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12/12/2020Disseram que meu cabelo chamava atenção, diz jovem que venceu ação contra Fleury
Larissa Santos, colaboração para a CNN
11 de dezembro de 2020 às 20:36 | Atualizado 13 de dezembro de 2020 às 16:09
Mayara Oliveira de Carvalho venceu processo contra o laboratório no TSTFoto: Mayara Oliveira de Carvalho /Arquivo pessoal
Mayara Oliveira de Carvalho trabalhou por seis meses no Laboratório Fleury. A jovem, que venceu uma ação na Justiça contra o laboratório por discriminação racial, afirmou, em entrevista à CNN nesta sexta-feira (11), que desde sua primeira semana na empresa percebeu atitudes racistas vindas de chefes e também de colegas de trabalho.
“Na primeira entrevista fui de cabelo solto, me elogiaram bastante, gostaram do meu desempenho, do meu vocabulário, falaram que eu era muito bonita, que entrava no padrão da recepcionista e eu fiquei muito engajada. (…) A autoestima foi lá em cima”, contou a jovem.
Mas, antes de efetivamente começar a trabalhar em uma das sedes do laboratório, as recepcionistas precisam passar por um processo, no qual fazem uma “padronização visual”, em um treinamento dado por uma empresa cosmética terceirizada que seguia o “manual de padronização visual” que era instituído pelo grupo Fleury.
Nesse guia, as mulheres que representam essa padronização eram todas brancas, a maioria loiras e todas de cabelo liso.
No processo é ensinado que as recepcionistas estejam levemente maquiadas, usem uniforme e tenham um comportamento específico, por lidarem diretamente com os clientes. Também é passado que quem possui franja precisa mantê-la para trás, presa, e quem tem cabelo abaixo do ombro precisa mantê-lo preso.
Mayara, que usa o cabelo com o penteado black power, não tem o cabelo comprido o suficiente para passar do ombro e tampouco tem franja, o que não a caracterizaria dentro da regra de padronização visual. Mas ao chegar à unidade da Fleury, logo na primeira semana, o comportamento discriminatório começou, segundo ela.
A jovem diz ter sido coagida pelos colegas de trabalho a prender o cabelo, pois, segundo eles, “chama muita atenção” e os clientes poderiam entrar no SAC ou na ouvidoria para fazer algum tipo de reclamação, ou “porque era o cabelo que os clientes Fleury não estavam acostumados a lidar”, sob penalidade de demissão.
De acordo com o relato da jovem, várias colegas não cumpriam as regras de “padronização visual”, deixando franja ou cabelos longos soltos, mas apenas ela recebia constantes advertências.
“Todos os dias da minha vida, enquanto eu trabalhei no Fleury, eu fui com o cabelo amarrado”, contou a ex-recepcionista.
A supervisão, afirma ela, alegava constantemente que o Manual de Padronização exigia que ela não podia “chamar atenção com o cabelo”, mesmo que estivesse preso.
À CNN, Mayara afirmou que a principal forma de discriminação vinha diretamente de seus superiores, mas que ela também percebia piadas e comentários vindos de colegas de trabalho.
Segundo ela, ao tentar denunciar para uma supervisora a discriminação que sofria, a orientação que recebeu a desestimulou a abrir um processo dentro do Código de Ética. A profissional superior a ela afirmou, de acordo com a jovem, que cuidaria do caso, mas nenhuma atitude foi tomada.
“Esse comportamento de se sentir confortável de fazer uma piada racista dentro do ambiente de trabalho, significa que a empresa compactua com essas atitudes”, afirmou a jovem.
Processo chegou à última instância
“A tese principal desse processo é como o racismo organiza todas as relações, visto que extrapola a esfera individual e penetra nas instituições. No caso em análise o que vimos é que, ao fixar como regra institucional um “guia de padronização visual”, a empresa acabava por ser excludente com as funcionárias negras”, afirmou Monique Prado, advogada, integrante do Movimento Negro e estudiosa de relações raciais.
De acordo com Silvia Souza, que faz parte da equipe jurídica de Monique, o racismo institucional é entranhado socialmente, pois faz parte do racismo estrutural.
“O racismo institucional é um subproduto do racismo estrutural e que, portanto, pautam as relações das instituições públicas ou privadas”, disse Souza.
O caso foi até a última instância judicial e a relatora Delaíde Mirantes Arantes o julgou no “princípio da transcendência social”, em que o caso excede aquela situação individual e tem amplitude para demais circunstâncias, pois postula sobre um direito social garantido constitucionalmente.
“A ministra compreendeu que o black power não é questão de “estilo”, mas sim identidade e autoafirmação”, diz Monique.
Por meio de nota, o Grupo Fleury informou que irá recorrer da decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), “por considerar que os elementos técnicos que subsidiaram a decisão em primeira e segunda instâncias foram desconsiderados.”
Em nota, a empresa informou ainda que o caso “não reflete em nenhuma medida o comportamento ético, plural e de respeito às pessoas ao longo de sua trajetória de mais de nove décadas.”
Confira a nota do Grupo Fleury:
O Grupo Fleury é uma instituição médica de 94 anos de existência, caracterizados por um comportamento rigorosamente ético e de respeito no relacionamento com todos que atuam na empresa e com as pessoas que procuram os seus serviços, e repudia com veemência qualquer tipo de discriminação.
O quadro de colaboradores da empresa é marcado pela diversidade. É composto por 11 mil pessoas, das quais 50,6% são pessoas negras e 80% são mulheres.
O Grupo Fleury mantém um Canal de Ética e Conduta independente para apurar denúncias de práticas e posturas contrárias ao seu Código de Confiança, que veta qualquer ato discriminatório. Vale dizer que o documento a que se refere o acórdão não é vigente, nunca se orientou por qualquer tipo de discriminação e sua versão atual reforça ainda mais a política de diversidade e inclusão da companhia.
A empresa informa que irá recorrer desse Acórdão por considerar que os elementos técnicos que subsidiaram a decisão em primeira e segunda instâncias foram desconsiderados, bem como porque não reflete em nenhuma medida o comportamento ético, plural e de respeito às pessoas ao longo de sua trajetória de mais de nove décadas.