Ambito Jurídico | Limites de competência de entidades estatais no direito do trabalho
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05/11/2020Limites de competência de entidades estatais no direito do trabalho
O Grupo de Trabalho GT Covid-19 e Grupo de Trabalho GT Nanotecnologia, ambos
pertencentes ao Ministério Público do Trabalho, elaboraram Nota Técnica nº
17/2020 com escopo de informar e orientar as empresas sobre diversas medidas
a serem tomadas para melhor regulamentar o teletrabalho e o home office, que
inquestionavelmente e inesperadamente tornaram-se presentes em nosso
cotidiano em razão da pandemia da COVID-19. Infelizmente, como se tem
tornado habitual, quando de sua divulgação três semanas após a sua edição, o
que serviria para esclarecer e dar parâmetros foi transformado em regras e
incensado como base de temores.
Em razão disso, inicialmente, cumpre aqui tecer alguns comentários sobre a
obrigatoriedade (ou não) das empresas em seguir as orientações contempladas
na nota.
Pois bem, dispõe o art. 5º, inciso II da Constituição Federal que ninguém
será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei.
No entanto, o cerne da discussão encontra respaldo na natureza jurídica da
Norma Técnica emitida. Ou seja, teria esta, ou não, o patamar e a força de
lei?
Respeitadas opiniões contrárias, somos adeptos ao pensamento de que a norma
não tem o condão imperativo (de observância obrigatória) conferido às leis,
justamente porque compete exclusivamente ao poder legislativo a elaboração
das leis propriamente ditas (salvo algumas poucas exceções).
Assim, não compete, pois, ao Ministério Público do Trabalho assumir tal
função, mas tão somente fiscalizar e garantir o fiel cumprimento das leis
trabalhistas, bem como complementá-las mediante a elaboração de tais notas
e, se o caso, ajuizar a ação judicial competente caso entenda pela
ocorrência de eventual infração à legislação trabalhista.
Não é demais ressaltar que referidas notas técnicas servirão de norte
condutor para a atuação do MPT, de modo que, ao menos na esfera
administrativa, a não observância daquelas determinações, gerará a atuação
dos Procuradores do Trabalho.
Dessa forma, ultrapassada esta questão, são algumas das principais
orientações constantes na Nota ora discutida:
1º “Regular o regime de teletrabalho nos termos da lei, caso ainda não o
feito, mediante aditivo escrito ao contrato de trabalho, tratando de forma
específica sobre a duração do contrato, a responsabilidade e a
infraestrutura para o trabalho remoto, bem como o reembolso de despesas
relacionadas ao trabalho realizadas pelo empregado (…)”.
2º “Adotar mecanismo de controle da jornada de trabalho da trabalhadora ou
trabalhador para o uso de plataformas digitais privadas ou abertas na
realização de atividade capacitação, a qual é incompatível com medidas de
redução da jornada de trabalho ou de suspensão do trabalho (…)”.
3º “Observar os parâmetros da ergonomia, seja quanto às condições físicas ou
cognitivas de trabalho (por exemplo, mobiliário e equipamentos de trabalho,
postura física, conexão à rede, design das plataformas de trabalho online),
quanto à organização do trabalho (o conteúdo das tarefas, as exigências de
tempo, ritmo da atividade), e quanto às relações interpessoais no ambiente
de trabalho (formatação das reuniões, transmissão das tarefas a ser
executadas, feedback dos trabalhos executados), oferecendo ou reembolsando
os bens necessários ao atendimento dos referidos parâmetros, nos termos da
lei (…)”.
4º “Oferecer apoio tecnológico, orientação técnica e capacitação às
trabalhadoras e aos trabalhadores para realização dos trabalhos de forma
remota e em plataformas virtuais, nos termos da Convenção 142 da OIT e art.
205 da Constituição da República.”
5º “Instruir os empregados, de maneira expressa, clara e objetiva, quanto às
precauções a tomar a fim de evitar doenças, físicas e mentais e acidentes de
trabalho, bem como adotar medidas de segurança como intervalos e exercícios
laborais.”
6º “Observar a jornada contratual na adequação das atividades na modal idade
de teletrabalho e em plataformas virtuais, com a compatibilização das
necessidades empresariais e das trabalhadoras e trabalhadores
responsabilidades familiares (pessoas dependentes sob seus cuidados) na
elaboração das escalas laborais que acomodem as necessidades da vida
familiar, especialmente nutrizes, incluindo flexibilidade especial para
trocas de horário e utilização das pausas.”
7º “Estimular a criação de programas de profissionalização especializada
para a mão de obra dispensada, podendo contar com apoio do poder público,
para o caso de a automação e a automatização das atividades resultar em
eliminação ou substituição significativa da mão de obra, nos termos do art.
7º, XXVI I, da CRFB.”
Conforme se extrai das orientações acima transcritas, dentre as demais
constantes na Nota, percebe-se que o Ministério Público do Trabalho adentra
não apenas nas questões técnicas pertinentes à Justiça do Trabalho (como a
elaboração de aditivo contratual para regulamentar o teletrabalho, controle
de jornada etc.), mas também em questões concernentes ao poder de direção da
atividade empresarial (como a “necessidade” de criação de programas de
profissionalização especializada para a mão de obra dispensada, por
exemplo).
Ora, conforme já mencionado, compete ao Ministério Público do Trabalho, na
qualidade de fiscal da ordem jurídica, tão somente garantir o cumprimento
das leis trabalhistas e, se o caso, representar o interesse coletivo de
determinada categoria profissional.
Ademais, oportuno mencionar que o Brasil se encontra no período pandêmico há
sete meses, tendo sido a presente Nota elaborada somente após a retomada
gradual do comércio e de atividades presenciais, e não durante o período em
que o teletrabalho era de observância obrigatória e regulado pela MP 927
(não mais vigente).
Por fim, cabe aqui ressalvar que, doravante, o teletrabalho será, sim,
extremamente presente em nosso cotidiano, sendo necessária à sua melhor
adaptação e regulamentação. No entanto, não poderão as entidades estatais
ultrapassar seus limites de competência, de modo a tomar para si (direta ou
indiretamente) parte do poder de direção da atividade empresarial.
Por Leonardo Jubilut, sócio do Jubilut Advogados