe e uma pessoa (na época, minha tia) me levarem. Assistimos a alguns trabalhos, e eu fiquei encantada como era o ritual”, falou a jovem.
A vítima conta que agora, nove anos depois de ter conhecido Pai Guimarães no templo que ele dirigia, entende como era a estratégia do líder religioso para controlá-la.
“Fui crescendo e desenvolvi por ele um carinho de pai, pois até então ele nunca tinha me feito nada”, escreveu a mulher.
“Começaram os comentários da parte das ‘entidades’ que ele mistificava incorporar, dizendo que, se eu saísse com alguém ou tivesse relações sexuais, eu engravidaria, entre outros constrangimentos públicos.”
Ela descreve que “o primeiro abuso ocorreu em um dia de ritual”, num quarto chamado Trunqueira. “Quando chegou minha vez, ele disse que eu tinha ideias suicidas e depressivas e que ele me ajudaria. Pegou na minha mão e disse que andaríamos juntos”, relatou.
“Ele estava sentado e olhou nos meus olhos e disse que eu faria um ‘agrado’, colocou o órgão sexual para fora e me induziu a fazer sexo oral nele (eu nunca tinha feito aquilo, aquele foi meu primeiro e horrível contato sexual), no final ele me fez engolir e tomar uísque.”
No texto que enviou ao G1, a vítima afirmou ter deixado o lugar após três anos. “Com 15 anos eu saí do inferno”, disse a mulher. “Não contei a ninguém porque tive vergonha.”
Ela afirmou que o pai de santo usou de “manipulação e abuso de fé” para obrigá-la a fazer sexo com ele.
“Guimarães sempre disse ser médium inconsciente. Então essas ‘entidades’ diziam para eu não contar para o ‘menino’, forma como se referiam a ele. E depois disso os abusos só pioraram e se tornaram recorrentes”, descreveu.
Ela faz questão de falar sobre o motivo de ter decidido procurar o Ministério Público para denunciar o caso, quase dez anos depois.
“Porque antes era só eu e a minha dor, somos muitas e, se depender de nós e se a justiça for feita, nunca mais ele encosta a mão em mulher nenhuma!”, afirmou.
O MP também pediu à Justiça que Pai Guimarães pague indenização no valor de R$ 100 mil a uma das vítimas, pelos danos psicológicos e psíquicos que lhe causou. A Promotoria solicitou igualmente o pagamento de R$ 30 mil para cada uma das outras cinco vítimas pelos danos que tiveram.
“Não queremos dinheiro, não queremos fama, ‘não é uma briga patrimonial’, não estamos sendo pagas para estar aqui. A única coisa que queremos é justiça, e essa, meus senhores, tarda mas não falha!”, escreveu a mulher.
MP e a Justiça
Prédio do Ministério Público de São Paulo, no Centro de São Paulo — Foto: Divulgação
“As vítimas eram surpreendidas pelas graves ameaças, por uma teia de condições premeditadas de intimidação espiritual, colocando-as em condições de vulnerabilidade para prática de violência sexual”, afirmou ao G1 a promotora do caso, Celeste Leite dos Santos.
“Infere-se que o denunciado se utilizava do contexto religioso para prática dos crimes”, disse a promotora. “O autor, utilizando-se do mesmo modus operandi, supostamente incorporado por entidades espirituais, praticou atos libidinosos e conjunções carnais com diversas vítimas.”
A Promotoria pediu a prisão preventiva dele alegando risco de fuga do acusado. “Há risco concreto de evasão do acusado, além de que sejam praticados novos atentados contra a ordem pública. Existem outras vítimas que já solicitaram sua oitiva pelo Ministério Público”, informou a nota da assessoria de imprensa do MP.
Após apresentação da denúncia pela Promotoria, caberá a Justiça aceitar as acusações contra o pai de santo e torná-lo réu no processo ou não. E ainda decidir se decreta sua prisão para que ele fique preso até ser julgado pelos crimes.
Procurada pela reportagem, a assessoria do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) informou que não vai comentar o assunto porque “o processo está em segredo de Justiça, visando a proteção das vítimas, já que se trata de crime sexual.”
Pai Guimarães também comanda a Abratu (Associação Brasileira dos Religiosos de Umbanda, Candomblé e Jurema). Questionada pelo G1, a Abratu não comentou o assunto e pediu que o advogado de Pai Guimarães fosse procurado para falar do caso, mas o advogado do acusado não retornou os contatos da reportagem.
6 vítimas
Pai Guimarães de Ogum nega as acusações de que teria abusado de seis fiéis em SP — Foto: Reprodução/Redes sociais
Para preservar a identidade das vítimas, a Promotoria as chama por números, que vão de 1 a 6.
- Vítima 1: O MP acusa Pai Guimarães de ter mantido relações sexuais e praticado atos libidinosos contra ela, que era menor de 14 anos à época, no templo da Zona Sul e na casa dele, entre 2011 e 2014.
- Vítima 2: O pai de santo é acusado ainda pela Promotoria de praticar atos libidinosos contra ela no templo e na casa dele, entre 2014 e 2015. Ela tinha 14 anos à época.
- Vítima 3: O pai de santo também é acusado de cometer atos libidinosos e obrigá-la a transar com ele nos templos do Centro e da Zona Sul , além de um outro endereço, entre 2010 e 2011.
- Vítima 4: Pai Guimarães também foi denunciado por atos libidinosos e por obrigá-la a fazer sexo oral nele no templo da Zona Sul e na casa dele, entre 2013 e 2015.
- Vítima 5: O pai de santo é acusado ainda de praticar atos libidinosos e obrigá-la a fazer sexo oral nele na casa onde morava e no templo da Zona Sul, entre 2013 e 2016.
- Vítima 6: Pai Guimarães também foi denunciado por violência psicológica ao ameaçá-la de morte a obrigando a transar e ter atos libidinosos com ele, causando lesão corporal de natureza grave nela, no templo da Zona Sul, em 2013.