Diário do Acionista | Os valores de uma empresa x comportamento dos funcionários
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26/10/2020Empresas fecham acordos coletivos com regras e estrutura para o home office
Banco Bradesco e TIM estão entre os empregadores que manterão a prática
Por Adriana Aguiar — De São Paulo
26/10/2020 05h01 Atualizado 2020-10-26T08:01:22.857Z
Leonardo Jubilut: acordos dão mais segurança e valem mesmo se houver uma posterior edição de uma lei que trate do tema — Foto: Divulgação
Empresas que adotaram o home office na pandemia e pretendem tornar a prática permanente têm feito acordos coletivos com os sindicatos de trabalhadores para estabelecer regras para o controle da jornada e a estrutura necessária – como mobiliário e internet. Bradesco e TIM fecharam recentemente acordos nacionais e está previsto para hoje a assinatura pelo setor farmacêutico em São Paulo de um aditivo à convenção coletiva somente sobre teletrabalho.
O trabalho remoto já está presente em 15,9% das negociações coletivas deste ano, segundo a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Um aumento significativo em relação a 2019, quando o assunto aparecia só em 2,4% dos acordos.
Por causa da pandemia, o número de pessoas trabalhando em casa é grande. Levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostra 8,4 milhões em home office – cerca de 10% dos 81,4 milhões de ocupados no país.
O assunto preocupa as empresas porque ainda é pouco regulamentado. O teletrabalho está previsto na CLT desde 2017, no artigo 75-A e seguintes, incluídos pela reforma trabalhista (Lei nº 13.467). O texto é sucinto e ainda gera dúvidas na sua aplicação. Existem pelo menos seis projetos de lei em tramitação no Congresso para regulamentar a questão.
A TIM fechou acordo em setembro com a Federação Nacional dos Trabalhadores em Telecomunicações (Fenattel). A empresa fornecerá mobiliário e computador, além de ajuda de custo de R$ 80 para energia e internet. Serão mantidos o vale-refeição e os mesmos direitos do trabalhador presencial, com exceção do vale-transporte. E haverá controle de ponto.
A companhia fez uma pesquisa em julho com seus funcionários e 98% dos colaboradores querem continuar na modalidade ao fim da pandemia. Com o teletrabalho, 72% dos funcionários estão mais produtivos, segundo a TIM.
Maria Antonietta Russo, vice-presidente de Recursos Humanos da TIM Brasil, diz, por nota, que “ a flexibilização implica um novo conceito de gestão do tempo, responsabilidade e comunicação num ambiente de trabalho mais fluido, onde há mais espaço para valores como autonomia e proatividade, numa ressignificação das relações de trabalho, totalmente baseada na relação de confiança entre organização e pessoas”.
O coordenador nacional da Fenattel e vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicação do Estado de São Paulo (Sintetel-SP), Mauro Cava de Britto, afirma que o acordo com a TIM ficou bem completo com a inclusão de uma cláusula com 48 parágrafos. “Muitos trabalhadores querem continuar em casa e agora terão a estrutura necessária. O call center está quase 100% em home office”, diz. Ele acrescenta que há uma negociação em curso com a Claro, mas para valer só na pandemia.
O advogado Leonardo Jubilut, sócio do Jubilut Advogados, afirma que assessorou no início da pandemia o sindicato patronal da área de telecomunicações no Estado de São Paulo, o Sinstal, para regulamentar e possibilitar a atuação em home office, sem detalhes de obrigações e outros benefícios, o que deve acontecer na próxima negociação coletiva, em janeiro. Para ele, “esses acordos dão mais segurança e valem mesmo se houver uma posterior edição de uma lei que trate do tema”.
O Bradesco assinou acordo semelhante em setembro. No caso, empregados e banco vão definir quantos dias por semana o trabalho poderá ser feito de casa e haverá uma ajuda de custo anual de R$ 960 para os que predominantemente atuarem em home office. O banco também se comprometeu a fornecer notebook, cadeira ergométrica e fará controle de jornada.
No balanço do segundo trimestre, o Bradesco registrou que 94% dos funcionários administrativos e 50% do pessoal de agências estavam em home office. O banco tinha 96.787 funcionários em junho.
Segundo a presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Juvândia Moreira, desde a campanha salarial, encerrada em julho, há um pedido dos trabalhadores para regulamentar melhor o teletrabalho. “Tentamos negociar com todos bancos ao mesmo tempo, mas nem todos aceitaram nossas premissas”, afirma.
A Contraf fez uma pesquisa com 11 mil bancários que constatou aumento com energia, internet e telefone, enquanto os bancos reduziram seus custos. Após a negociação coletiva, o Bradesco fez um acordo com a categoria. “Esse acordo pode ser posteriormente firmado por outros bancos. E traz segurança não só para os trabalhadores”, diz Juvândia.
No caso das farmacêuticas, o acordo está para ser fechado pela Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas e Farmacêuticas no Estado de São Paulo (Fequimfar) e o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma). Deve ser aprovada a garantia de direitos idênticos aos trabalhadores presenciais. O texto ainda prevê controle de jornada e custeio de todo o equipamento necessário.
A advogada Juliana Bracks, do Bracks Advogados, diz ter feito cerca de 20 acordos desse tipo. “No momento que essas empresas perceberam que o home office seria estendido, passaram a querer mais segurança”, diz.
Praticamente em todos os acordos, acrescenta, há previsão de um valor mensal indenizatório que variou de sindicato para sindicato, entre R$ 150 a R$ 500, até reembolso com prestação de contas. Ficou também estabelecido que a empresa pode convocar para um trabalho presencial, desde que haja 72 horas de antecedência. Em alguns, o vale-refeição foi suprimido, em outros não. Em todos, não há vale-transporte.
Nos textos também há cláusulas que tratam de confidencialidade de documentação e propriedade intelectual. Sobre o controle de jornada, a advogada recomenda a manutenção, mesmo com previsão na CLT (artigo 62) que dispensa em caso de home office. “Os juízes entendem que se a empresa não controlou foi porque não quis, porque teria mecanismos tecnológicos para fazê-lo.”
Fernando Machado, sócio da consultoria de gestão Russell Reynolds, responsável por empresas na área de serviços financeiros, afirma que o trabalhador, na verdade, está morando no trabalho. “Temos filhos sem escola e diversas obrigações em casa. É uma situação excepcional”, diz. Ele acrescenta que a prática deu certo, mas que a tendência é de se investir em um sistema híbrido, mantendo atividades presenciais. “O ser humano é um ser social.”
Procurados pelo Valor , o Bradesco, a Fequimfar e o Sindusfarma informaram que não iriam se manifestar.